• Nenhum resultado encontrado

A agroecologia pode ser definida como o estudo da agricultura a partir de uma perspectiva ecológica. Ela tem métodos e conceitos para estudar os ecossistemas121. Busca uma produção de plantas com maior equilíbrio com a natureza, integrando-se aos sistemas que interagem entre si, (solo, animais, árvores). Da perspectiva agroecológica todas as formas de vida presentes em um ciclo da agricultura têm importância. As plantas, animais, minerais, microrganismos contribuem para a evolução humana e para a produção agrícola e, por isso, devem ser tratadas como partes de uma complexa e indispensável estrutura.

O termo agroecologia surgiu na década de 1930, mas se popularizou nos anos 1980, através de pesquisadores de universidades estadunidenses considerados os principais expoentes da chamada “vertente americana”. Na mesma década, em Andaluzia, Espanha, foi constituída uma vertente da agroecologia de viés sociológico, conhecida como escola europeia que busca inclusive uma caracterização agroecológica do campesinato. “[...] No entendimento dessa escola, a agroecologia surgiu de uma interação entre as disciplinas científicas (naturais e sociais) e as próprias comunidades rurais, principalmente da América Latina” (CALDART et al., 2012, p. 57), expressando o que seria a ecologia122 aplicada à agricultura.

No documentário recém lançado pela Vallente Filmes (2020) intitulado Guardiões da terra – agroecologia em evolução, acadêmicos, produtores rurais, militantes e

121 O termo ecossistema é originado da união das palavras "oikos" e "sistema", ou seja, tem como significado, sistema da casa. Representa o conjunto de comunidades que habitam e interagem em um determinado espaço, o ecossistema, constituído pela área e o conjunto de seres que ali interagem. Os biomas são ecossistemas com vegetação característica e um tipo de clima predominante, o que lhes confere um caráter geral e único, como a Amazônia, ou o Cerrado, bioma onde se desenvolve nossa pesquisa.

122 Ecologia é um ramo da Biologia que estuda as relações entre os seres vivos e o meio ambiente onde vivem, bem como a influência que cada um exerce sobre o outro.

estudiosos descrevem como no Brasil o movimento agroecológico começou se gestar nas décadas de 1960 e 1970 nas comunidades eclesiais de base (CEB)123 disseminadas por todo o país, como resposta às ameaças que a Revolução Verde trazia para diversos coletivos rurais. Falava-se na época de agricultura alternativa. Realizaram-se quatro encontros nacionais na década de 1980 onde se constrói com os agricultores uma estratégia para produzir sem venenos. A partir da tradução do livro Agroecologia: bases científicas para a uma agricultura alternativa, do chileno Miguel Altieri, se adota o termo agroecologia no sentido de unificar as lutas e incorporar legitimidade científica. “[...] Nos anos 1990 serão as organizações não governamentais (ONGs) as principais disseminadoras da agroecologia” (CALDART et al., 2012, p. 61). Na década de 2000, os movimentos sociais populares do campo, principalmente os vinculados à Via Campesina124, incorporaram a agroecologia à sua estratégia política. Uma estratégia que

busca construir outro projeto de campo contrapondo-se ao modelo de exploração capitalista, e tendo como alguns de seus alicerces a soberania alimentar125 e energética, a

reforma agrária e, a aliança com os povos do campo.

Ao longo desse século, esse conceito [agroecologia] passou por diversos rearranjos e novas interpretações mais voltadas à ‘consciência ambiental’, passando pelo manejo de agroecossistemas, mas também sendo tratado como um projeto de desenvolvimento socioambiental diferenciado do modelo agropecuário da Revolução Verde e do agronegócio que imperam atualmente no Brasil. (BARCELLOS, 2016, p. 246).

A agroecologia pode ser considerada uma construção recente, segundo Guhur e Toná (2012), que levando em conta os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas e camponeses traz consigo valores culturais diferenciados, que de alguma forma resistiram ao avanço esmagador da proposta capitalista para a agricultura. Para esses grupos

123 Estas comunidades reunidas geralmente em função da proximidade territorial e de carências e problemas comuns, estavam vinculadas a uma Igreja Católica, incentivadas desde a perspectiva da Teologia da Libertação e tinham como objetivo fazer uma leitura bíblica articulada com a vida.

124 A Via Campesina é uma articulação mundial dos movimentos camponeses que nasceu em 1992, na Nicarágua, e tem entre seus objetivos: a construção de relações de solidariedade, reconhecendo a diversidade dos camponeses no mundo; a construção de um modelo de desenvolvimento da agricultura que garanta a soberania alimentar como direito dos povos de definir suas próprias políticas agrícolas; e a preservação do meio ambiente com a proteção da biodiversidade (LATINOAMERICANA ENCICLOPEDIA CONTEMPORANEA, 2009, p. 1307).

125 O conceito de soberania alimentar surgiu como contraponto ao conceito de segurança alimentar e nutricional definido, em 1996, pela Organização para Alimentação e Agricultura (FAO). A soberania vai além de garantir alimentos básicos de qualidade e em quantidade suficiente, pois considera que, para ser livre, um povo precisa ser soberano – e essa soberania passa, necessariamente, pelo direito a produzir e comercializar comida localmente, vinculada à cultura e ao modo de vida do povo.

subalternos, os recursos naturais não figuram apenas como fonte de recursos econômicos, mas, também, propiciam emancipação, diversidade identitária, cultural, espiritual.

A agroecologia representa uma esperança para a preservação ambiental sendo associada positivamente com o combate à mudança climática, preservação de biomas, alimentação saudável, assim como, a valorização, diálogo e protagonismo de grupos sociais que se preocupam com a preservação da natureza (povos indígenas, quilombolas, agricultores familiares, retireiros, ribeirinhos e etc.). Esses grupos sociais, portanto, lutam não só pelo direito a terra, mas, também, pelas formas de vida que desenvolvem nela. Desta forma, é óbvio que “[...] há uma interconexão entre as agressões ecológicas e as agressões contra as condições de existência dos produtores diretos” (GUHUR; TONÁ, 2012, p. 60). Nesse sentido, Barcell (2016) fala de conflitos socioambientais, cuja raiz se encontra nas distintas formas de existência na terra, e que efetivam uma disputa do conceito de “desenvolvimento”. Todos adotam a narrativa “politicamente correta”, porém, com tantos matizes diferentes quanto interesses privados e visões de mundo estão em jogo.

À medida em que se ampliou o questionamento e a crítica ao padrão de agricultura capitalista da Revolução Verde, os termos ‘agroecológico’ e ‘sustentável’ passaram a ser disputados por setores representantes justamente dos interesses capitalistas que promovem feroz depredação da natureza. (GUHUR; TONÁ, 2012, p. 65).

Os que combatem a agroecologia afirmam que este modelo não é capaz de reproduzir-se em grande escala, inviabilizando, portanto, a satisfação das necessidades alimentares globais. Também falam de ser um modelo fechado aos benefícios da tecnologia e ciência mais avançada; ou, ainda, como o sociólogo Zander Navarro (ESTADÃO, 2019) afirma, a agroecologia é uma palavra sem conteúdo, uma falsidade. As argumentações são realizadas apenas desde a dimensão econômica, mas a agroecologia tem uma dimensão política, social e cultural estruturante. Para Silva e Santos (2016),

Como ciência, a Agroecologia é multidisciplinar, aportando as bases do novo paradigma científico. Tem no agroecossistema e na experiência desenvolvida pelos povos do campo sua unidade de análise. Como prática, a Agroecologia resgata e ressignifica práticas tradicionais de manejo dos agrossistemas, ambientalmente sustentáveis, com uso de recursos locais, o que permite a inclusão social das famílias do campo e promove sua autonomia. Como movimento, a Agroecologia suscita discussões sobre os modelos de desenvolvimento do campo e seus impactos ambientais, sociais, culturais, políticos e econômicos, afirmando-se como um modelo de agricultura e de

sociedade que tem na Educação do Campo seu esteio. (SILVA E SANTOS, 2016, p. 266).

Importante destacar que o movimento agroecológico tem, entre seus princípios, a equidade, e este foi o argumento das mulheres para pautar-se no movimento. As pessoas aprendem na agroecologia que todos têm seu valor buscando-se a “igualdade” das mulheres. É comum ver em manifestações o slogan: Sem feminismo não há agroecologia!