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O olhar indígena na América Latina deu origem a constituições capazes de incluir no estojo de leis, direitos para a “mãe terra”, a “água” e etc., apresentando ao mundo outro modelo de desenvolvimento, outro paradigma social denominado Bem Viver ou Sumakkawsay147. Este faz oposição ao Viver Melhor hegemonizado no sistema capitalista

mundial e, associado à capacidade de consumo (viver melhor é ter muitas coisas).

De acordo com o filósofo Euclides Mance, um dos precursores do conceito no Brasil, [...] ‘o bem viver está muito longe do consumismo alienante promovido pelo capitalismo […]. O capitalismo desumaniza as necessidades pessoais para realizar seus giros de produção que possibilitam o acúmulo de mais-valia […]. Neste mundo de mercadorias, os bens materiais valem mais do que as pessoas e estas somente são reconhecidas socialmente quando participam desta riqueza […]. Contudo, dela despidas, nenhum reconhecimento social teria, porque tais pessoas, sob a lógica do capital, valem menos do que a riqueza que possuem’. O conceito é complexo e plural. São vários os entendimentos em relação a ele. Mas, de forma geral, dentro de sua pluralidade, propõe uma série de alternativas ao atual modelo de desenvolvimento, visando a uma nova ordem social e política. Rebate a concepção reducionista de crescimento econômico como sinônimo de desenvolvimento. Da mesma forma, repudia o consumo desenfreado e o ideário de que bem-estar pressupõe “ter” bens materiais. (REDE MOBILIZADORES, 2012).148

Algumas condições são apontadas por intelectuais indígenas, para o SumakKawsay ter sido reconhecido por Estados como o Equador e Bolívia. Teve influência o “[...] descredito dos Estados -nação; a emergência do movimento indígena; a emergência dos movimentos sociais alternativos; […] o descrédito do conceito de

146 https://mpabrasil.org.br/plano-campones/

147 Esta expressão provém da língua quíchua, tradicional dos Andes significando vida plena. 148 Ver http://www.mobilizadores.org.br/noticias/conheca-mais-sobre-o-conceito-de-bem-viver/

desenvolvimento; e o acesso dos intelectuais indígenas às universidades”149 (HIDALGO-

HIDALGO-CAPITÁN; GARCÍA; GUAZHA; GARCÍA; GUAZHA et al., 2014, p. 29). Desde o Bem Viver tampouco há consenso no uso e atribuição do conceito de desenvolvimento. Alguns começaram a falar em “desenvolvimento integral” para diferenciá-lo do desenvolvimento capitalista, querendo contemplar:

A prática cotidiana do humanismo integral, onde homem e natureza estão em estreita e harmónica interrelação garantindo a vida, em um jogo, no qual os recursos humanos, naturais e financeiros devem ser levados em conta pelo Estado e as Nações Indígenas de forma harmónica, integral, democrática e eticamente para iniciar um verdadeiro desenvolvimento. (TIBÁN, 2000, apud HIDALGO-CAPITÁN; GARCÍA; GUAZHA; GARCÍA; GUAZHA et al. 2014, p. 47-48 –Tradução da autora).150

Outros autores colocaram novas adjetivações como “etno-desenvolvimento”, até, alguns intelectuais indígenas e indigenistas defendem a necessidade de abandonar a ideia de “desenvolvimento” porque esta implicaria em violência e imposição.

Não se pode “desenvolver” ninguém, porque cada sociedade tem sua própria cosmovisão que há que respeitar, e se em esta cosmovisão não existe o desenvolvimento, nem o tempo lineal, então, não se pode desenvolvê-la pensando que se está fazendo um bem para essa sociedade, quando na realidade se está violentando-a de forma radical. (DÁVALOS, 2011, apud HIDALGO- CAPITÁN; GARCÍA; GUAZHA; GARCÍA; GUAZHA et al., 2014, p. 50 – Tradução da autora).151

O “desenvolvimento sustentável” desde a economia capitalista é ter capacidade produtiva que aumente os níveis de ingresso e consumo per capita e bem-estar social dos países incorporando a questão ambiental. É a partir daqui que se estabelecem classificações como a de países desenvolvidos e subdesenvolvidos, segundo Tibán (2000, apud HIDALGO-CAPITÁN; GARCÍA; GUAZHA, 2014). Nesta perspectiva, o problema

149 No original, “descrédito de los Estados-nación; la emergencia del movimiento indígena; la emergencia de los movimientos sociales alternativos; […] el descrédito del concepto de desarrollo; y acceso de los intelectuales indígenas a la universidad”.

150 Original: La práctica cotidiana del humanismo integral, en donde el hombre y la naturaleza están en estrecha y armónica interrelación garantizando la vida, en un juego en el cual los recursos humanos, naturales y financieros, deben ser tomados en cuenta por el Estado y las Nacionalidades Indígenas de manera armónica, integral, democrática y éticamente para emprender un verdadero desarrollo.

151 Original: No se puede “desarrollar” a nadie, porque cada sociedad tiene su propia cosmovisión que hay que respetar, y si en esa cosmovisión no existe el desarrollo ni el tiempo lineal, entonces no se la puede desarrollar, pensando en que se le está haciendo un bien a esa sociedad, cuando en realidad se la está violentando de manera radical.

da pobreza poderá ser resolvido apenas pela via econômica, enquanto a cosmovisão indígena desenvolve outro paradigma (quadro 2).

Quadro 2 - Visão Capitalista em contraposição à Visão de Bem Estar

Visão capitalista Elementos de SumakKawsay

- Propriedade privada como valor fundamental. Acumulação e crescimento econômico.

- Sujeito econômico e individuo, individualismo egoísta. Consumismo.

- Mercado como mecanismo regulador econômico, social e político.

- A natureza, a sociedade e a pessoa são um recurso do capital (propriedade); entram no ciclo de compra-venda.

- A finalidade da produção é a ganância. Lógica (racionalidade) custo-benefício.

- A produção não responde às necessidades reais, mas às necessidades do capital. É um projeto civilizatório (universalidade).

- O sujeito econômico coletivo é quem busca o benefício social.

- Complementariedade; aproveitamento de recursos naturais e trabalho comunitário ou coletivo. - Valoram-se as relações comunitárias no uso dos bens.

- Abstenção da acumulação e ritualização da queima de excedente.

- Harmonização com o entorno e a natureza.

- Intercâmbio simbólico e ritual (prima o valor de uso).

Fonte: MALDONADO, 2014, p. 219, tradução nossa.

Alguns pontos diferenciais desde esta perspectiva indígena latino-americana são os seguintes (HIDALGO-CAPITÁN; GARCÍA; GUAZHA, 2014):

- A economia está baseada em relações de reciprocidade, ou seja, os excedentes se compartilham com as comunidades. Não existe a ideia de acumulação e se evita o enriquecimento de poucos, pois isso gera desigualdades que desequilibrariam a harmonia social. A avareza é desprezada. Compartilhar gera prestigio social.

- O tipo de organização política, a democracia indígena, tem diferenças importantes com a democracia representativa. As decisões se tomam por consenso e não por maiorias. A elaboração de consensos requer maiores esforços, mas garantem a preservação da harmonia na comunidade. Todos refletem, todos decidem, todos ganham e perdem.

Este modelo de participação democrática exige tempo. Vemos a dificuldade dos Estados para se adequarem e dialogarem com este tipo de organização.

No Brasil, através da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que enfatiza o direito de consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas, que deve ser respeitado por qualquer que queira desenvolver qualquer empreendimento nas terras indígenas, está levando estas sociedades a elaborar Protocolos de Consulta que determinam as formas adequadas para estabelecer o diálogo com eles partindo do respeito a seus modelos de organização social. Como sabemos, existem mil atropelos nesse sentido, pois os empreendedores, mercados e governos têm pressa.

- Na América Latina se fala de um plurinacionalismo, que não se pretende fragmentador, mas como uma unidade na diversidade. Exige uma institucionalidade flexível que se adapte à diversidade cultural, econômica e política dos povos. Ainda que não pareça possível no modelo do Estado-Nação que conhecemos, existem algumas tentativas como a realizada na Bolívia, não isentas de críticas152.

No Brasil, os povos indígenas e organizações de representação dificilmente falam de plurinacionalismo, mas lutam permanentemente por políticas diferenciadas que respeitem suas culturas e pela autonomia na gestão de seus territórios.

- As relações sociais e políticas se dão desde uma perspectiva de complementariedade dos opostos e, não, desde uma perspectiva de luta hegemônica.

El principio fundamental de la tradición andina es la paridad o polaridad complementaria […]Si en la vida humana se establece un lado y no se determina su opuesto complementario para ubicar su punto de inflexión y reproducción armónica y equilibrada, se cae en el extremo, que lleva al desbalance, la perspectiva, el extremismo, el fundamentalismo, el dogma. […] La cosmoconciencia andina siempre juega en la paridad integrativa complementaria, que es diferente a la dialéctica hegeliana, cartesiana, marxista, que juega con la lucha de dos fuerzas (clases sociales, competencia, evolución, desarrollo), y de la cual una tiene que resultar ganadora sobre la otra. (OVIEDO 2011, apud HIDALGO-CAPITÁN; GARCÍA; GUAZHA., 2014, p. 272-273).

No Brasil, a realidade indígena é bastante diferente de outros países latino- americanos, por haver uma diversidade grande de povos e representar um percentual muito pequeno em relação à população nacional (não supera 0,5%). De acordo com o último censo realizado em 2010, o país contava com 305 etnias, somando 896.917 pessoas

152 Podemos encontrar diversos artigos críticos sobre a implementação do suposto Estado Plurinacional Boliviano. Entretanto, críticos como Luis Tapia levantam a permanência de uma institucionalização do Estado que impede a real inclusão de todos os povos que coexistem na Bolívia.

que falam 274 línguas indígenas, a maior parte localizada no Norte, Nordeste e Centro- oeste. Nesse universo, se alçam algumas vozes de intelectuais indígenas que, a partir da Constituição de 1988, ganharam protagonismo e visibilidade em defesa de seus territórios e de seus direitos. Essas vozes, às vezes, trazem uma dimensão pedagógica e filosófica que poucos conhecem.

Foi assim que, pouco a pouco, resolvi fazer chegar aos brancos os pensamentos dos habitantes da floresta e lhes falar com firmeza, inclusive em suas cidades [...]. Minha intenção era dizer a eles o quanto, apesar de seu engenho para fabricar mercadorias, o pensamento de seus grandes homens está cheio de esquecimento. Se assim não fosse, por que iriam eles querer destruir a floresta e nos maltratar desse jeito? (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 383).

O esquecimento do qual fala Davi Kopenawa e Albert é o olvido da própria história, que deixa ao “branco” um estado infantil. Para Kopenawa e Albert são apenas os adultos que têm condições de “[...] tomar dentro de si as palavras dos antigos” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 376), incorporar e valorizar a história. O pensamento dos jovens ainda “é cheio de olvidos”. Os “brancos” esquecem que são mortais. Para não esquecer tem que superar o medo, tem que virar adulto.

Os brancos nos chamam de ignorantes apenas porque somos gente diferente deles. Na verdade, é o pensamento deles que se mostra curto e obscuro. Não conseguem se expandir e se elevar, porque eles querem ignorar a morte [...]. Os brancos não sonham tão longe quanto nós. Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos. Seu pensamento permanece obstruído e eles dormem como antas ou jabutis. Por isso, não conseguem entender nossas palavras. (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 390).

O sistema capitalista baseado no lucro e na necessidade crescente e permanente de mercadorias em constante circulação é para intelectuais indígenas, como Kopenawa, um indicador do esquecimento da própria mortalidade. Uma cilada que lhe distancia da solidariedade, da partilha e do coletivo.

Os objetos que fabricamos, e mais ainda os dos brancos, podem durar muito além do tempo que vivemos. Eles não se decompõem como as carnes de nosso corpo. Os humanos adoecem, envelhecem e morrem com facilidade, já o metal dos facões, dos machados e das facas fica coberto de ferrugem e sujeira de cupim, mas não desaparece tão depressa! Assim é. As mercadorias não morrem. É por isso que não as juntamos durante nossa vida e nunca deixamos de dá-las a quem as pede [...]. Sabemos que vamos morrer, por isso cedemos nossos bens sem dificuldade. Já que somos mortais, achamos feio agarrar-se demais aos objetos que podemos vir a ter. Não queremos morrer grudados a eles por avareza. (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 409).

Marx desnudou os mecanismos da concentração irracional do capital cuja origem está na acumulação primitiva. “[...] É desse pecado que data a pobreza da grande massa que, a despeito de todo o seu trabalho, continua a só possuir a si mesma para vender; e a riqueza de alguns, que cresce sem cessar, ainda que há muito tempo eles já pararam de trabalhar” (MARX, 1982, p.171). Os brancos, segundo Kopenawa “[...] não param de fabricar e sempre querem coisas novas. E assim, não devem ser tão inteligentes quanto pensam que são. Temo que sua excitação pela mercadoria não tenha fim e eles acabem enredados nela até o caos” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 419).

Isto não significa que os povos indígenas e suas concepções de mundo permaneçam intocadas e estáticas, elas se movem em várias direções. O próprio Kopenawa (2015) declara que muitos jovens indígenas terminam seduzidos pelas mercadorias “[...] e acabam entrando na roda do esquecimento de si, de quem são, do que é importante na vida”. Bruno Caporrino (2015), antropólogo e indigenista que trabalhou no Amazonas com a OPAN (entidade da AXA), também constata os efeitos da colonialidade:

Ribeirinhos e comunitários deixam suas comunidades, entendendo-se como primitivos, incultos, incivilizados, privados, para morar nas periferias das cidades que começam a hipertrofiar. Passam, assim, do centro de seu universo simbólico, social, econômico, onde faziam tudo por si mesmos, para si mesmos, com recursos ilimitados e uma tecnologia gritantemente adequada a tudo isso, enfim, saem do centro de seu universo para ocupar a periferia da periferia da periferia do universo. (INSTITUTO HUMANITAS - UNISINOS, 2015, grifos do autor)153.

Nesse universo e disputa por hegemonia que, por um lado, conquista adeptos e, por outro, fortalece resistências, o modelo agroecológico é quem consegue dialogar com a diversidade de concepções de mundo, entendendo que, por exemplo, a agricultura indígena (as roças tradicionais) está diretamente ligada à ancestralidade e a história dos povos, possuindo uma dimensão espiritual que a faz sagrada e, portanto, diretamente ligada a seus rituais.

Nesse sentido, não podemos “[...] trazer a questão da agroecologia desde a única perspectiva de modelos produtivos, ela afeta outras dimensões da vida das pessoas, seja ela política, social, cultural, religiosa. Falamos, portanto, da busca por outro modelo de sociedade” (BARCELLOS, 2016, p. 256).

153 Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/546118-o-desenvolvimento-e-o- fim-da-cosmovisao-indigena-entrevista-especial-com-bruno-caporrino. Acesso em: 14 out. de 2019

Talvez, por isso a questão do desenvolvimento sustentável deva ser colocada de outra forma, como propõe Loureiro (2012) e, seja mais correto e coerente falar em termos de sociedades sustentáveis154.

Sociedades sustentáveis refere-se à negação da possibilidade de existir um

único modelo ideal de felicidade e bem-estar a ser alcançado por meio do desenvolvimento (claramente entendido por seus adeptos como algo linear, evolucionista e universal). Nesta perspectiva, há necessidade de se pensar em várias vias e organizações sociais, constituindo legítimas formações socioeconômicas firmadas sobre modos particulares, econômicos e culturais, de relações com os ecossistemas existentes na biosfera [...]. Assim, a sustentabilidade é algo que depende da multiplicidade de manifestações culturais e autonomia dos povos na definição de seus caminhos e escolhas, em relações integradas às características de cada ecossistema e território em que se vive. (LOUREIRO, 2012, p. 63).

Enxergamos, pois, esta disputa de modelos produtivos (agronegócio e agroecologia) como a manifestação de uma contenda maior: os modelos de sociedade e certamente de Estado.

Nesse sentido, não se pode pensar a transformação social sem a reforma intelectual e moral da qual Gramsci falava. Exige inverter, como tarefa político- pedagógica essencial, a perspectiva humana e social que incorporamos historicamente. Deve ser desmontada em profundidade as categorizações: inferiores, primitivos, anacrônicos, que se encalacraram nos grupos subalternos. Nesse sentido, podemos perguntar, onde se encontra na atualidade o pensamento “anacrônico”? Para Gramsci, concepções de mundo “anacrônicas” são aquelas que não conseguem responder inovadoramente à realidade concreta e presente.

A própria concepção do mundo responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados se “originais” em sua atualidade. Como é possível pensar o presente, e um presente bem determinado, com um pensamento elaborado em face de problemas de um passado frequentemente bastante remoto e superado? Se isto ocorre, significa que somos “anacrônicos” em face da época em que vivemos, que somos fósseis e não seres que vivem de modo moderno. (GRAMSCI, 1999, p. 95)

Frente à crise ambiental, frente à violência humana e à profunda desigualdade econômica e social que assola o Brasil, que concepções de mundo se tornaram “anacrônicas”? E junto com elas, que modelos produtivos não respondem mais às necessidades reais da vida humana?

154 Além de evitar, como vimos os antagônicos e contraditórios significados que se dão aos mesmos termos.

O conflito instalado entre o capitalismo e meio ambiente leva, a partir de 1960, a incluir o debate ambiental no campo político e econômico. Nasce a ecologia política. Se Marx no século XIX fazia a crítica à economia política, no século XX, segundo Loureiro (2012), a ecologia política se apropria dessa crítica focalizando “[...] a atenção nos modos pelos quais agentes sociais, nos processos econômicos, culturais e político-institucionais disputam e compartilham recursos naturais e em qual contexto ecológico tais relações se estabelecem” (LOUREIRO, 2012, p. 29). Aqui a natureza não é apenas uma fonte de recursos, “[...] mas é ontologicamente prioritária para a existência humana” (LOUREIRO, 2012, p. 30).

Alier (2007) vai falar de economia ecológica considerando que a economia “[...] está inserida ou incrustada no ecossistema – ou para dizê-lo do modo mais preciso - animada pela historicamente cambiante percepção social do ecossistema” (ALIER, 2007, p. 47), sendo que esta vai analisar os enfrentamentos que se sucedem.

A economia ecológica é um campo de estudos transdisciplinar estabelecido em data recente, que observa a economia como um subsistema de um ecossistema físico global e finito. Os economistas ecológicos questionam a sustentabilidade da economia devido aos impactos ambientais e a suas demandas energéticas e materiais, e igualmente devido ao crescimento democrático. As pretensões de atribuir valores monetários aos serviços e às perdas ambientais, e as iniciativas no sentido de corrigir a contabilidade macroeconomia, fazem parte da economia ecológica. Todavia, sua contribuição e eixo principal é, mais precisamente, o desenvolvimento de indicadores e referencias físicas de (in)sustentabilidade, examinando a economia nos termos de um “metabolismo social”. (ALIER, 2007, p. 45).

Tanto a ecologia política como a economia ecológica dialoga com a concepção de integralidade de Gramsci, pois “[...] toda a obra de Gramsci tem a marca de uma visão integral do mundo, quando se observa como são abordadas de forma articulada e interdisciplinar as múltiplas dimensões humanas e as atividades sociais, inclusive suas potencialidades” (SEMERARO, 2019, p. 360). Não é possível separar economia, política e ecologia. Gramsci defende um sistema agrário e industrial que esteja ao serviço da população, “[...] um desenho compreensivo de racionalização integral” (Ibidem).

A visão de uma economia que leva em conta o meio biofísico no qual está inserida, e uma ecologia que incorpora a análise de conflitos socioambientais promovidos por estados, empresas, transnacionais, dando-lhe capacidade de formular novas políticas ambientais é um passo à frente na ruptura da visão fragmentada, limitada e compartimentalizada que o capitalismo promove e, que apenas beneficia os grupos dominantes “anacrônicos”.

Marx e Gramsci partem do protagonismo das classes desapropriadas e desenvolvem a concepção de mundo em torno de uma práxis “integral” ao estabelecer uma relação histórica, inseparável e dialética entre estrutura e superestrutura, objeto e sujeito, ação e pensamento, política e filosofia, matéria e espírito, ambiente e educação, intelectual e massa, razão e paixão, ciência e arte, indivíduo e sociedade, ser humano e natureza, trabalho e socialização, no intuito de desenvolver todas as componentes e potencialidades humanas e sociais. (SEMERARO, 2019, p. 358-359).

Em plena crise orgânica, a proposta da Filosofia da Práxis e a luta por hegemonia, que Gramsci defende, vem a calhar, colocando no horizonte a necessidade de um embate no plano da “grande política”, ou seja, a necessidade de construir um novo Estado, radicalmente democrático e integrador, que subverta a dinâmica capitalista de “dominantes e dominados”. Desde esta visão não é possível a conciliação. É disputa por hegemonia, que faça da visão de mundo e capacidade de operar do agronegócio capitalista algo residual na sociedade. Até que ponto, os grupos subalternos que se encontram no Araguaia resistindo à absorção do capitalismo agrário terão esse potencial, é a questão.

5 SÃO FELIX DO ARAGUAIA E ATORES SOCIAIS EM SINERGIA COM A