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2 AS POLÍTICAS EXTERNAS BRASILEIRA E RUSSA FRENTE ÀS MUDANÇAS

2.1 A política internacional no pós-11 de setembro

2.1.1 A expansão da OTAN

Muito da posição russa com relação ao Ocidente pode ser entendido por meio da ação da OTAN (e de sua reação a esta). De Aliança Ocidental criada em 1949 para combater o avanço da União Soviética no mundo, hoje a OTAN foi transformada em um instrumento de ação militar do Ocidente no mundo. Sua justificativa passou a ser não mais o combate ao comunismo, e sim a segurança e estabilidade do continente europeu. A existência desse

34 Outro exemplo de limitação à transferência de tecnologia na história das relações entre os dois países foi o

caso da cooperação nuclear. No final da década de 1960, o Brasil contratou a empresa estadunidense Westinghouse para construir o reator nuclear de ANGRA 1 e, em 1972, as obras para a construção da usina foram iniciadas. Devidos a problemas no fornecimento do combustível, o qual os EUA se comprometeram a fornecer, o Brasil decidiu obter independência tecnológica nuclear buscando outros parceiros. Recorreu, então, à Inglaterra, à França e à Alemanha Ocidental. Estes foram os únicos que aceitaram fornecer ao Brasil a tecnologia nuclear com transferência de tecnologia.

mecanismo dos tempos da Guerra Fria suscita reiteradas críticas e protestos por parte da Rússia, que enxerga nele resquícios de uma mentalidade norte-americana de combate ao País. No pós-11 de setembro, quando George W. Bush lançou sua Guerra ao Terror (GaT), os americanos apoiaram-se nas forças da OTAN para desencadear seus ataques no Afeganistão. A operação da OTAN naquele País inaugurou um novo momento para a Organização, a partir do qual esta passou a se envolver em operações fora de sua área primordial de atuação (leia-se, o continente europeu). Esse evento anunciou uma mudança de foco, na medida em que a OTAN abandonou sua identificação com a defesa coletiva, para ampliar seu campo de atuação na área da segurança coletiva (KANET, LARIVÉ, 2012).

A atuação da OTAN no pós-11 de setembro serviu de apoio aos desígnios da potência norte-americana de buscar angariar aliados, cooptar ex-satélites soviéticos e, assim, ampliar sua esfera de influência no mundo, com base em uma estratégia de poder mundial. Essa mudança de atuação da Aliança Transatlântica não se processou à revelia dos demais países, e esteve no cerne das principais desavenças entre os EUA e a Rússia no pós-11 de setembro.36

As sucessivas ondas de expansão da OTAN puseram em alerta as autoridades russas, que sempre denunciaram o que consideravam ser o caráter anacrônico e ameaçador da Aliança. Apesar disso, a Aliança não cessou de incorporar novos membros. A primeira expansão se deu em 1999, quando foram incluídas a República Tcheca, a Hungria e a Polônia (BERRYMAN, 2012). Em 2002, durante a Conferência de Praga, foram convidados mais sete países – Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia –, os quais seriam admitidos dois anos mais tarde, representando uma expansão de 1.100 km da fronteira “ocidental” para o Leste. Em 2003, enquanto que os EUA estavam envolvidos no Iraque, a Rússia retirava suas tropas da Bósnia e de Kosovo, cedendo a região dos Bálcãs à esfera de influência do Ocidente. Em 2004, o avanço ocidental em áreas da antiga União Soviética se deu pelo alargamento da União Europeia, quando 10 países se juntaram à União37. Em 2008, na Conferência de Bucareste, concordou-se em incorporar a Croácia e a Albânia na Aliança. Na mesma ocasião, aventou-se a possibilidade de Geórgia e Ucrânia serem membros, mas as conversas não foram definitivas.

36 Ainda que Putin tenha buscado, por meio do combate ao terrorismo, uma maneira de colocar a Rússia mais

próxima ao Ocidente, e, também, para angariar apoio externo a sua guerra na Chechênia. As perspectivas desse raprocchement com o Ocidente logo desanuviaram-se, quando ficou claro para Moscou que a OTAN continuaria sua expansão em direção a sua zona de influência.

37 São eles: Malta, Chipre, República Tcheca, Estônia, Letônia, Hungria, Lituânia, Polônia, Eslováquia e

Nessas primeiras ondas de expansão, a Rússia pouco pôde fazer para coibir o avanço da zona de influência ocidental para a sua vizinhança. O Estado russo estava envolto em crises político-institucionais e econômicas, resultado de anos de disputas intra-partidárias que levaram à renúncia de Boris Yeltsin e à consequente ascensão de Vladimir Putin ao poder. Do lado da economia, o rublo ainda enfrentava as os sobressaltos da crise que atingiu o país em 1998.

Assim, somente depois de 2004, já no segundo governo de Putin, foi possível tomar uma posição mais forte em relação ao avanço ocidental. Contribuiu para isso o reforço do Estado russo, a partir de Putin, e a onda de valorização de commodities (petróleo e gás), que possibilitaram novas margens de ação. No centro das preocupações de Putin estava a disputa por vantagens geopolíticas, a determinação de resistir ao ciclo de Revoluções Coloridas38 que tomou a região do Leste Europeu nessa época e o bloqueio de qualquer tentativa de nova expansão da Aliança Ocidental (BERRYMAN, 2012).

Alguns especialistas russos (BERRYMAN, 2012; IVASHOV, 2007 apud KANET, 2010; KARAGANOV, 2007 apud KANET, 2010) afirmam que as tentativas de expansão da OTAN fazem parte de um novo “Grande Jogo”39

dos Estados Unidos na Eurásia, cujos objetivos são estabelecer sua influência na região do Mar Negro, Mar Cáspio e Ásia Central, criando uma faixa de bases militares dos EUA e da OTAN ao redor da Rússia. Outro objetivo, correlato, é o de garantir acesso a reservas estratégicas na região. Para atingir esses objetivos, os especialistas apontam que os EUA adotam não só estratégias militares, mas também buscam consolidar seu domínio pela via da promoção da democracia na região.

O governo russo sempre deixou claro que a área dos ex-satélites soviéticos ainda faz parte de sua zona de influência, não concordando com as sucessivas ondas de expansão do Ocidente em sua direção. Como resposta a essas incursões, Vladimir Putin anunciou a suspensão da participação russa no Tratado de Forças Convencionais da Europa, um acordo da época da Guerra Fria que limitava o uso de armamento pesado. Além disso, durante a Conferência de Segurança de Munique, em 2007, Putin desferiu um duro discurso contra os

38 As revoluções coloridas, em prol de ideias ocidentais como democracia e liberdade são vistas por Putin como

uma tentativa dos EUA de desestabilizar a região. Ocorreram na Geórgia (Revolução das Rosas), em 2003/4, e na Ucrânia, em 2004/5 (Revolução laranja).

39 A referência aqui é à disputa travada pelos impérios russo e britânico, no século XIX, pelo domínio da região

da Ásia Central. Segundo alguns analistas, este Grande Jogo teria sido reavivado na atualidade, agora entre Rússia e EUA. A esse respeito, ver notícia da Folha de S. Paulo, 12/04/2009, “Rússia reconquista espaço perdido na Ásia Central”, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1204200909.htm. Acesso em fevereiro de 2014.

avanços da política unilateral dos EUA, baseada em confrontação e em uma visão messiânica de liderança no mundo. De fato, o discurso em Munique é considerado divisor de águas na posição da Rússia frente aos Estados Unidos, anunciando uma ação mais firme em política externa, claramente em oposição ao unilateralismo norte-americano (MENDRAS, 2012, p. 260).

A Rússia vê com preocupação seu cercamento por aliados norte-americanos, o que atenta contra a ideia de formar um Estado forte. Percebe-se, assim, que as relações Rússia- OTAN, para não dizer Rússia-EUA, são, ainda, fortemente influenciadas por resquícios de políticas da Guerra Fria. Apesar de avanços em áreas como a redução de artefatos nucleares40, as desconfianças de um com relação ao outro permanecem vivas, e são alimentadas, de cada lado, por políticas de forte conteúdo realista.

Como exemplos do acirramento político entre EUA e Rússia, podem ser citados os casos do asilo ao ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês), Edward Snowden, além do envolvimento estadunidense (e da OTAN) na Ucrânia, após a queda do governo constitucional, em fevereiro de 2014.

A respeito de Snowden, cabe notar que o abrigo concedido pelos russos ao ex- funcionário da NSA que vazou documentos secretos do governo norte-americano contribuiu para a deterioração das relações bilaterais. Como resposta, Obama cancelou a viagem41 programada à Rússia, em setembro de 2013, para participar da reunião do G-20. Nos pronunciamentos a respeito do caso, Obama citou o retorno de uma lógica de desconfiança que lembrava os anos da Guerra Fria.

Pouco tempo depois desse caso, a irrupção do conflito na Ucrânia resultou em nova fase de tensões entre EUA e Rússia. Após a guerra na Geórgia (em 2008), Medvedev havia caracterizado a CEI como “zona de interesses privilegiados” da Rússia. A vitória rápida contra a Geórgia assinalou a disposição do Kremlin em evitar, a todo custo, a expansão da OTAN para países do espaço pós-soviético. Cinco anos mais tarde, na Ucrânia, essa lógica voltaria a ser reproduzida. De fato, as tensões no relacionamento com a Ucrânia são

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Os EUA e a Rússia anunciaram, em 2009, a assinatura de um novo Tratado de redução de armas estratégicas (New Strategic Arms Reduction Treaty, na singla em inglês). Estados Unidos e Rússia concordaram em reduzir seu arsenal de ogivas nucleares e lançadores em 25% e 50%, respectivamente, além de terem estabelecido um novo regime de inspeção. Retirado do sitio DOA estadunidense. Disponível em: http://www.state.gov/newstart/.

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Ver a notícia da Reuters, 07/08/2013, “Obama cancels meeting with Russia's Putin over Snowden decision”. Disponível em: http://www.reuters.com/article/2013/08/07/us-usa-security-obama-putin- idUSBRE9760O520130807.

recorrentes e estão relacionadas a questões econômicas (preço do gás russo vendido ao país), bem como geopolíticas, como se verá a seguir.

Em fevereiro 2010, Viktor Yanukovich sobe ao poder em Kiev, anunciando uma reaproximação com Moscou. Já em abril de 2010, Moscou concordou em oferecer desconto sobre o preço do gás natural destinado à Ucrânia - que totalizará, no período estipulado de dez anos, cerca de US$ 40 bilhões –, recebendo, em contrapartida, acordo para prorrogação da permanência de sua Esquadra do Mar Negro, em Sebastopol, na Criméia, por 25 anos (até 2042).

Em fins de 2013, o governo Yanukovich nega-se a assinar acordo de associação com a União Europeia, após sofrer grandes pressões de Moscou, que temia a gravitação de seu importante – e estratégico – aliado para a esfera Ocidental. Seguiu-se um período de forte instabilidade interna, com a sucessão de conflitos em um ambiente de guerra civil, a qual levou à queda do presidente e à instalação de um governo interino pró-Ocidente. Na região da Criméia, onde estão estacionadas as forças militares russas, um referendo organizado por separatistas levou à anexação da região à Rússia.

Mesmo que aqui não se pretenda analisar detidamente os dois casos, é importante notar a posição russa de crítica à ação dos países Ocidentais, notadamente EUA e UE, na desestabilização da Ucrânia42. Novamente aqui se faz presente a desconfiança com relação aos planos dos EUA na região, levando Moscou a adotar uma posição de rechaço total a qualquer tentativa de expansão do eixo ocidental para sua “zona de interesses privilegiados”. Como consequência da anexação da Criméia pelos russos, houve, novamente43, a interrupção do diálogo no âmbito do Conselho Rússia-OTAN, criado em 2002.

Embora não se busque aqui detalhar esses eventos, julga-se importante inseri-los no contexto mais amplo da política externa russa em direção à OTAN. Como se percebe, persistem, até hoje, grandes desconfianças oriundas dos tempos da guerra Fria. A Rússia adota discurso de crítica à existência de uma Aliança Ocidental, cujos objetivos permanecem vinculados aos tempos do conflito bipolar, e, por esse motivo, trata de dialogar com a OTAN

42 Segundo Dmitri Trenin, os EUA e a UE teriam sido instrumentais na eclosão do conflito na Ucrânia, apoiando

grupos da oposição – mesmo de extrema-direita – e sendo coniventes com uma troca de regime que foi flagrantemente inconstitucional. Ver mais em: http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/mar/02/crimea- crisis-russia-ukraine-cold-war. Acesso em março de 2014.

no âmbito do Conselho, exercendo, sempre, esforço crítico no sentido de alterar a política e os fundamentos daquela Organização.

Em ambos os casos mais recentes – Snowden e Ucrânia – o Brasil adotou posições semelhantes às da Rússia. Segundo Costa Vaz (2014), a atuação extraterritorial da OTAN e a perspectiva de projeção no Atlântico Sul despertam preocupação nos meios políticos e militares brasileiros44, o que aponta, de igual modo, para uma restrição nas possibilidades de cooperação com os EUA no campo da defesa. Além disso, cabe mencionar a crítica brasileira à atuação dos EUA e da OTAN na Líbia, em que essa Aliança teve carte blanche para intervir no país, numa decisão do Conselho de Segurança que expôs as divisões em torno da aplicação do conceito de Responsabilidade de Proteger (R2P).

No caso Snowden, as denúncias de espionagem de autoridades brasileiras, inclusive da Presidente, abalaram a confiança entre Brasil e EUA. O episódio gerou mal estar nos meios diplomáticos e políticos brasileiros, e teve como consequência o cancelamento da visita de Estado da Presidente Dilma Rousseff aos EUA45, programada para outubro de 2013. Costa Vaz (2014, p. 17) argumenta que esses eventos constituem grandes fatores de risco para o aprofundamento da cooperação entre Brasil e EUA na área de segurança.

Como se percebe, a ação dos EUA e da Aliança Ocidental (OTAN) por eles capitaneada são percebidos com desconfianças, em maior ou menor grau, tanto pelos russos, quanto pelos brasileiros. Verifica-se, assim, relativa convergência de posições entre esses dois países, o que tende a favorecer a cooperação, principalmente em assuntos sensíveis, como as áreas militar e espacial.