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CAPÍTULO 2: PROBLEMATIZAÇÃO E RECONHECIMENTO DE TEORIAS

3.1 A contribuição do diário de bordo na problematização da prática e na

O diário de bordo é um recurso que pode se constituir em um instrumento de formação para a docência. Almeja-se que a narrativa contribua para o desenvolvimento da capacidade crítica e reflexiva do sujeito, à medida que auxilia no processo de investigação da prática. Porlán e Martín (2001, p. 19-20, tradução nossa) indicam que o diário de bordo é um “guia para reflexão sobre a prática, favorecendo a tomada de consciência do professor sobre seu processo de evolução e sobre seus modelos de referência”.

Porlán e Martín (2001, p. 52, tradução nossa) descrevem que “o diário deixa de ser exclusivamente um registro do processo reflexivo, para converter-se progressivamente em organizador de uma autêntica investigação profissional”, à medida que o professor assuma a reflexão no diário de bordo como caminho formativo. Por meio dos diários, “o professor auto-explora a sua atuação profissional, autoproporciona- se feedback e estímulos de melhoria” (ZABALZA, 1994, p. 10), o que implica na problematização de teorias e práticas, que pode resultar no reconhecimento de problemas na prática docente.

Porlán e Martín (2001, p. 26, tradução nossa) sugerem que “o diário de bordo facilita a possibilidade de reconhecer esses problemas”. Dessa forma, defendemos que o diário de bordo contribui para o reconhecimento de problemas da prática, à medida que auxilia na reflexão sobre as ações, que, buscando o aprimoramento da prática, envolve a identificação e enfrentamento de aspectos problemáticos. É importante que o sujeito seja desafiado por interlocuções teóricas e/ou pelo diálogo em processos interativos, pois a troca de ideias pode favorecer o reconhecimento de problemas, em processos de problematização. Uma vez constatado um problema ou limitação do seu conhecimento,

o sujeito precisa agir, com a construção própria de argumentos (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2002, p. 15).

O diário de bordo “ajuda também a projetar hipóteses de intervenção que tentam resolver estes problemas a partir de novas perspectivas. A investigação de problemas implica a experimentação de novos projetos e avaliação de seus efeitos” (PORLÁN; MARTÍN, 2001, p. 18-19, tradução nossa). A reflexão acompanha todo o processo, desde o reconhecimento de problemas à formulação de estratégias inovadoras para intervenção na prática. Dessa forma, problematizar teorias e práticas implica em refletir, reinventando e transformando.

Porlán e Martín (2001, p. 47, tradução nossa) sugerem o papel do diário de bordo “para transformar as novas concepções, em novo programa de intervenção, em uma nova prática conscientemente dirigida e evoluída”. Dessa forma, por meio da reflexão, o diário de bordo pode auxiliar no reconhecimento e transformação de concepções de docência, favorecendo também o replanejamento de práticas. Nesse processo, exerce papel importante a escrita no diário, pois favorece a organização das ideias, auxiliando na internalização de novos conhecimentos (VIGOTSKI, 2007). É importante a reflexão escrita sobre a própria prática, acerca das teorias e experiências compartilhadas no coletivo docente.

Na IA “o investigador ativo deve esclarecer seus entendimentos como base prévia para a interação mediada com outros” (CARR; KEMMIS, 1988, p. 209, tradução nossa). A reflexão pessoal, ao que o diário de bordo pode contribuir, deve ser uma preparação para o diálogo no coletivo docente. Segundo Ibiapina (2008, p. 46-47) a “reflexão interpessoal e a intrapessoal, embora representem momentos distintos, foram unidades indivisíveis no processo de desenvolvimento profissional e na formação da consciência reflexiva, uma vez que um nível auxilia na construção do outro”.

As narrativas escritas o diário de bordo podem ser compartilhadas, possibilitando a reflexão conjunta sobre a prática. O compartilhamento de narrativas possibilita a “leitura e discussão dos diários de classe [que] pode facilitar o descobrimento dos “obstáculos internos”, favorecendo a implantação progressiva de uma estratégia de reflexão conjunta sobre e para a ação” (PORLÁN; MARTÍN, 2001, p. 37, tradução nossa, [grifos do autor]).

Na acepção de Vigotski (2007), o ser humano aprende com o outro, constituindo-se em decorrência da internalização de práticas sociais. Dessa forma, é relevante o compartilhamento de práticas, à medida que pode se desenvolver o

espelhamento com a própria prática. Pois, “a análise que o profissional/professor faz da situação homóloga permite-lhe visualizar aspectos problemáticos da sua prática que podem tornar-se objeto de reflexão individual e coletiva” (SILVA; SCHNETZLER, 2000, p. 52). Dessa forma, pode-se engendrar a problematização a partir do espelhamento, que pode se constituir em uma “prática propulsora da reflexão acerca das práticas” (GÜLLICH, 2013).

As ideias compartilhadas no coletivo docente podem ser internalizadas. O processo de internalização, definido por Vigotski (2007, p. 56) como “a reconstrução interna de uma operação externa”, de novas ideias teóricas e/ou a partir do diálogo com o outro, contribui para a transformação do pensar do sujeito. Defendemos que no processo de internalização pode cumprir papel importante a reflexão, no sentido de reconstrução de ideias externas. Pois, a produção de conceitos não ocorre a partir da simples memorização, mas em um constante processo de recriação na mente do sujeito, que aprende quando assume posição ativa no processo de conhecer o objeto em estudo (VIGOTSKI, 2008).

Dessa forma, para ocorrer a apropriação da teoria é necessário o envolvimento do sujeito em interpretá-la e reconstruí-la. Segundo Vigotski (2008, p. 67), “Ach defende que a formação de conceitos é um processo criativo, e não um processo mecânico e passivo”. Portanto, a internalização da teoria não ocorre apenas pela cópia. É necessário o esforço de pensar sobre, refletir e reinventar com autenticidade. Isso implica na formação do professor, que precisa ser reconhecido como sujeito que pensa. Nesse processo, o diário de bordo pode exercer o papel de instrumento para desenvolver o exercício de reflexão (PORLÁN; MARTÍN, 2001), auxiliando no processo de internalização de novos conceitos, se acompanhado por teoria.

Em Zabalza (1994, p. 31) consta que “o professor pensa, não é um autómato, nem um prático em sentido absoluto”. De acordo com o autor, o diário de bordo é um instrumento que possibilita o acesso ao pensamento do professor, que precisa também refletir, realizar um diálogo consigo próprio acerca das suas ações (ZABALZA, 1994, p. 95). Essa interpretação própria das ações possibilita o reconhecimento de concepções que até então poderiam ser inconscientes pelo sujeito, mas que influenciam em sua prática. Esse processo é favorecido no coletivo de formação, que depois se remete ao diário de bordo. Para isso, são importantes também as leituras e as reflexões sobre estas teorias, em diálogo com a prática e as concepções do sujeito, assim problematizando teorias e práticas.

Portanto, faz-se necessário o esforço de refletir sobre o que se escreve, reconstruir, e não uma simples cópia. Nesse sentido, defendemos que a narrativa escrita nos diários de bordo é um método potencialmente importante para a reflexão sobre as ações e teorias do sujeito, ao se constituir em um diálogo consigo mesmo sobre a situação prática. Com base em Ibiapina (2008) e Rosa (2004), defendemos que a reflexão interpessoal em contextos colaborativos impulsionam as reflexões, pois é necessária a troca de ideias e experiências para a construção de novas perspectivas, impulsionando assim a reflexão intrapessoal. Dessa forma, são importantes os momentos de reflexão individual e coletiva, momentos distintos que se fundem na formação docente.

Baseados nesses argumentos, o diário de bordo foi utilizado para a narração escrita durante o desenvolvimento do Projeto inserido no PICMEL. Foi proposta a sua adoção pelos integrantes, estudantes e professoras, constando narrações sobre os encontros do Grupo, as leituras dos referenciais do Educar pela Pesquisa (MORAES, 2002; MORAES; GALIZZI; RAMOS, 2002; RAMOS, 2002), os documentos analisados (Regimento Referência das Escolas de Ensino Médio Politécnico da Rede Estadual e Regimento Escolar da Escola), a produção dos artigos científicos e acerca de encontros dos Ciclos Formativos em Ensino de Ciências, dois quais participaram as Professoras Supervisoras do Projeto. Defendemos que as narrações evoluem gradativamente de descrições para reflexões (PORLÁN; MARTÍN, 2001; ALARCÃO, 2010; KIEREPKA; GÜLLICH; WYZYKOWSKI, 2013), tornando o processo de escrita formativo, o que justifica a adoção do diário de bordo. Essas narrativas dos sujeitos passam a ser analisadas na sequência.

Após um tempo de desenvolvimento das atividades do Projeto inserido no PICMEL é possível identificar nos diários de bordo alguns excertos, que se caracterizam em interpretações próprias dos sujeitos.

Sandra, em um relato sobre os encontros do PICMEL, anexado em seu diário de bordo, descreveu que uma das finalidades da pesquisa é despertar o interesse dos alunos e buscar mais saberes e conhecimentos, em que a autonomia nessa afirmação é evidente. Nas palavras da professora: “esta é então uma das finalidades da pesquisa: despertar o

interesse e ir em busca de mais saberes, conhecimentos” (Sandra). Podemos perceber

que a Professora reconheceu a autonomia do aluno no Educar pela Pesquisa, quando escreve sobre a importância de que este busque os seus conhecimentos, sendo auxiliado pelo professor. A construção de conhecimentos é uma das etapas do Educar pela

Pesquisa (DEMO, 2000; MORAES, 2002), o que evidencia a aproximação com

pressupostos do Educar pela Pesquisa.

Em outro fragmento, Sandra escreveu que a pesquisa possibilita a construção de novos conhecimentos, bem como destacou a sua importância, por proporcionar a aprendizagem de habilidades como o questionamento, a crítica e a argumentação. Segunda a professora, “através da pesquisa aprendemos descobrir, questionar,

analisar, comparar, criticar, avaliar, sintetizar, argumentar e criar. Também construímos novos saberes, conhecimentos” (Sandra). Moraes, Galiazzi e Ramos

(2002, p. 21) defendem que na pesquisa escolar a finalidade principal não é a validação dos resultados em publicação exterior, como ocorre, geralmente, nas pesquisas de nível acadêmico. A finalidade da pesquisa na escola é a formação do aluno, como “a construção das habilidades de questionar, de construir argumentos com qualidade e saber comunicar os resultados à medida que são produzidos” (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2002, p. 21).

Sandra também refletiu sobre o papel do professor, que se constitui orientador, e, no processo de pesquisa, ensina e aprende. Reconheceu também que no Educar pela

Pesquisa deve desenvolver estratégias que desafiem os alunos a pesquisar. Assim, suas

ideias situam-se no papel do professor como orientador do processo de ensino e aprendizagem. Reconheceu que o professor não é o detentor de verdades, mas constrói conhecimentos em colaboração com os alunos no processo de pesquisa. Citou que o professor precisa ensinar o aluno para o desenvolvimento da criticidade frente as informações veiculadas pelos meios de comunicação. “É preciso orientar o aluno para

que este desenvolva um olhar crítico e reconheça as verdadeiras fontes de informações e conhecimentos” (Sandra). Está implícito que o aluno não pode ser objeto de um

ensino por treinamento, sendo necessário planejar estratégias de ensino que instiguem o aluno a pesquisar. Essas considerações de Sandra e ideias que depreendemos de sua narrativa podem indicar a apropriação de algumas ideias do Educar pela Pesquisa.

Sandra destacou a importância do professor em ensinar a aprender, com base em conclusões construídas a partir da leitura da parte introdutória de um livro sobre pesquisa na escola: “o papel mais importante do professor é ensinar e aprender, isto é,

criar possibilidades para que o aluno chegue às fontes de conhecimento que estão à sua disposição na sociedade” (Sandra). Essa narrativa evidencia o reconhecimento do papel

do docente no processo de pesquisa, que pode ser orientar os alunos para que constituam a criticidade para a interpretação das fontes de informação e conhecimentos

que estão disponíveis na sociedade. Portanto, Sandra aponta indícios do reconhecimento da importância da educação escolar, à qual não cabe apenas transmitir informações, à medida que estas estão disponíveis nos mais variados meios de comunicação. Reconhece, dessa forma, a importância da pesquisa e indica ter se apropriado de algumas ideias do Educar pela Pesquisa, nesse último excerto sobre a função do professor.

O professor não é mais “o único transmissor do saber [...]. O aluno também não é mais o receptáculo a deixar-se rechear de conteúdos [...]. Ele tem de aprender a gerir e relacionar informações para as transformar no seu conhecimento e no seu saber” (ALARCÃO, 2010, p. 17-18 [grifo do autor]). Portanto, muda o papel do professor e do aluno. Ambos passam a serem considerados sujeitos pensantes e criativos, que constituem os conhecimentos em contextos interativos entro professor-aluno e aluno- aluno, priorizando-se a elaboração própria.

Moraes (2002) destaca a importância do diálogo e da discussão crítica, pois todos os sujeitos precisam participar do processo de pesquisa. “O diálogo crítico e fundamentado se torna importante para construir a convicção sobre a nova verdade, o novo conhecimento que está sendo constituído (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2002, p. 4)”. Em Vigotski (2008) também se percebe que segue uma perspectiva de aprendizagem que vai além da memorização mecânica. O autor destaca que Ach defende que “a formação de conceitos é um processo criativo, e não um processo mecânico e passivo” (VIGOTSKI, 2008, p. 67).

As reflexões de Sandra são importantes, pois o reconhecimento da relevância da pesquisa pode colaborar para o planejamento de aulas com base na pesquisa, bem como, é preciso reconhecer as teorias sobre pesquisa que sustentam as práticas dos sujeitos, aperfeiçoando-as, pois estas influenciam na prática. Essas categorias do Educar pela

Pesquisa, identificadas no diário de bordo de Sandra, provavelmente foram construídas

com base nas reflexões sobre as leituras, individuais e compartilhadas, o que pode indicar a apropriação de ideias.

Portanto, é importante que uma pesquisa ocorra no coletivo, como a pesquisa da própria prática realizada por docentes. Concordamos com a análise de Fabiana sobre um encontro do Grupo do Projeto, que teve como tema o compartilhamento de resumos de leituras, em que a Estudante descreveu que perceberam que as ideias dos integrantes eram diferentes: “no nosso encontro de hoje nós lemos os nossos resumos da aula

que respalda a relevância das interações sociais, por proporcionarem a troca de ideias. Moraes, Galiazzi e Ramos (2002) defendem o coletivo para o aperfeiçoamento dos novos argumentos que são construídos por cada sujeito, sendo o primeiro momento da comunicação dos resultados. Dessa forma, é importante que todo o processo de pesquisa seja desenvolvido no coletivo, pois os sujeitos aprendem na interação com o outro (VIGOTSKI, 2008).

A construção de concepções sobre pesquisa na perspectiva do Educar pela

Pesquisa é o ponto de partida para o desenvolvimento de estratégias de ensino, pois as

teorias do sujeito guiam a sua prática. Sabrina relatou que a pesquisa para ela e para as Estudantes Maria, Milena e Miriam foi algo novo, por isso estavam tendo dificuldades. Ela escreveu:

no início as meninas não estavam entendendo como fazer a pesquisa. Para elas e para mim foi uma coisa nova, não temos tanto conhecimento como ela [se refere à licencinda/bolsista do PIBID, voluntária do Projeto inserido no PICMEL]. Mas todas estavam muito preocupadas e apreensivas para aprender (Sabrina).

Essa inexperiência em pesquisa pode incidir também em dificuldades em refletir, à medida que estão habituadas a aulas “que apenas ensina a copiar [que] é absoluta imperícia” (DEMO, 2000, p. 2) e não pensar. Porém, à medida que a Professora destacou que estavam tendo dificuldades, por serem inexperientes em pesquisa, podemos inferir que refletia acerca da prática de pesquisa que vivenciava. Reconheceu a potencialidade da pesquisa, à medida que declarou estar disposta a aprender a pesquisar. A reflexão sobre as ações e as teorias de ensino é o início para a busca de novos conhecimentos, pois pode culminar em transformação de teorias e práticas.

Dessa forma, destacamos a relevância do Projeto inserido no PICMEL para a introdução dos sujeitos na prática da pesquisa, que pode ter se constituído em uma oportunidade para a aprendizagem dos procedimentos de pesquisa, com a possibilidade de desenvolvimento desta habilidade. Nicolini e Moraes (s/ano) propõem o Educar pela

Pesquisa com o desenvolvimento de projetos de aprendizagem em âmbito escolar.

Propomos a importância do Projeto como espaço de constituição de novos conhecimentos sobre o processo de pesquisa, pela experiência em si, bem como pela discussão da temática do Projeto, o Educar pela Pesquisa, como teoria pertinente para orientar a pesquisa escolar. Vigotski (2008) defende que o sujeito aprende na interação com o outro. O coletivo é importante para a constituição de novos conhecimentos e habilidades pelo sujeito, por isso, é importante o diálogo em grupos colaborativos.

As Professoras Supervisoras também relataram que os encontros eram dialogados, com discussões sobre as leituras e momentos de exposição de ideias. Identificamos a construção do processo de pesquisa do Projeto inserido no PICMEL com base em pressupostos do Educar pela Pesquisa, como a construção própria de conhecimentos: “foi feito a reflexão das leituras realizadas em casa” (Sabrina), pois, a reflexão sobre a leitura, relatada por Sabrina, pressupõe a reconstrução daquela teoria, implicando em autoria própria do coletivo de pesquisa.

Fabiana escreveu: “com esses textos que lemos foi escrito as nossas conclusões,

as formas de pesquisas, sendo o nosso primeiro trabalho para ser apresentado”,

deixando explícita a autonomia do Grupo, pois destacou a produção de “nossas

conclusões” e “o nosso primeiro trabalho”. Depreendemos do excerto também a

percepção de Fabiana sobre a participação ativa das Estudantes no processo de pesquisa, produzindo seus conhecimentos com protagonismo. Consideramos isso importante, pois os alunos são reconhecidos como sujeitos no Educar pela Pesquisa.

Nicolini e Moraes (s/ano, p. 7) destacam a importância das reflexões para que “os alunos realmente se tornem responsáveis por sua aprendizagem, participem ativamente das atividades, buscam aprofundar seus conhecimentos [...] contribuindo assim para a construção da autonomia”. O Projeto demandava sempre uma reflexão sobre as ações. O Grupo se estruturava pela relação de colaboração. O diálogo estabelecido como constitutivo da metodologia dos encontros lhes conferiu características do Educar pela Pesquisa e IA.

Cabe destacar que o desenvolvimento da capacidade de refletir é “um processo gradual, que por vezes retrocede; por outras avança, mas, sobretudo, é um processo formativo” (KIEREPKA; GÜLLICH; WYZYKOWSKI, 2013), que exige abertura ao novo e ao diálogo, o que implica a provisoriedade do conhecimento. Porlán e Martín (2001) descrevem três níveis de reflexão: descritivo, analítico-explicativo e valorativo (ou reflexivo, propriamente dito). Segundo os autores, inicialmente a reflexão tende a ser apenas uma descrição superficial dos acontecimentos, posteriormente se constitui em análise e, mais tarde, em reflexão. A descrição é importante, porém para que seja formativo faz-se necessária a análise e reflexão sobre as ações e sobre a teoria que guia a prática. Zeichner & Liston (1987 apud GARCÍA, 1992) descrevem três tipos de reflexão: técnica, prática e crítica. Estes se desenvolvem de forma gradativa, em níveis cada vez mais complexos, mas que coexistem.

Dessa forma, consideramos que o diário de bordo possa ser também um instrumento importante no Educar pela Pesquisa, sendo desenvolvido por alunos e professores, pois é um momento pessoal de reflexões e questionamentos. Além disso, pode se constituir em um instrumento para o desenvolvimento da habilidade de escrita, sendo que por meio da escrita os sujeitos podem reconstruir suas teorias e práticas, e o próprio processo de pesquisa.

No contexto de pesquisa, conforme excertos discutidos acima, foi possível perceber que o diário de bordo se constituiu principalmente em transcrições de trechos de referenciais. Mas, que gradativamente se constitui em reflexões a partir das leituras. O diário de bordo para Porlán e Martín (2001, p. 20, tradução nossa) é: “um guia para a reflexão sobre a prática”, e pode se constituir em um guia de reflexão sobre o processo de pesquisa, como momento de narração acerca das experiências vivenciadas no coletivo de pesquisa.

A construção do processo de pesquisa do Projeto inserido no PICMEL se estruturou nos pressupostos do Educar pela Pesquisa. A reflexão sobre as leituras pressupõe a reconstrução da teoria, implicando em autoria própria do coletivo de pesquisa. “A construção de uma nova síntese passa por um conjunto de ações e reflexões em que gradativamente vai se constituindo uma nova verdade, tornando-a cada vez mais fundamentada” (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2002, p. 15). O Projeto demandava sempre a reflexão sobre as ações, em articulação com os pressupostos da IA.

Nos diários das Estudantes, assim como das Professoras Supervisoras, foi possível identificar descrições das leituras e atividades realizadas nos encontros. Porém, também foi possível identificar concepções nos que em concordância com princípios do

Educar pela Pesquisa, o que indica a apropriação de pressupostos do Educar pela Pesquisa. Maria destacou que: “a pesquisa tem um foco de o aluno, ou seja, nós os bolsistas, a pesquisarmos sozinhos e tirarmos nossas conclusões com o professor, apenas orientando, dando um caminho para nós conseguirmos trilhar”. É possível

perceber a valorização do protagonismo do aluno na construção de conhecimentos. “O saber pensar e o aprender a aprender dependem e exigem capacidade comunicativa, capacidade de argumentação e de elaboração própria” (GALIAZZI, 2003, p. 87).