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2 AS POLÍTICAS EXTERNAS BRASILEIRA E RUSSA FRENTE ÀS MUDANÇAS

3.9 Considerações parciais

Do que foi visto até aqui, percebe-se um aumento progressivo das relações bilaterais entre Brasil e Rússia nos últimos anos. A fase inicial de desinteresse e desconhecimento mútuo foi substituída, progressivamente, por uma agenda de cooperação mais ambiciosa, a qual, todavia, nem sempre se traduziu em resultados concretos. Assim, o que se percebe é certo paradoxo entre a valorização de um relacionamento bilateral considerado “estratégico”, mas que apresenta baixo grau de implementação de seus objetivos, e uma interação mais forte e mais convergente no plano multilateral, como se percebe na defesa de posições comuns em foros como G-20 e BRICS. No âmbito multilateral, Brasil e Rússia lograram resultados importantes, que aproximam seus interesses e suas visões de mundo, tal como ficou evidente na defesa da reforma dos mecanismos de governança financeira (FMI e Banco Mundial).

Diante desse quadro, deve-se pôr em questão a real funcionalidade da Parceria Estratégica, visto que esta não tem apresentado os resultados esperados, seja para a Rússia – melhora qualitativa da pauta do comércio exterior e diminuição de seu déficit; venda de armamentos; cooperação nuclear – , seja para o Brasil, que não tem conseguido extrair dividendos, tais como transferência de tecnologia e ampliação dos investimentos russos no país.

Em muitos momentos, fica evidente que aproximação no plano multilateral se descola da relativa paralisia da agenda bilateral, colhendo mais resultados. Na arena política, ambos os países propugnam uma ordem mundial mais democrática, que faça jus à nova geografia de

poder mundial; além disso, a Rússia concedeu seu apoio à aspiração brasileira por um assento permanente no CSONU; ainda, adotou-se posição comum no tratamento do dossiê iraniano, do conflito na Síria, na situação da Líbia, do Afeganistão, bem como no recente repúdio às ações de espionagem norte-americanas181. Na arena econômica, a união dos BRICS em torno da reforma dos organismos de Bretton Woods foi decisiva para que se avançasse nas negociações; também adotou-se posição comum a respeito de temas de estabilidade fiscal e repúdio ao protecionismo.

Essas constatações apontam para um quadro de relativa desconexão entre o plano da Parceria Estratégica bilateral e o âmbito da concertação multilateral. Fica patente que os interesses de ambos os países se fizeram pronunciar de maneira mais forte neste do que naquele.

Apesar dessas constatações, é possível que os desenvolvimentos mais recentes nas áreas espacial e de defesa apontem para novos rumos da cooperação bilateral, o que seria exemplo de como as convergências no plano multilateral podem impactar positivamente o andamento da Parceria. Como parte desse cenário mais recente, cabe também avaliar o impacto dos acontecimentos no plano internacional. Um fator importante no estudo do período mais recente (2008 a 2013) foi o acirramento das tensões entre EUA e Rússia, principalmente a partir do conflito na Geórgia, em agosto de 2008 e, mais recentemente, no caso da Ucrânia. O Brasil absteve-se na votação da ONU que condenou a anexação da Criméia pelos russos182, o que reafirmou o comprometimento do Brasil e não criar arestas no relacionamento com a Rússia.

No caso do Brasil, percebe-se uma clara ênfase nas relações com a Rússia a partir de 2008, como foi visto ao longo das seções anteriores. Não somente estreitaram-se os contatos entre os países em um maior número de temas, como foi a partir daí que se deu o salto para a concretização da Parceria em áreas que, até então, não mostravam definição ou rumos certos.

181 Diversos documentos evidenciam essa afirmação, dentre os quais, pode-se citar: Declaração Conjunta sobre

os resultados das conversações oficiais entre o Presidente da

República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o Presidente da Federação da Rússia,

Vladimir V. Putin. Moscou, 18/10/2005. Disponível em: http://dai

mre.serpro.gov.br/atosinternacionais/bilaterais/2005/b_182. Acesso em março de 2014; Declaração conjunta por ocasião da IV CAN, em abril de 2006. Ver Telegrama 159, EXTERIORES para BRASEMB Moscou. 06/04/2006; Declaração Conjunta da Visita Oficial à República Federativa do Brasil do Presidente da Federação da Rússia, Dmitry Medvedev. Rio de Janeiro, 24 a 26 de novembro de 2008. Disponível em: http://dai- mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2008/b_270. Acesso em março de 2014.

182 Ver notícia publicada na Folha online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/162626-

No próximo capítulo essas áreas de maior densidade de cooperação são estudadas detidamente, com o objetivo de fornecer ao leitor os principais fundamentos dos eixos principais da Parceria Estratégica.

4 COOPERAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA E EM DEFESA

No capítulo anterior, tratou-se de apresentar as principais ações levadas a cabo por Brasil e Rússia no desenvolvimento de sua parceria estratégica. Como se viu, as iniciativas propostas em diversas áreas, tais como comércio e energia, tiveram pouca ressonância até fins de 2013. Se é possível afirmar que há baixa implementação das ações em áreas como comércio, saúde, energia e agricultura, o mesmo não se pode dizer da parceria nas áreas espacial e de defesa, as quais optou-se por tratar de forma separada, e em capítulo à parte, por se acreditar que nelas reside o aspecto estratégico do relacionamento bilateral. Com efeito, partindo-se da ideia de que o relacionamento inter-estatal se efetiva a partir de uma aproximação, durante a qual são identificadas afinidades e interseções de interesses, pode-se afirmar que, no caso da Parceria Brasil-Rússia, o adensamento dos contatos e trocas entre os países desde a assinatura da Parceria, em 2002, facultou o reconhecimento de interseções de objetivos e interesses comuns, os quais irradiaram para as áreas de C&T e Defesa. A seguir, serão tratados de maneira detida os caminhos percorridos pelos dois países nessas duas áreas.

Na presente análise, além de se recorrer a telegramas, também foram de grande importância as conversas mantidas com o senhor José Montserrat, diretor da Agência Espacial Brasileira; com o senhor Aleksander Baulin, Conselheiro da Embaixada da Rússia no Brasil; e com a senhora Cristiane Lemos Fallet, Chefe do setor de Defesa, Desarmamento e Não Proliferação da Embaixada do Brasil em Moscou.

De maneira geral, constata-se que a cooperação em ciência e tecnologia (C&T) teve, no campo espacial, sua maior prova de concretização para as relações bilaterais. Não obstante a timidez inicial dos contatos nessa área, ao longo dos anos a cooperação espacial evoluiu para constituir um dos principais marcos da Parceria entre Brasil e Rússia. Antes de analisar a cooperação per se, é importante fazer uma rápida apresentação do programa espacial brasileiro e sua relação com o programa espacial russo.