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4.1 O contexto de produção da entrevista

4.1.1 Análise do contexto de produção

O contexto sócio-histórico de nosso estudo diz respeito à problemática que envolve a profissão de professor, no que concerne à ausência da visibilidade desta como um trabalho. Ao assim dizermos, queremos referir-nos à falta de reconhecimento de um espaço de saber próprio do professor, haja vista que é comum pessoas externas à profissão ditarem como o professor deve ou deveria agir. Ora, se não há o reconhecimento da docência como um trabalho, é comum que seu espaço seja ocupado por todos aqueles que queiram nele ingressar e/ou dele falar, o que, não raro, reflete-se na valorização social desse profissional.

Feitas tais considerações, destacamos o cenário de nosso estudo. O sujeito participante de pesquisa, além de professor, é advogado de notório reconhecimento no meio jurídico. Sem a formação para a docência, uma vez que é graduado em Direito, optou por nela ingressar vendo-a como uma forma de ganhar uma renda a mais. Entretanto, ao longo da entrevista, ficou evidente que, ao imergir na profissão de professor, apercebeu-se de que se tratava de uma atividade complexa, a qual exigia conhecimentos específicos próprios. Essa percepção levou-o a buscar estudos que lhe garantissem a segurança mínima para estar frente a uma sala de aula. Isso pode indicar que o advogado, antes de começar a lecionar, possuía a imagem da docência próxima à do senso comum, ou seja, a de que bastava o seu conhecimento sobre o conteúdo a ser ensinado para que pudesse assumir o lugar de professor.

Quanto ao suporte, o texto foi produzido oralmente em situação de entrevista que foi gravada em áudio e posteriormente transcrita. O texto, gerado a partir da transcrição da entrevista, é o fundamento para o nosso estudo, e, dessa forma, sua circulação ocorrerá, primordialmente, no ambiente acadêmico.

Quanto ao contexto físico, destacamos que o lugar de produção do texto foi na instituição de ensino superior na qual trabalha o professor e na qual estuda a pesquisadora. A escolha do espaço para a realização da entrevista decorreu da tentativa de facilitar o encontro entre os participantes da interação.

No dia 12 de novembro de 2013, terça-feira, no turno da noite, enquanto os alunos de uma das disciplinas ministradas pelo professor realizavam uma prova, foi coproduzido o texto oral do gênero entrevista. Com duração de 60 minutos, os interlocutores, posicionados frente a frente, alternaram-se nos papéis de produtor e coprodutor.

Os participantes da interação eram, respectivamente, a pessoa física Karoline Rodrigues de Melo, mulher, pesquisadora, a qual chamaremos P, e a pessoa física Leandro22, homem, entrevistado, doravante E.

No que diz respeito às circunstâncias que levaram à produção do texto, pontuamos o fato de ser uma entrevista gerada para uma pesquisa de mestrado em Letras.

Em relação aos papéis sociais dos participantes, Karoline Rodrigues de Melo, P, é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e aluna do segundo semestre do curso de Direito da mesma instituição na qual o entrevistado é professor. E, por sua vez, é advogado há 17 anos, professor universitário há 16 anos, possui especialização em Direito Processual e mestrado em Direito.

Na entrevista, P assume o papel praxiológico de entrevistadora, uma vez que é responsável por fazer perguntas ao professor. Já E assume o papel de entrevistado, tendo em vista que responde às questões propostas pela pesquisadora e encerra seus turnos de fala aguardando novo questionamento.

Percebemos, portanto, que, quanto aos papéis comunicativos, P tem a função de fazer indagações e de propor tópicos a serem discorridos, sem a preocupação em interromper as falas do entrevistado, e E tem o papel de atender às solicitações da entrevistadora no tocante aos tópicos por ela propostos, sem dar continuidade à interação antes que ela proponha novo tópico.

Diante das considerações feitas, temos (Quadro 3):

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Situação da entrevista Enunciador 1 Enunciador 2

Papel social Mestranda em Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós- Graduação em Letras da UFSM e aluna do segundo semestre do curso de Direito. Advogado e professor universitário.

Papel praxiológico Entrevistadora Entrevistado Papel comunicativo Iniciar a interação, fazer

questionamentos, propor tópicos e concluir a interação.

Dar continuidade aos tópicos e responder às indagações.

Quadro 3 – Distribuição dos papéis na entrevista.

Fonte: Elaborado pela autora (2015).

Concernente às relações de hierarquia, no momento da entrevista, a pesquisadora fornecia os “comandos” para que o professor realizasse sua explanação sobre os tópicos indicados por ela, o que evidencia uma relação de subordinação na medida em que o entrevistado esperava pelas questões da pesquisadora. Entretanto, por se tratar de uma entrevista realizada na faculdade de Direito em que o professor trabalha e na qual a pesquisadora estuda, é possível que a relação hierárquica tenha sofrido modificações devido ao papel social assumido tanto pelo entrevistado quanto pela entrevistadora.

Assim, notamos uma relação assimétrica dos papéis comunicativos, tendo em vista que E, a respeito dos tópicos discutidos, é detentor do conhecimento, seja por se tratar de sua experiência pessoal, seja por se referir à sua prática profissional como docente e advogado. Ademais, devemos considerar que, por ser a pesquisadora aluna da instituição na qual E é professor, é natural que, naquele espaço, P demonstre respeito em relação à manifestação do professor.

Reiteramos, portanto, nosso posicionamento já defendido segundo o qual, no momento da produção do texto, os participantes podem assumir mais de um papel. Nesse sentido, consideramos que E, durante a entrevista, não perdeu de vista seu

papel de advogado, mesmo falando no ambiente em que desenvolve a atividade docente. Assim, somam-se ao papel praxiológico os papéis sociais de professor e de advogado, durante a interação. O mesmo ocorreu com a pesquisadora que, na entrevista, tinha o propósito de fazer questionamentos ao entrevistado, mas que, por vezes, teve seu papel de aluna sobrepondo-se ao de pesquisadora. Tais afirmações podem ser comprovadas a partir do trecho transcrito a seguir, retirado da fala de nosso sujeito de pesquisa:

Exemplo 1:

50) (...) eu sou advogado porque eu::: Amo Amo ser advogado e sou apaixonado pelo direito e::: creio que quando nós aplicamos bem quando nós entendemos a finalidade para a qual o direito serve nós temos condições de dar soluções adequadas para as pessoas... e essas soluções claro poderão amanhã ou depois se refletir... o meu/a minha maior paga em todos/todas as causas em que atuo ou em todas as situações em que ã/ã/ã::: enfim... intercedo... é::: exatamente a de poder... sentar... ou poder receber da pessoa... um muito obrigado... porque isso... eu te digo Karol... isto... não tem preço isso aí é tipo mastercard... não tem preço né

Nesse trecho, podemos observar a predominância do papel de advogado, uma vez que o entrevistado refere-se à sua experiência prática na advocacia. Além disso, é possível identificar uma espécie de conselho e orientações à interlocutora, à qual E se refere como Karol, e que é vista, pelo entrevistado, nessa circunstância, como uma futura advogada e como uma aluna do curso de Direito. Tem-se, dessa forma, a fala de um professor direcionada a uma aluna. Essa percepção pode ser interpretada também pela referência à segunda pessoa do plural, em que o entrevistado refere-se a nós, integrantes da seara jurídica, na qual a aluna está ingressando. Desse modo, podemos perceber, nessa passagem, a fusão entre os papéis de professor e de advogado, bem como o indício de que o entrevistado tem a representação de sua interlocutora como uma aluna de Direito e não como uma pesquisadora da área das Letras.

Quanto à imagem que se passa de si, identificamos que a pesquisadora não quis sobressair-se na entrevista, limitando-se a propor os tópicos e a dar continuidade a eles. Ainda, P procurou não influenciar as respostas do entrevistado, evitando, portanto, interrupções na fala do professor. Em relação a E, esse procurou demonstrar, ao longo de toda a interação, ser um profissional crítico e interessado

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nas questões que envolvem suas práticas, buscando deixar claro suas ações direcionadas ao crescimento profissional.

Em relação aos objetivos da produção do texto, verificamos o objetivo do professor entrevistado de colaborar com a pesquisa científica de P, procurando responder da maneira mais completa possível ao que foi perguntado. O objetivo da pesquisadora, por seu turno, era direcionar o professor a expor informações sobre a construção de sua carreira profissional, de modo que a entrevistadora pudesse apreender como aquele profissional, cuja formação foi para determinada profissão, qual seja a advocacia, chegou até a docência e qual a sua percepção sobre a profissão docente.

Apresentados os fatores constituintes do contexto de produção, daremos continuidade ao estudo por meio da análise do nível organizacional. Iniciaremos pelo plano global do texto e, em seguida, veremos os tipos de discurso e os mecanismos de coesão nominal.