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A cooperação espacial com a Rússia

2 AS POLÍTICAS EXTERNAS BRASILEIRA E RUSSA FRENTE ÀS MUDANÇAS

4.2 O Programa Espacial Brasileiro

4.2.2 A cooperação espacial com a Rússia

Como já mencionado anteriormente, a cooperação entre Brasil e Rússia em matéria de ciência e tecnologia tem fulcro no Acordo Básico sobre Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica e o Acordo sobre Cooperação na Pesquisa e nos Usos do Espaço Exterior para Fins Pacíficos, ambos assinados em 1997. Esses instrumentos deram impulso às negociações nas áreas de ciência e tecnologia, em que logo se identificou a área espacial como a de maior potencial para aprofundamento196. Contudo, até 2003, houve poucas realizações no campo espacial, em grande medida devido à falta de interesse brasileiro em discutir projetos que

interessavam aos russos. Até aquela época, os projetos que apresentavam maior possibilidade de cooperação envolviam sensoriamento remoto; em outras áreas, pouco se avançou.

De um lado, interessava aos russos a instalação de um Observatório astronômico no Hemisfério Sul197, assunto que não mereceu atenção do lado brasileiro. Para os brasileiros, interessava ofertar a base de lançamentos de Alcântara (CLA) aos russos, o que, por sua vez, não lhes interessava, uma vez que já estavam envolvidos com a base de Christmas Island. Interessavam aos russos, nesse momento, outros projetos, como o desenvolvimento de satélites de sensoriamento remoto e a modernização do Veículo Lançador de Satélites brasileiro (VLS), como fica claro na comunicação do telegrama a seguir:

permanece o interesse da Rosaviakosmos nas operações do CLA, embora para a agência russa se afigure como mais promissora - ou rentável -, no momento, a possibilidade de participação na construção do SSR-1 e a na modernização do VLS.198

Nesse caso, os russos argumentavam que o envolvimento deles com a base australiana se devia ao fato de esta ter entrado em funcionamento antes da base brasileira.

Apenas a partir de 2003 a cooperação entre os dois países passa a adquirir contornos mais efetivos, embora esse marco esteja relacionado ao trágico episódio em Alcântara, no Maranhão. O primeiro desdobramento da cooperação se deu com a vinda de técnicos russos, a pedido do Brasil, para identificar as causas do acidente com o Veículo Lançador de Satélites (VLS-1). A partir desse momento, o Brasil passa a vislumbrar outros projetos de cooperação com a Rússia, com vistas a aprimorar o seu projeto de Veículos Lançadores. Além disso, a maior aproximação no campo espacial dará ensejo às negociações para a ida do astronauta brasileiro Cel. Marcos Pontes ao segmento russo da Estação Espacial Internacional.

Iniciados os trabalhos de consultoria técnica do VLS brasileiro, faltava à cooperação um arcabouço jurídico que desse sustentação às iniciativas. Nesse sentido, o Brasil propôs a assinatura de um Memorando de Entendimento199, o qual é assinado em 2004, durante a visita de Putin ao Brasil. De acordo com esse documento, as partes desenvolverão “variante modernizada do VLS-1 brasileiro”, usando um terceiro estágio a propelente líquido; desenvolverão, conjuntamente, “com base nas tecnologias russa e brasileira, (...) nova família

197 EXTERIORES para Brasemb Moscou. Telegrama 113 (29/03/2001). 198 BRASEMB Moscou para Exteriores. Telegrama 623 (23/07/2002). 199

Memorando de Entendimento a respeito do Programa de Cooperação sobre atividades espaciais. Disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2004/b_133>. Acesso em abril de 2014.

de veículos lançadores com capacidade de efetuar lançamentos de satélites geoestacionários”. Somam-se a esses objetivos o desenvolvimento de satélites geoestacionários e de infraestrutura espacial terrestre do Centro de Alcântara. A parte russa ficaria responsável por treinar pessoal brasileiro, prover as informações e dados técnicos relacionados às tecnologias e instalações do Programa Espacial, bem como dar acesso a essas instalações. Já ao Brasil caberia custear as despesas decorrentes da execução do Programa e assegurar aos russos a utilização das tecnologias envolvidas no Programa, bem como dar acesso às instalações e às informações e dados técnicos relacionados às tecnologias e instalações.

As atividades previstas no Memorando ficaram condicionadas à assinatura de um Acordo de Salvaguardas Técnicas (AST) e a um Acordo de Proteção Mútua de Tecnologias (APMT). O primeiro permitiria o uso do CLA pela Rússia; já o segundo viabilizaria o desenvolvimento conjunto do VLS. A assinatura desses instrumentos foi objeto de controvérsias entre os dois países, levando a atrasos na cooperação para o desenvolvimento do VLS. À Rússia interessava um acordo quadro, que contemplasse ambos os documentos; já o Brasil mostrava preferência por acordos específicos e sucintos.

A demora em se chegar a uma conclusão acerca desses acordos está por trás das dificuldades para o início efetivo da cooperação espacial. Apenas em 2006 seriam assinados o APMT e o AST, porém, mesmo com sua assinatura, houve atrasos na etapa de ratificação, nos Parlamentos de ambos os países. A esse respeito, cabe mencionar a mensagem transmitida no telegrama abaixo:

No contexto específico do aprofundamento da cooperação para o uso pacífico do espaço exterior, o estabelecimento de garantias apropriadas para a tecnologia adquirida, transferida ou criada ou [sic] [ao] longo da cooperação bilateral, constitui requisito essencial para a implementação de projetos comuns na área espacial. Por isso, afigura-se prioritária a conclusão do processo de ratificação do “Acordo sobre Proteção Mútua de Tecnologias associadas à cooperação na Exploração e Uso do Espaço Exterior para Fins Pacíficos”, a fim de que se intensifiquem ações conjuntas nessa área. Observo que esse processo parece estar mais adiantado na Rússia do que no Brasil.200

A demora na ratificação do APMT também seria tratada durante a visita201 do Sr. Vladimir Putkov, Vice-diretor do Departamento de Cooperação Internacional da Agência Federal Roskosmos à Embaixada do Brasil em Moscou, em agosto de 2008. Na ocasião, o Sr. Putkov alertou para o fato de que três contratos firmados com o Instituto de Aeronáutica e

200 BRASEMB Moscou para Exteriores. Telegrama 1135. 24/10/2008. 201 BRASEMB Moscou para Exteriores. Telegrama 892. 29/08/2008.

Espaço estavam aguardando a aprovação do APMT para entrar em vigor. Esses contratos referiam-se à viabilização das últimas etapas de cooperação referentes ao VLS; à construção de instalações técnicas adequadas a testes de propulsores movidos a combustível liquefeito; e à construção de instalações adequadas a teste de equipamentos hidráulicos.

O APMT somente entrará em vigor em 2009202; enquanto que o AST não tem registro de ratificação até o momento. Um fator que impulsionou a ratificação do APMT foi a vinda do presidente russo Dmitri Medvedev ao Brasil, em 2008. Após a entrada em vigor desses instrumentos, a cooperação pôde novamente avançar. Os russos demonstravam interesse em desenvolver nova família de foguetes, dentro do programa brasileiro Cruzeiro do Sul, analisado adiante. Havia também interesse em cooperar na área do sistema de navegação por satélite GLONASS. Antes de analisar esses projetos mais recentes, cabe mencionar a Missão Centenário, isto é, a ida do astronauta brasileiro ao Espaço, fruto da cooperação com os russos.