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1.1 Pressupostos teóricos do ISD

1.1.2. A contribuição de Bakhtin/Voloshinov

As reflexões de Mikhail Bakhtin sobre a linguagem contribuíram não só para os estudos do discurso, mas também para o desenvolvimento das Ciências Humanas. Tendo em vista que essa área do conhecimento direciona seus estudos para o ser humano, ao assumir a concepção de homem como “produtor de textos” (BARROS, 2007, p. 22), Bakhtin define o texto como objeto das Ciências Humanas.

Ao integrar a experiência social ao estudo da linguagem, Bakhtin superou a dicotomia forma/conteúdo, uma vez que adotou a concepção de linguagem como uma prática social cuja materialidade está na língua. Essa prática social desenvolve- se por meio das interações verbais entre sujeitos sócio-históricos.

Assim, da mesma forma que Vigotski destinou especial atenção às situações de interação, Bakhtin/Voloshinov (2009) também o fez, posto que considerou a interação entre interlocutores como o princípio fundador da linguagem. Em outras palavras, na percepção do autor, a linguagem é dialógica.

O princípio do dialogismo envolve duas concepções: dialogismo entre interlocutores e dialogismo entre discursos. O primeiro volta-se para a relação entre os sujeitos falantes, na qual se estabelece o sentido do texto e por meio do qual se constroem os próprios sujeitos, produtores de textos. O segundo, por sua vez, diz respeito ao diálogo entre discursos, o qual permite que se complementem, se

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Em razão da discussão referente à autoria da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, a qual foi atribuída a Voloshinov, usaremos, para fins de citação, Bakhtin/Voloshinov pois usarmos a obra em português, que coloca Bakhtin na autoria.

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confrontem e, até mesmo, que sejam fornecidas respostas a outros discursos, no interior do texto.

Ao afirmar que os sujeitos se constroem por meio dos textos, Bakhtin/Voloshinov (2009) defende que somente passa a existir consciência a partir do momento em que há a sua materialização em signos, que emergem da interação social:

Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação social (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2009, p. 34).

Notamos, então, que, quando Bakhtin/Voloshinov refere-se a signo, entende-o como sinônimo de ideologia. Diante disso, ele define a palavra como o mais adequado fenômeno ideológico na medida em que ela pode preencher diferentes funções ideológicas, como a moral, a científica, a religiosa e a estética. Segundo o autor (2009, p. 95, grifo do autor),

não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou

sentido ideológico ou vivencial.

Dessa maneira, a significação não se apresenta na palavra em si; ela desponta das relações de interação entre sujeitos marcados sócio-historicamente. São eles que atribuem a ela determinado sentido e, por essa razão, diz-se que a linguagem envolve a experiência do relacionamento entre sujeitos.

Depreendemos, portanto, que o sistema da língua não é externo e independente à consciência individual, sobretudo em decorrência de ser expresso por meio de signos. Esses possuem estreita relação com as situações enunciativas concretas. Assim, a consciência linguística deve-se ao emprego da linguagem nos variados contextos.

É por essa razão que Bakhtin (2011) defende que a atividade mental organiza-se a partir da situação específica de interação social. Ao fazer tal afirmação, o autor considera que a enunciação se realiza em conformidade com a

relação estabelecida com o destinatário: de amigo íntimo, de filho, de chefe, enfim, em consonância com as hierarquias e com os laços sociais estabelecidos. É nesse sentido que Bakhtin/Voloshinov (2009, p. 117) assegura que “A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação”.

Por esse viés, Bakhtin (2011) desenvolve sua teoria sobre os gêneros do discurso, na qual Bronckart se baseia para estruturar sua proposta metodológica. De acordo com essa teoria, a utilização da língua varia conforme as diferentes atividades humanas, razão pela qual Bakhtin (2011, p. 261) afirma que “cada esfera da atividade humana elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”, os quais ele denominou gêneros do discurso. Segundo o autor (2011, p. 261),

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais -, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional.

Dessa maneira, o conteúdo temático, a estrutura composicional e o estilo compõem os gêneros do discurso, cuja variedade é tamanha em razão de estarem relacionados às diferentes esferas da atividade humana. As cartas, as entrevistas, os relatos são, assim, exemplos de gêneros textuais marcados pela individualidade de cada sujeito. Tal individualidade será em maior ou menor grau conforme a permissibilidade do gênero, uma vez que há aqueles que exigem uma forma padronizada, como os documentos oficiais e, portanto, são bastante restritivos no tocante à expressão da individualidade. Todavia, mesmo que esses gêneros não reflitam diretamente a individualidade de cada um, eles provêm de dada esfera da atividade humana, o que justifica as particularidades de cada gênero.

A enunciação, então, para Bakhtin (2011) assume a forma de gênero textual. Portanto, por possuir autor e destinatário9 – ambos com suas posições ideológicas –, o enunciado provoca o surgimento da compreensão responsiva:

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De acordo com Bakhtin (2011, p. 271), o destinatário “pode ser o parceiro do interlocutor direto do diálogo na vida cotidiana, pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma área

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O ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude

responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente),

completa, adapta, apronta-se para executar, etc. [...] a compreensão responsiva ativa do que foi ouvido (por exemplo, no caso de uma ordem dada) pode realizar-se diretamente com um ato (a execução da ordem compreendida e acatada), pode permanecer, por certo lapso de tempo, compreensão responsiva muda (certos gêneros do discurso fundamentam- se apenas nesse tipo de compreensão, como, por exemplo, os gêneros líricos), mas neste caso trata-se, poderíamos dizer, de uma compreensão responsiva de ação retardada: cedo ou tarde, o que foi ouvido e compreendido de modo ativo encontrará um eco no discurso ou no comportamento subsequente do ouvinte (BAKHTIN, 2011, p. 271-272).

A atitude responsiva do interlocutor, que pode ocorrer instantaneamente, no caso de um diálogo, ou perdurar no tempo, como na leitura de romances, configura a relação dialógica que se estabelece na comunicação verbal. Em outras palavras, a compreensão de determinado enunciado provocará no interlocutor uma atitude responsiva que gerará uma contrapalavra à palavra do locutor.

Em vista disso, Bakhtin (2011) argumenta que todo enunciado está ligado a outro, formando uma corrente infinita de enunciados. O autor defende que todo sujeito falante adota a posição de respondente, uma vez que “ele não é o primeiro falante, o primeiro a ter violado o silêncio eterno do universo” (BAKHTIN, 2011, p. 272). Assim, todos nós, ao nos valermos da linguagem para produzir enunciados, estamos diante de um diálogo com outros interlocutores, com outros enunciados. Isto é, estamos em constante interação.

A partir dessa retomada do posicionamento bakhtiniano sobre a concepção dialógica da linguagem e sobre a relevância das interações sociais para a emergência da consciência dos indivíduos, buscamos esclarecer os principais aspectos nos quais Bronckart se baseia para elaborar a proposta do ISD.