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A contribuição teórica de Penrose ao crescimento da firma

2.2 Os fundamentos teóricos do crescimento da firma

2.2.1 A contribuição teórica de Penrose ao crescimento da firma

A obra de Penrose é muito rica e trouxe inúmeros aspectos relevantes. A sua primeira contribuição era a sua visão do que é uma firma. Sua preocupação, mesmo sendo uma economista, era com as firmas reais, a empresa de “carne e osso”. A sua noção de firma não era a visão econômica abstrata de uma entidade tomadora de decisões sobre produção e preços para certos produtos. A firma era vista como uma entidade administrativa cuja função econômica primária era usar recursos produtivos para produzir bens e serviços a serem vendidos no mercado, com objetivo de lucro, de acordo com planos desenvolvidos e implementados por ela. Neste sentido, a firma e o mercado tinham funções similares já que ambos alocam recursos, mas a

firma o faz dentro de uma organização administrativa enquanto que o mercado não (PENROSE, 1959, p. 15, 197). Um aspecto importante na definição da firma envolve o seu papel como uma unidade administrativa autônoma não limitada a certo tipo de produto ou atividade. Ela não estava, pois, convenientemente representada pelas curvas de custo e receita, ou certos produtos e mercados. A firma concebida desta forma tem liberdade para, quando recursos adequados estão disponíveis, produzir qualquer coisa para qual uma demanda possa ser encontrada ou criada. A expansão da firma não era o simples aumento do volume de produção com suas implicações na curva de custos. Esta definição de firma coincide com a descrição de “modern business enterprise” ou a sua subespécie a “modern industrial enterprise” de Chandler (1990, p.14).

A firma de Penrose (1959) era um conjunto de recursos (humanos e não-humanos) sob coordenação administrativa. Destes recursos, os recursos humanos, em particular os recursos gerenciais, eram os mais importantes. Penrose (1959) fez uma clara distinção entre recursos e os serviços derivados deles. Não são os recursos propriamente ditos que alimentavam processo produtivo, mas sim os serviços derivados destes recursos. Os serviços eram função de como os recursos são usados e o mesmo recurso poderia fornecer serviços diferentes quando usado de forma diferente para objetivos diferentes. Isto é especialmente verdade no caso dos serviços gerenciais dada a sua flexibilidade de utilização. Recursos eram, portanto, um conjunto de serviços potenciais e podem ser definidos independentemente de seu uso enquanto que os serviços não (PENROSE, 1959, p. 25). O grupo gerencial existente em uma firma em determinado momento fornecia os serviços gerenciais que compõem a sua capacidade administrativa e de planejamento. Mesmo que os gerentes decidissem contratar serviços externos ou novos funcionários, estes eram atos administrativos e usavam os serviços gerenciais para a sua execução.

O incentivo básico ao crescimento endógeno da firma era a existência constante de recursos em excesso, utilizáveis para o crescimento, a custo de oportunidade zero. Esta existência constante de recursos era devida à necessidade de balanceamento dos recursos para os diferentes processos ou ao fato dos recursos estarem disponíveis em quantidades discretas e não-contínuas o que foi referenciado por

Penrose (1955) como o princípio dos múltiplos. O crescimento da firma era, portanto, um processo natural, causado pela sua própria natureza.

[...] if a collection of invisible productive resources is to be fully used, the minimum level of output at which the firm must produce must correspond to the least common multiple of the various outputs obtainable from the smallest units in which each type of resource can be acquired. […] This output will tend to be greater the larger the variety of resources and the more diverse the units they come. A firm would have to produce on a vast scale if it were to use fully the services of all the resources required for much smaller levels of output. (PENROSE, 1955, p. 533).

Um segundo ponto que se adiciona a este é o fato, já comentado, que os recursos poderiam ser usados de diferentes formas, ou, na terminologia de Penrose (1959) o mesmo recurso poderia fornecer diferentes serviços. Uma firma que dispusesse de recursos em excesso de determinado tipo tinha, portanto, uma gama de serviços produtivos possíveis dentre os quais poderia escolher ou decidir aplicar no crescimento. Estes recursos eram também, muitas vezes, específicos à firma em questão e não poderiam ser adquiridos no mercado de forma perfeita.

Quando os recursos eram usados para a expansão da firma, os mesmos eram liberados, uma vez realizada esta expansão. Assim, ao completar a expansão, estes recursos passavam a fazer parte do conjunto de recursos disponíveis promovendo um novo estímulo a uma continuação do processo de crescimento. As firmas estariam, pois, em constante crescimento. Marris (2002) criticou esta justificativa teórica, comparando-a, de forma jocosa, à conhecida Lei de Parkinson. Parkinson (1958) sugeriu que o trabalho se expande de forma a ocupar todo o tempo disponível. Na verdade, a crítica de Marris (2002) referia-se à falta de uma fundamentação quantitativa da afirmativa de Penrose. Se o fato dos recursos estarem disponíveis em quantidades discretas tivesse um efeito, a taxa de crescimento da firma seria função do tamanho do “lote” disponíveis para os recursos e o tamanho da firma. Este efeito seria menor para firmas maiores que, devido a sua maior escala, não necessitariam de tantos recursos em excesso.

A busca do poder de mercado e a conquista de uma posição dominante no ramo de negócios, embora quase nunca chegassem a ser certas e completas, foram reconhecidas também por Penrose (1959, p. 113) como intenções do movimento de

crescimento. A originalidade da abordagem de Penrose residiu na sua referência ao tempo. Penrose (1959, p. 56) via o crescimento como um processo natural, que tem origem no fato que sempre existiam, nas empresas, recursos não usados. Seu foco foi mais no processo do crescimento do que no tamanho.

Este estímulo interno ao crescimento tinha duas conseqüências importantes. A primeira era que ele impedia o equilíbrio de mercado. Esta foi uma justificativa da situação de constante desequilíbrio e continuada inovação. Não haveria tamanho ótimo para a firma e nem limite para o tamanho na concepção de Penrose. A segunda conseqüência foi o desenvolvimento por parte da firma de áreas de especialização ou bases de produção ou tecnológicas que dirigiriam o crescimento (PENROSE, 1959, p. 109). Penrose (1959) chamou estas áreas de bases inexpugnáveis (impregnable bases) antecipando em vários anos a idéia de competências essenciais.

Penrose (1959) não via limites ao tamanho das firmas, mas apenas a sua taxa de crescimento. Uma questão fundamental para este conceito de firma era se elas poderiam crescer até um ponto em que fiquem grandes demais. A capacidade gerencial foi inicialmente vista como um fator fixo e, como conseqüência, o crescimento levaria a uma situação de retornos decrescentes devido à necessidade de coordenação e à característica finita da capacidade do ser humano individual. Penrose (1959, p.18-19) argumentou que esta limitação não podia ser observada devido ao fato da organização ter a capacidade de alterar a sua estrutura administrativa de tal forma que decisões gerenciais não-rotineiras pudessem ser feitas por um grande número de pessoas diferentes dentro da mesma firma sem destruir sua unidade essencial como firma. Esta constatação tornava difícil prever um ponto a partir do qual uma firma passasse a ser grande demais para ser eficientemente gerenciada devido à sua complexidade. Firmas grandes e pequenas deveriam ser vistas como duas espécies de um mesmo gênero. Elas teriam o mesmo objetivo, mas o atingiriam de forma diferente. Como colocou Penrose:

In other words, I think the question whether firms can get ‘too big’ for efficiency is the wrong question, for there is no reason to assume that as large firms grow larger and larger they will become inefficient; it is much more likely that their organization will become so different that we must look

at them differently; we cannot define a caterpillar and then use the same definition for a butterfly (PENROSE, 1959, p. 19).

Embora não visse limites para o tamanho da firma como desenvolvido acima, Penrose indicou que existiam limites para a taxa de crescimento. Estes limites seriam determinados pela velocidade com a qual o corpo gerencial mais experiente poderia desenvolver e implementar planos de crescimento. Os serviços “herdados” pelos recursos gerenciais mais antigos também limitariam a capacidade de absorver novos recursos gerenciais e assim, também limitariam a taxa de crescimento das empresas (PENROSE; PITELIS, 2002, p. 26).

Penrose (1959, p. 26-30) também discutiu a relação entre a motivação para lucro e a motivação para o crescimento. Inicialmente o crescimento poderia ser visto como uma forma de aumento dos lucros futuros e, portanto do lucro no longo prazo da organização. No curto prazo, o crescimento requereria que lucros fossem retidos para reinvestimento em vez de serem distribuídos como dividendos. Os gerentes teriam mais a ganhar favorecendo o crescimento ao lucro, pois com isso conseguiriam maior poder, prestígio e remuneração. As vezes, contudo, os proprietários de empresas acabavam tendo o mesmo comportamento levados pelo orgulho e ambições pessoais e de reconhecimento da sociedade. O crescimento, contudo, dependia de lucros, de modo que lucro e crescimento poderiam ser vistos como equivalentes, como colocou Penrose:

If profits are a condition to successful growth, but profits are sought primarily for the sake of the firm, that is, to reinvest in the firm rather than to reimburse owners for the use of their capital or their ‘risk bearing’, then, from the point of

view of investment policy, growth and profits become equivalent as a

criteria for the selection of investment programmes. (PENROSE, 1959, p.30, grifo nosso)

Esta colocação foi fortemente criticada por Marris (1961) em sua revisão do livro de Penrose, classificando-a como frágil devido a sua falta de fundamentação matemática. Um exemplo de modelagem matemática das relações entre taxa de crescimento e lucros em diferentes situações pôde ser vista em Baumol (1962). Outros economistas tradicionais (MARRIS, 1964; SLATER, 1980; GANDER, 1991) atacaram a questão de integrar os objetivos de crescimento e lucro dentro do mesmo conceito de maximização de lucros buscando um perfil ótimo de resultados

ao longo do tempo. O ponto alto desta literatura foi a tentativa de Rubin (1973) de reconstruir o argumento de Penrose (1959) buscando um equilíbrio dinâmico ótimo da questão de utilizar recursos existentes diretamente para a produção e utilizar os recursos existentes para criar novos recursos. Marris (2002) sugeriu que a idéia de Penrose com esta afirmativa deveria ser interpretada como, dada igualdade de demais condições, quanto mais alta a taxa de lucros operacionais de uma firma, maior tenderia a ser a sua taxa planejada de crescimento de longo prazo. Esta relação entre lucro e crescimento foi explorada desde outro ângulo, nesta pesquisa, quando compararmos a composição da variância de ambas as variáveis.

O fato da maioria das firmas, especialmente as maiores, ser administrada por gerentes também teria influência na motivação da firma. Aos gerentes interessava muito mais a retenção dos lucros e o reinvestimento dos mesmos na firma em vez da sua distribuição como dividendos. Desta maneira, os dividendos podiam ser vistos como um custo a ser suportado a um nível mínimo para manter os investidores felizes. O crescimento oferecia aos gerentes prestígio, satisfação pessoal, maiores responsabilidades e, conseqüentemente, maiores salários e possibilidades para realização de suas ambições pessoais. Mesmo gerentes- proprietários apresentavam muitas vezes comportamento similar e identificavam a sua vida pessoal com a existência e crescimento da firma (PENROSE, 1959, p. 27- 28).

Chandler (1990, p. 594, 595) ilustrou esta mesma questão com a comparação do crescimento das empresas inglesas que, dirigidas mais de perto por seus proprietários, prefeririam o pagamento de dividendos a um reinvestimento intenso na firma. Seu crescimento permaneceu limitado em comparação a firmas equivalentes nos Estados Unidos e Alemanha, dirigidas por gerentes com política mais restrita de dividendos.

Uma melhor definição da motivação da firma poderia ser, portanto, o desejo de aumentar os lucros totais de longo prazo e este seria o critério para as decisões financeiras e de investimento. Se o lucro é uma condição para o crescimento com sucesso, mas os lucros são prioritariamente reinvestidos na firma em vez de distribuídos como dividendos, então lucros e crescimento tornam-se critérios

equivalentes para a seleção de programas de investimentos. Baumol (1962) sugeriu que o corpo gerencial acabava usando, por variados motivos, a maximização da taxa de crescimento do total de vendas como critério para as decisões e previu com uma modelagem que este procedimento poderia conflitar com a maximização dos lucros em determinadas circunstâncias.

Penrose (1959, p. 31 - 42) também reconheceu a influência do ambiente externo no crescimento da firma, mas também o subordinou a uma relação com o ambiente interno. É da interação dinâmica entre o ambiente externo e o interno que surgiriam as oportunidades de crescimento e diversificação. O ambiente externo só existiria como uma imagem na mente do empreendedor. A oportunidade produtiva percebida por uma firma não seia um fato puramente externo, mas dependeria do que os empreendedores podiam ver e achar que poderiam ter vantagem em explorar. Expectativas e não fatos objetivos seriam os determinantes do comportamento das empresas. O ambiente que os economistas viam pode ser muito diferente do que cada empresa individual via. A influência do ambiente externo, na visão de Penrose (1959) podia ser resumida na frase abaixo:

Firms not only alter the environmental conditions necessary for the success of their actions, but, even more important, they know that they can alter them and that the environment is not independent of their own activities. Therefore, except within very broad limits, one cannot adequately explain the behaviour of firms or predict the likelihood of success merely by examining the nature of the environmental conditions (PENROSE, 1959, p. 42).

A própria definição ampla de firma usada por Penrose (1959) que não definiu a empresa em termos de produtos, mas sim em termos de recursos com elevada versatilidade que poderiam ser usados em vários mercados, levou à conclusão que condições externas de demanda não devem ser um limitante à capacidade de expansão das firmas (PENROSE; PITELIS, 2002, p. 25).

O trabalho de Penrose (1959) associou o crescimento da firma quase que exclusivamente a fatores internos à mesma, aos seus recursos. Até mesmo ao reconhecer os fatores externos, como nos parágrafos acima, relacionou esta influência externa ao ambiente interno, específico a cada empresa individual. Na análise empírica que desenvolvida para esta tese, esta visão implicaria em um alto

percentual da variância do crescimento ser atribuído ao efeito firma e não a fatores externos à firma.