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Surgimento da profissão docente: breve retomada histórica

2.3 Profissão docente: um olhar sobre a perspectiva histórica da formação de

2.3.1 Surgimento da profissão docente: breve retomada histórica

Para melhor compreendermos o surgimento da profissão docente, faz-se fundamental a menção ao aparecimento da instituição considerada o locus da docência, qual seja, a escola. Segundo assegura Vasconcelos (2004), no século XVI, a escola foi criada para as elites, e, somente no século XIX, é que as camadas mais populares tiveram acesso à instituição.

As mudanças que ocorriam no mundo no final do século XV e início do século XVI, sobretudo as provenientes do Renascimento, tiveram grande impacto nas sociedades da época. A exemplo, temos o surgimento do burguês, uma nova classe social que passou a dividir espaço com os nobres. Estes, tendo em vista que eram a classe dominante, visavam impor-se, mormente, por meio da maneira de portarem-

se, diferenciando-se, assim, das demais classes sociais. Em consequência disso, os burgueses passaram a almejar o modo de comportamento adotado pela nobreza e, como caminho para tal, decidiram investir na educação de seus filhos.

Nesse contexto é que se instaura a escola moderna, a qual visa romper com as concepções predominantes na Idade Média, como as das escolas religiosas, dos mosteiros e da escola cavalheiresca, os quais não tinham o objetivo de formar e educar as crianças, propósito este que passou a ser o da escola moderna. Contudo, é somente a partir do século XVII, na França, que surge, efetivamente, um espaço físico para a educação das crianças. Segundo Vasconcelos (2004, p. 62):

A escola substitui, progressivamente, o processo de aprendizagem construído na família e no contato com outros adultos, tornando-se o meio da educação. Esse espaço fechado semelhante aos asilos ou conventos vai constituir-se no modelo para a escolarização das crianças.

Desse modo, tem-se a constituição da escola sob responsabilidade de instituições religiosas12, as quais passaram a preocupar-se com a formação de especialistas em educar as crianças e os jovens. Assim, é a partir desse cenário que começa a delinear-se a profissionalização dos professores, construindo uma atividade profissional que não fosse mais atrelada apenas à religiosidade.

No Brasil, os jesuítas exerceram importante papel13 em nosso desenvolvimento educacional, haja vista que foram eles os primeiros educadores durante os séculos XVI e XVII. Nesse período, o magistério era exercido por grupos diversificados que tinham em comum a religiosidade. Algum tempo depois, em meados do século XVIII, a discussão sobre a qualificação que o professor deveria ter ampliou-se, muito em função das elites que constituíam o alunado da época. No entanto, a instrução de professores passou por modificações devido à expulsão da Companhia de Jesus14, do Brasil, em 1759, por Marquês de Pombal. Tal fator foi responsável por um processo de laicização, visto que o primeiro-ministro de Portugal

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A escola, a partir do século XVI até a segunda metade do século XVIII, foi de domínio da Igreja, passando, após, paulatinamente para a tutela do Estado.

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Os jesuítas não eram os únicos responsáveis por ensinar; eles recrutavam aqueles considerados aptos ao exercício do magistério e preparavam-nos para atuarem, principalmente por meio da seleção dos livros a serem utilizados e do controle sobre questões a serem ensinadas, com destaque para as referentes à filosofia e à teologia.

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A Companhia de Jesus, criada por Inácio de Loyola no século XVI e formada pelos jesuítas, foi uma ordem religiosa que se valia do ensino religioso para combater o movimento protestante.

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objetivava uma reorganização do ensino que contemplasse os interesses do Estado. Assim, foi no século XIX que se intensificou a demanda por professores, uma vez que foi neste período que houve, no Brasil, a estatização15 das escolas, ampliando o acesso das classes populares à instituição.

Nessa perspectiva, o processo de estatização da escola contribuiu para a constituição de um corpo docente laico, não mais religioso. Porém, isto não significa que a essência do ensino tenha sido modificada, uma vez que os materiais de estudo continuaram sendo elaborados por religiosos, mantendo, consequentemente, os princípios e as técnicas de quando as aulas eram ministradas por eles. De qualquer maneira, esse processo de estatização trouxe mudanças significativas à formação docente:

A substituição do corpo docente religioso pelo corpo docente laico sob controle do Estado vai demandar o aperfeiçoamento dos instrumentos e das técnicas pedagógicas e a elaboração de um corpo docente de saberes específicos. O ensino torna-se assunto de especialistas e a ética docente, no início ligada à vida religiosa, passa à prática de um ofício/profissão, mesmo que nunca tenha sido codificado um conjunto de regras deontológicas para esse grupo profissional (VASCONCELOS, 2004, p. 66).

Percebemos, então, que essa transição de um corpo docente com perfil religioso para um grupo de professores considerados laicos, fiscalizados pelo Estado, é de grande importância para a profissão docente, pois evidenciou a necessidade de uma formação específica que contemplasse conhecimentos próprios para o exercício da atividade de ensinar, a qual era executada, muitas vezes, como uma ocupação secundária. Nóvoa (1995, p.15 apud CASTRO, 2006, p. 4) chama a atenção para este fato ao afirmar que a atividade docente se desenvolve de forma não especializada, “constituindo uma ocupação secundária de religiosos ou leigos das mais diversas origens”, e ainda complementa: “a gênese da profissão de professor tem lugar no seio de algumas congregações religiosas, que se transformaram em verdadeiras congregações docentes”.

Reitera-se, assim, a religiosidade como ponto de partida da profissão docente. Por essa razão, as congregações religiosas, responsáveis pelo ensino,

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Cumpre ressaltar que o processo de ensinar é anterior à estatização das escolas, pois, no Brasil, o ensino ocorria em propriedades rurais nas quais padres relacionados aos engenhos ensinavam os filhos dos fazendeiros e até mesmo os escravos e, nos centros urbanos, o ensino ocorria conforme as possibilidades das famílias. Entretanto, foi com o surgimento da escola que emergiu a preocupação com o preparo profissional daqueles que exerciam o magistério.

desenvolveram técnicas e valores próprios da profissão de professor, os quais eram fortemente marcados por suas crenças morais. Ao longo do tempo, os professores incorporaram as normas e a ética essencialmente religiosas como base da profissão docente e, após a troca no perfil do magistério, que ocorreu a partir da estatização da docência, passaram as normas a serem ditadas pelo Estado. Por conseguinte, ao final do século XVIII, foi estabelecido que todos aqueles que desejassem ensinar obtivessem uma licença concedida pelo Estado perante o atendimento a algumas condições, tais como idade, habilitações e comportamento moral. Assim,

a criação desta licença (ou autorização) é um momento decisivo do processo de profissionalização da actividade docente, uma vez que facilita a definição de um perfil de competências técnicas, que servirá de base ao recrutamento dos professores e ao delinear de uma carreira docente. Este documento funciona, também, como uma espécie de “aval” do Estado aos grupos docentes, que adquirem por esta via uma legitimação oficial da sua actividade. As dinâmicas de afirmação profissional e de reconhecimento social dos professores apoiam-se fortemente na consistência deste título, que ilustra o apoio do Estado ao desenvolvimento da profissão docente. (NÓVOA, 1995, p. 17).

Observamos, então, que a intervenção do Estado foi fundamental para o desenvolvimento de uma formação especializada para o exercício da profissão docente. Desse modo, na tentativa de compreendermos os processos de formação de professores, deter-nos-emos, na próxima subseção, nas fontes educacionais destinadas à especialização dos profissionais do magistério.

2.3.2 Das Escolas Normais às Instituições de Ensino Superior: a tentativa de