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A recuperação econômica: petróleo, gás e divisas

2 AS POLÍTICAS EXTERNAS BRASILEIRA E RUSSA FRENTE ÀS MUDANÇAS

2.3 A Política Externa russa (2002-2013)

2.3.2 A Ascensão de Putin e o Reforço do Estado

2.3.2.1 A recuperação econômica: petróleo, gás e divisas

O colapso econômico de 1998 levou o governo Putin a criar mecanismos para reduzir a dependência externa e fortalecer a economia em casos de choques externos. Uma das medidas nesse sentido foi a imposição de taxas sobre a produção petrolífera, o que resultou em aumento da arrecadação do Estado e, também, em crescimento do volume de reservas internacionais.

O grande problema para a economia russa consistia na existência de grandes empresas monopolísticas e exportadoras de commodities, cujo controle estava nas mãos dos oligarcas. A crise de 1998 havia enfraquecido esse grupo, que se encontrava com falta de divisas para fazer face a suas obrigações em dólares. Putin, assim que assumiu a Presidência, buscou formas de enquadrar esses oligarcas, submetendo-os ao controle do Estado.

Comprometendo-se a investir em suas empresas, o novo governo de Putin não contestou o modo como os oligarcas formaram suas fortunas ao longo dos anos Yeltsin. Ao contrário, reconhecendo a legitimidade dos direitos de propriedade adquiridos via privatizações (fraudulentas, cabe lembrar), Putin garantiu o apoio político dessa classe e o controle do Estado sobre essas empresas, que representam o núcleo duro da economia russa.

Nesse movimento, o governo central em Moscou procedeu à reestatização de empresas energéticas, como a Yukos e a Gazprom, cujos nomes adquiriram importância histórica devido a questões políticas envolvendo essas empresas. A seguir, analisar-se-á o processo de divisão do setor petrolífero e as implicações disso para a política putiniana.

O setor petrolífero havia sido um dos alvos da privatização levada a cabo durante o governo Yeltsin. Em setembro de 1992, o governo russo havia transformado o Ministério de Petróleo e Energia na empresa Rosneft, a qual sofreu várias divisões ao longo dos anos seguintes. Nesse processo, o antigo ministro do petróleo, Vagit Alekperov, beneficiou-se com a concessão da exploração de campos de petróleo para sua empresa, a Lukoil. Em 1993, outra divisão da Rosneft levou à criação da Yukos e da Surgutneftegaz.

A criação da Yukos está intimamente associada ao nome de seu proprietário, Mikhail Khodorkovsky, que adquiriu a empresa por um valor bastante abaixo do mercado (US$ 390 milhões), por meio de seu banco (Menatep Bank). Logo depois da aquisição, o valor de

mercado da empresa foi estimado em US$ 15 bilhões. Mikhail Khodorkovsky, até sua prisão, em 2003, era considerado o homem mais rico da Rússia. A história de Khodorkovsky demonstra a tentativa malograda de um indivíduo que, com base em seu grande poder econômico, buscou interferir na política estatal. Esse capítulo da história russa ecoa até hoje70 e mostrou a determinação de Putin de se livrar de qualquer potencial adversário político. Em que pese as acusações “oficiais” de evasão de divisas e de sonegação de impostos, o fator mais importante do caso Yukos permanece sendo a demonstração de poder e a determinação do governo Putin de eliminar todos os adversários políticos. Como pano de fundo, estava a tentativa da Yukos de desafiar projetos de petróleo do governo russo e de buscar atrair investidores estrangeiros para dentro da Rússia, o que foi considerado uma ameaça ao setor estratégico da economia russa71. Em suma, o episódio Yukos representou a vitória do projeto de reforço do poder do Executivo na Rússia, por meio de uma estratégia de eliminação de forças opositoras (MENDRAS, 2012).

Entre 2000 e 2007, o setor mostrou forte recuperação do nível de produção, o que levou a Rússia a ultrapassar a Arábia Saudita no ranking de maiores produtores. A produção de petróleo aumentou 80% entre 2000 e 2005 (ELLMAN, 2006, p. 109), o que gerou excedentes exportáveis, responsáveis por grande parte da renda externa russa. Em 2007, o setor gerou superávit comercial de US$ 140 bilhões. Já a produção de gás cresceu de 561 bilhões de metros cúbicos, em 1996, atingindo US$ 612 bilhões de metros cúbicos, em 2006. (SCHUTTE, 2011).

Para grandes produtores de commodities energéticas, como é o caso da Rússia, um dos maiores desafios é escapar da “doença holandesa”, ou seja, diminuir a dependência de matérias-primas esgotáveis e evitar que os fluxos de recursos do setor impactem na valorização da moeda, o que, por conseguinte, levaria à perda de dinamismo da economia doméstica. No caso da Rússia, em 2004 criou-se o Fundo de Estabilização, no qual seriam depositadas parte das receitas do setor petrolífero. Contudo, grande parte da receita de petróleo fica à disposição do governo, para investimento na modernização da economia.

70 Recentemente, em dezembro de 2013, Khodorkovsky obteve liberdade. Ver notícia em:

http://www.theguardian.com/world/2013/dec/20/mikhail-khodorkovsky-germany-prison-pardon-putin.

71

Segundo Goldman (2008, p. 112), em 2004, a empresa era a maior produtora de petróleo russo. A estratégia era entrar no mercado norte-americano e, para isso, lançou mão de um projeto para a construção de um oleoduto do Mar de Barentz para Murmansk, desafiando a empresa estatal Transneft, que tinha o monopólio dos oleodutos. Outro projeto previa a construção de um oleoduto da Sibéria para a China. Aparentemente, a gota d’água para Putin foi a negociação com a Exxon Mobil e a Chevron para a venda de parte da Yukos. Três semanas antes de Khodorkovsky ser preso, em outubro de 2003, a empresa assinou um memorando de intenções com a Exxon Mobil.

Nesse sentido, é clara a mensagem do presidente D. Medvedev72, em 2009, quando assinalou dois problemas da economia russa: a predominância das atividades extrativas e o atraso do sistema financeiro nacional. Isso indica a preocupação do governo com a necessidade de promover a irradiação das rendas extraordinárias do setor de energia para as outras áreas da economia (MEDEIROS, 2008).

Pode-se afirmar que a política de proteção das rendas do petróleo tem-se mostrado exitosa até o momento: os impostos foram rebaixados para os demais setores da economia, ao mesmo tempo em que foram garantidos, internamente, preços de energia mais baixos que os praticados no mercado internacional. Essas ações permitiram a redução dos juros e a criação de um ambiente favorável aos negócios. Dessa forma, as empresas puderam se capitalizar e o mercado interno reagiu, afastando o perigo da desindustrialização.

No setor de gás, o controle permaneceu nas mãos da Gazprom, que resultou do desmembramento do Ministério do Gás e teve à frente do ex-ministro, Viktor Chernomyrdin. A Gazprom não foi desmembrada, como ocorreria com o setor petrolífero, contudo, teve suas ações abertas na Bolsa. Inicialmente, o Estado russo controlava a totalidade das ações, mas, gradualmente, estas foram vendidas para investidores privados. No final dos anos 1990, embora o governo fosse o maior acionista, quase 62% das ações da empresa estavam em mãos de agentes privados (SCHUTTE, 2011).

Em linha com o objetivo de garantir o controle sobre setores estratégicos e eliminar concorrentes ao seu poder, Putin colocou um velho conhecido dos tempos de São Petersburgo, Dmitri Medvedev, que oito anos mais tarde viria a se tornar presidente, em um esquema de composição de poder com Vladimir Putin, o qual será analisado mais adiante. Sob Medvedev, o Estado aumentou sua participação para mais de 50% no controle da empresa.

Do exposto até aqui, fica clara a importância do setor energético para a Rússia, não somente na economia, mas também – e principalmente – na política. Nesse sentido, é importante ressaltar o encadeamento direto entre os números da economia petrolífera e o ambiente político nacional. A elevação rápida dos preços do petróleo, no pós-crise de 1998, levou o público a associar a figura de Putin à melhora dos índices econômicos, o que contribuiu para o aumento de sua popularidade e para a criação da imagem de governo forte, elemento-chave da política de Putin (SEGRILLO, 2011). Esse último aspecto será abordado a seguir, quando é analisada a composição das forças no jogo político doméstico.

72 Sua fala foi durante o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, em junho de 2009, que tratou do