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Comunicação e imprensa

No documento As engrenagens da celebridade empresarial (páginas 45-52)

2 REVISÃO DA LITERATURA – CONCEITOS E TEORIAS UTILIZADOS

2.3 Conceitos relacionados: reputação

2.3.3 Comunicação e imprensa

A comunicação é o que liga a identidade à imagem e, portanto, à reputação. Sua importância para a reputação tem sido estudada - principalmente pelos especialistas em comunicação (BALMER; GRAY, 2000; MARCKWICK; FILL, 1997; RIEL, 1997).

A comunicação engloba todos os instrumentos internos e externos para criar uma impressão favorável nos grupos dos quais a companhia depende (RIEL, 1995). O processo de comunicação é que transforma uma identidade corporativa em imagem e em reputação. Para Riel (1995), a comunicação corporativa envolve a comunicação gerencial, a comunicação de marketing e a comunicação organizacional. A comunicação gerencial é utilizada internamente para motivar os empregados. A comunicação de marketing envolve a comunicação de

produtos e serviços. A comunicação organizacional engloba relações públicas (e imprensa), relações com investidores, relações com o mercado de trabalho e a comunicação interna.

Uma das questões levantadas por estudos como o de Riel (1997) é que a comunicação acaba sendo abordada em pesquisas de campos que, paradoxalmente, não se comunicam. Mas que a característica da comunicação corporativa é intedisciplinar, incluindo tanto as áreas de gestão e estratégia como as de comunicação (hoje estudadas separadas em propaganda, relações públicas e jornalismo, por exemplo). Riel (1997) defende a integração entre as práticas comunicacionais (o know-how) e o conhecimento em administração, para que sejam respondidas questões como:

a) Quais são técnicas válidas e confiáveis para mensurar a identidade de uma organização?

b) Quais são os métodos válidos e confiáveis para mensurar a reputação corporativa?

A reputação, sendo definida como uma percepção dos stakeholders, baseia-se nas diversas formas de comunicação da empresa com seus públicos: “Não importa o quão boa uma companhia é, ela não terá reputação sem visibilidade.” (FOMBRUN; RIEL, 2004, p.87)

A notoriedade pública de uma empresa é construída não apenas pela presença na mídia, como também pela presença nas ruas. Fombrun e Riel (2004) distinguem a notoriedade pública da notoriedade de mercado. Esta se divide em marca, listagem em bolsa e cidadania corporativa. Mas os componentes de ambas as notoriedades parecem ter interconexões que dificultam uma análise em separado. Por exemplo, empresas listadas em bolsa recebem maior cobertura por parte da imprensa e empresas com marcas fortes são mais bem cobertas pela imprensa.

De qualquer forma, tal distinção é importante de forma a explicitar que a mídia não é a única intermediária que forma a reputação das empresas. Outros intermediadores de informação atuam no sentido de promover legitimidade e reputação às empresas, muitas vezes em conjunto com a mídia. Rao, Greve e Davis (2001) estudam como os analistas de investimento se baseiam nos seus colegas para iniciar a cobertura das ações de uma empresa. Quando um começa a cobrir uma determinada empresa, todos os outros o seguem. Nesse processo, os analistas que começam a “onda” tendem a subestimar a rentabilidade futura da empresa e abandonar primeiro a cobertura da empresa. A publicidade também atua na construção da reputação, mas tem sido apontada como menos importante do que a imprensa (FOMBRUN;

SHANLEY, 1990). Além disso, a informação transmitida pela mídia é considerada de maior credibilidade em relação à informação transmitida diretamente pela empresa por outros canais de comunicação (CARROLL; MCCOMBS, 2003).

A importância da imprensa como intermediária é apontada, por exemplo, por Dowling (2004), que avalia a reputação a partir da impressão que os jornalistas forma a respeito das empresas, pois os considera com uma influência desproporcional em como as pessoas avaliam a organização. Ou seja, eles têm o poder de formar as avaliações de uma audiência maior. O autor utiliza 37 componentes da reputação corporativa nas suas entrevistas com jornalistas e faz três questões sobre o acesso aos porta-vozes das empresas para avaliar a relação que os jornalistas têm com a organização.

Uma outra observação se faz necessária: a familiaridade do público em relação a uma empresa pode afetar positivamente ou negativamente a reputação da empresa. Em situação de crise, a exposição à mídia pode prejudicar a reputação – e os consumidores guardam na memória a imagem negativa, segundo Fombrun e Riel (2004). Um exemplo citado foi a Microsoft, com as reportagens negativas sobre os processos sofridos por abuso de poder, que lhe fizeram regredir nos rankings de reputação.

Os autores mostram que há uma relação entre as empresas com maior visibilidade na mídia, por meio de reportagens e também de publicidade, e aquelas com maior reputação, conforme se verifica na tabela abaixo:

Baixa Reputação Alta Reputação

Artigos em revistas 28 57 Publicidade em revistas 20 48 Artigos em jornais 22 45 Propaganda de televisão 5 26 Matérias em televisão 5 21

Tabela 2 – Visibilidade e reputação

Fonte: Leslie Gaines-Ross, Results of a Survey of 25.000 Fortune Readers. Apresentação na 1ª Conference on Corporate Reputation, Image and Identity, Stern School of Business, Janeiro de 1997, In FOMBRUN; RIEL, 2004 (tradução nossa)

Empresas com melhor reputação são mais visíveis na mídia, pois companhias com melhor reputação tendem a abrir mais as suas informações, dialogar mais com os seus stakeholders. A comunicação aumenta a chance de a empresa ser percebida como genuína e crível. Os autores citam os exemplos da Body Shop, Amazon e Starbucks como empresas que construíram uma reputação com a ajuda da imprensa. Os autores criaram indicadores sobre reputação na mídia, a partir da quantidade, importância e tom da cobertura por parte da imprensa. Verificaram que as empresas com melhor reputação na mídia são as que têm melhor reputação geral.

Se a imprensa é importante para a reputação, e como a reputação é recurso estratégico de diferenciação, então, a imprensa é fonte de vantagem competitiva para as empresas. Deephouse (2000) analisa as propriedades do que chama de reputação na mídia – definida não pelo volume de informação disponível, mas sim pela avaliação de uma empresa presente na mídia. O pressuposto do autor é que, ao publicar reportagens a respeito de uma empresa, a mídia, em tese, reduz assimetrias de informação e reduz as incertezas dos stakeholders sobre as ações e características da empresa, atuando como um sinalizador da reputação. Seguindo a tipologia de Barney (1991), Deephouse acredita que a reputação na mídia possibilita a criação de valor se fornecer acesso a recursos de forma competitiva e promover ao menos um de três benefícios estratégicos:

1)Acesso a custos menores 2) Aumento de preços

3) Criação de barreiras competitivas

Deephouse (2000) cita uma reportagem sobre empresas na região norte-americana de Twin Cities (Mineápolis e St. Paul) a respeito de políticas de recursos humanos favoráveis a quem precisa cuidar da família, como horários flexíveis e creche. Tal reportagem dá um sinal ao mercado de trabalho e traz uma potencial redução de salários para aqueles que preferem uma política de recursos humanos como a revelada na reportagem. Pode também atrair melhor qualidade de mão-de-obra, o que leva a uma apuração na qualidade de produtos, e, consequentemente, a uma possível elevação dos preços. Assim, há o potencial de criar uma barreira competitiva em relação às empresas que não contam com tal política de RH.

O fator não totalmente imitável significa que um concorrente enfrentará custos altos ao tentar imitar a estratégia da empresa. Como a fabricação das reportagens publicadas na mídia envolve uma complexa interação de atores, incluindo toda a estrutura dentro da organização da mídia, influências externas como a empresa e sua assessoria de imprensa, governo e também fatores ideológicos, Deephouse (2000) considera que a reputação na mídia é difícil de copiar. Trata-se de um conceito coletivo que conecta a empresa, a mídia e a percepção da audiência, num complexo processo de construção social. Não há um mercado aberto de reputações que facilite o processo.

Se houvesse um outro recurso que permitisse às empresas adotar as mesmas estratégias, a reputação na mídia seria substituível. Não parece ser o caso, pois ela significa um contrato psicológico entre empresa e stakeholders.

Quanto à raridade, significa que outras empresas não dispõem do mesmo recurso. Uma condição necessária para a raridade, no caso, é a variabilidade na reputação na mídia, ou seja, algumas empresas devem ser mais célebres que outras.

Se for um recurso que traz vantagem competitiva, a reputação na mídia deve melhorar o desempenho financeiro da empresa. Deephouse (1997) fez tal teste numa amostra de bancos comerciais e verificou que o coeficiente de notícias favoráveis às empresas é positivamente relacionado ao retorno sobre ativos. Kiousis, Popescu e Mitrook (2007) comparando material de relações públicas, reportagens, opinião pública e desempenho financeiro em 28 grandes empresas, não verifica, entretanto, qualquer relação entre a quantidade ou tom de matérias e a reputação ou o desempenho financeiro – mas talvez isso tenha ocorrido pelo período de análise (três meses), insuficiente para medir o acúmulo da reputação.

Em estudo posterior, Deephouse, junto com Wry e McNamara (2006) mediu a reputação na mídia em grupos estratégicos, por supor que os jornalistas usam grupos como referências ao fazer reportagens a respeito das empresas – ou seja, para conseguir dar conta de fenômenos complexos e das pressões de tempo que sofrem, os jornalistas acabam por empregar esquemas de categorizações simplificados. Os autores chegaram à conclusão que há diferenças na reputação da mídia entre diferentes grupos estratégicos e que os grupos são tratados de forma distinta pela mídia. Os jornalistas selecionam as histórias baseados em categorias e características que associaram com certos grupos.

O papel da mídia parece ser mais relevante quanto mais novas forem as empresas e quanto maiores as incertezas no cenário. Dempster (2006) ressalta a importância da cobertura da imprensa em indústrias criativas, ao afetar a demanda por consumidores de determinados produtos. A autora analisa o caso da Jerry Springer The Opera, que, ao surgir, em teatros alternativos de Londres, recebeu a cobertura apenas da imprensa local especializada nesse tipo de espetáculo, mas que, ao migrar para teatros maiores e, posteriormente, para o país todo, recebeu críticas em mídia nacional e internacional. A cobertura incluiu uma variedade de meios não especializados, como os tablóides. Estes se focaram nas controvérsias que cercaram a produção – e alimentaram a curiosidade do público. Com a expansão da cobertura de imprensa, a produção ganhou prêmios e ampliou a venda de ingressos.

Sem um passado a mostrar, as novas organizações são muito mais propensas a utilizar a mídia como canal tanto de legitimação como de construção de reputação. Rao (1998) trata as novas formas organizacionais como objetos culturais, que, para prevalecer, são moldados em um formato necessário, válido e apropriado. Lösch (2006) mostra como a mídia molda a nanotecnlogia por meio de artefatos familiares, como um robô e um submarino. Abrahamson e Fairchild (1999) apontam para o papel central que a imprensa ocupa em disseminar nos meios de comunicação acadêmicos e semi-acadêmicos de determinadas modas administrativas, como os ciclos de qualidade.

Em novas tecnologias, costuma haver uma disputa entre formatos incompatíveis. Torna-se ascendente aquele que obtiver maior suporte de fora da organização. Então as empresas convergem para aquele formato, num processo processo isomórfico, como mostra Vasconcelos (2004), no caso das empresas de Internet. Tais companhias constroem uma aparente racionalidade por meio de uso de ferramentas de planejamento estratégico e formalização administrativa para fortalecer a crença na “Nova Economia”, tornando-a a real. As ilusões se tornam realidade. Leonhardt (2000) defende que os empreendedores de Internet precisam mais do que ninguém da mídia. A própria construção do conceito “Nova Economia” na mídia serviu para legitimar esses empreendedores.

Rindova, Petkova e Kotha (2007) também enfatizam a importância da imprensa na construção de reputação de empresas de Internet:

Apesar de a cobertura da mídia não captar a totalidade da formação de impressão por um stakeholder, ela captura o processo central por meio do qual o conhecimento e avaliações sobre uma empresa se cristalizam num “fato social” (RINDOVA; PETKOVA; KOTHA, 2007, p. 34, tradução nossa).

Os autores tomam como base press releases, websites, cases e livros empresariais e reportagens de três empresas de e-commerce, entre 1994 e 1998: Amazon.com, Barnesandnoble.com (BN.com). As três empresas fizeram diferentes tipos de ações, que podem ser asssociados a diferentes padrões de cobertura da mídia em termos de quantidade de matérias (visibilidade), conteúdo (caráter estratégico), tom (favorabilidade) e distinção (estima). A Amazon.com promoveu mais ações simbólicas do que as outras empresas, ou seja, ações institucionais e culturais que distinguem uma empresa (anúncio de prêmios, ações sociais, atividades culturais com nomes estrelados) e também promoveu o dobro de ações do que a BN.com, empresa que já tinha uma reputação no “mundo real”, a Barnes e Noble. A Amazon.com também promoveu fortemente ações de desenvolvimento de novos serviços, parcerias e relações com consumidores. A BN.com concentrou-se em promover as suas parcerias, de forma a mostrar sua ligação com uma empresa do “mundo real” – é a única empresa das três que não surgiu na Internet. A CDNet não fez nenhuma ação em 1994 e poucas nos anos seguintes, pois não esperava o crescimento rápido do seu negócio, e, quando ele ocorreu, sofreu a concorrência de empresas como a Amazon.

A cobertura da mídia seguiu as ações estratégicas das empresas – ou seja, o conteúdo das reportagens reflete a composição das ações das empresas (caráter estratégico). A maior cobertura da Barnes e Noble foi sobre parcerias. A Amazon conseguiu matérias sobre todos os seus aspectos, e, principalmente, o seu trabalho institucional fez com que a mídia fizesse generalizações sobre ela, colocando-a como “modelo”, “pioneira, “padrão”, “exemplo” – embora não fosse a pioneira (A CDNet é que foi). Ela passou a ditar os padrões que as outras devem seguir, ou seja, alcançou um componente de reputação que é caracterizado como estima – ser explicitamente reconhecido como distinto por uma certa audiência. A Amazon.com conseguiu uma cobertura favorável, junto com a CDNow (no caso da BN.com, não ficou claro o tom). A Amazon.com foi a única que conseguiu alta visibilidade. BN.com e CDNow tiveram baixa visibilidade. Os autores chegam à conclusão de que, para novas empresas, a visibilidade é importante, e a composição das ações para promover essa visibilidade também são essenciais, pois vão determinar o modo como a empresa será conhecida. Ações sobre inovação são importantes para mostrar o potencial de criação de valor

e de geração de favorabilidade. Ações simbólicas e de inovação servem para uma empresa adquirir estima dos stakeholders. Esse é o componente mais difícil de atingir, o mais difícil de ser imitado, e, portanto, o mais valioso.

No documento As engrenagens da celebridade empresarial (páginas 45-52)