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A transferência de tecnologia

2 AS POLÍTICAS EXTERNAS BRASILEIRA E RUSSA FRENTE ÀS MUDANÇAS

4.1. O setor espacial

4.1.2 O cerceamento tecnológico e o MTCR

4.1.2.1 A transferência de tecnologia

Por seu nível de complexidade e exigência de recursos sem contrapartida garantida no

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EUA tentaram impedir programa brasileiro de foguetes, revela Wikileaks. O Globo, 25/01/2011. Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/eua-tentaram-impedir-programa-brasileiro-defoguetes- revela-wikileaks-2832869.

curto prazo, a área espacial tem sido, historicamente, ligada às capacidades estatais e, portanto, dependente de recursos públicos. O investimento necessário para o seu desenvolvimento coloca aos Estados três caminhos possíveis: 1) o desenvolvimento autônomo, com uma demanda grande de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D); 2) o desenvolvimento em conjunto com outros países, pela via da cooperação; ou, então, 3) uma posição de dependência das tecnologias de outros Estados, pela via da compra de produtos e serviços, ou então, pela submissão às condições de cessão de tecnologia por parte desses Estados.

No caso do Brasil, recorreu-se às opções 2 e 3, devido à falta de recursos para desenvolver o caminho autônomo. Interessa ao País buscar parceiros para desenvolver seu programa espacial por meio de cooperação, mas também foram feitas aquisições de materiais da indústrias espacial para suprir necessidades imediatas.

Para o Brasil, o desenvolvimento de tecnologia para o domínio do espaço é ponto crucial para garantir sua soberania sobre o território, sobre as fronteiras, o espaço aéreo e os recursos localizados no mar territorial e na zona econômica exclusiva. Segundo Samuel Pinheiro Guimarães (2011), o atual sistema brasileiro de comunicações vale-se de informações de satélites controlados por grupos estrangeiros, o que constitui risco para as atividades civis e militares. Assim, nas relações internacionais do Brasil, buscam-se parceiros que se mostrem interessados em apoiar o desenvolvimento brasileiro, por meio da transferência de tecnologia.

Para os países detentores, surge então um dilema: em vista dos altos recursos investidos, da necessidade de se obter recursos para manter esses investimentos e, mais importante, em vista das questões estratégicas envolvidas no diferencial de poder dessas tecnologias, o que deve se feito? Deve o País ele limitar o acesso, cooperar com parceiros estratégicos ou simplesmente vender as tecnologias?

Aqueles que se negam a vendê-las deixam de obter retorno de seus investimentos públicos. Além disso, os mercados dos países não-detentores são extremamente atrativos para esse grupo de países. Ademais, há autores que afirmam que a negação de venda ou de transferência de tecnologia de defesa para aliados potencialmente confiáveis gera pouco a ganhar e muito a perder, em vista da crescente globalização, em que as ações de obstrução e cerceamento tornam-se cada vez mais difíceis (FARKAS, 2007; BONOMO, 1998).

Outro ponto importante a mencionar diz respeito à forma como se efetiva a transferência de tecnologia. De modo geral, pode-se afirmar que esta só ocorre quando o receptor absorve o conjunto dos conhecimentos embutidos na tecnologia e passa, assim, a

dominá-la, podendo, inclusive, realizar inovações. Para Longo (2009),

um contrato bem negociado, associado à disposição do detentor da tecnologia em efetivamente cedê-la, pode resultar em verdadeira transferência. Como a tecnologia tem no homem o seu único recipiente, a efetiva transferência se dá por um processo de pergunta, por quem não sabe, e resposta de quem sabe, até a total compreensão por parte de quem perguntou.

Em outras palavras, para que se efetive a transferência, é necessário que haja tanto disposição do detentor em transferir, quanto capacidades e recursos humanos aptos a absorver o conhecimento. Desta forma, à medida em que o receptor absorve os conhecimento, este se torna apto a modificar a tecnologia, podendo, inclusive, adaptá-la às condições locais e podendo gerar novos artefatos para subsequente comercialização. Assim, pode-se resumir as etapas da transferência de tecnologia em absorção, adaptação, aperfeiçoamento, inovação e difusão. Esse seria o caminho oficial, por assim dizer, da transferência de tecnologia. Contudo, na prática internacional, há exemplos de outras formas de obtenção de tecnologias, tais como a engenharia reversa e a cópia.

Por fim, cabe mencionar a transferência de tecnologia via parcerias estratégicas entre os países. Nesse caso, estabelece-se cooperação de alta confiança entre os parceiros, compartilhando custos e riscos dos projetos e envolvendo a comunidade científica de ambos os países.

Via de regra, na parceria, as vontades dos parceiros concorrem para a promoção da transferência de tecnologia, seja por meio de projetos conjuntos, seja por meio da venda de produtos. Existem diversos exemplos de parcerias do Brasil com outros países na área espacial: com a Alemanha, há o projeto do Satélite de Reentrada (Sara) e do Veículo Lançador de Microssatélites (VLM); com a Argentina, há o programa SABIAMAR, o qual vem acumulando atrasos em grande medida decorrentes da falta de investimentos dos países; há, também, a parceria com a Ucrânia, para o uso da base de lançamento de Alcântara por uma empresa binacional, a Alcântara Cyclone Space188, com sede em Brasília, a qual se dedica ao lançamento de foguetes ucranianos a partir do CLA. Segundo Amaral (2011b), , o governo brasileiro investiu, de 2007 a 2011, apenas R$ 218 milhões. É importante destacar

188 A Ucrânia domina a tecnologia de mísseis, herança da época soviética, mas não conta com um centro de

lançamento próprio; tampouco a Ucrânia dispõe de grandes somas de recursos para investir em seu programa espacial, motivo pelo qual busca parceiros. A Alcantara Cyclone Space (ACS) instalou sua sede em 2007, em Brasília.

que o Cyclone-4 é maior que o VLS (projeto em cooperação com a Rússia) e pode colocar em órbita baixa cargas mais pesadas que o VLS atual. Este projeto, contudo, está atrasado, com previsão para ser lançado em 2014. A crise institucional da Ucrânia, em fins de 2013, representou novos atrasos ao projeto, o qual carece de investimentos. Em entrevista concedida a este autor, o Conselheiro da Embaixada russa, Alexander Baulin, chegou a cogitar maior participação russa no projeto, em vista das dificuldades financeiras ucranianas.

Com a França, o projeto do Microssatélite binacional, iniciado em 1997, sofreu sucessivos atrasos causados por falta de financiamento e de recursos humanos suficientes, levando a França a denunciar o acordo em 2002. Por fim, há, também, o projeto do Veículo Lançador de Satélites (VLS), que contou com a consultoria russa e será analisado a seguir.

Com os EUA, as relações na área espacial tem sido complicadas, sobretudo em decorrência das ações de obstrução ao domínio do Brasil da tecnologia de lançadores. De fato, conforme apontado por Henriques da Silva (2005) em artigo na revista Space Policy, em 1997, a convite do governo Clinton, o Brasil foi o único país em desenvolvimento de uma longa lista de potências espaciais a contribuir com tecnologia para a Estação Espacial Internacional (EEI). Contudo, o convite norte-americano envolvia barganhas e trocas, o que o autor considera que constituiu um “complô “da administração Clinton com o intento de moldar o Programa Espacial Brasileiro e favorecer os interesses norte-americanos.

As ações obstrutivas estadunidenses ao Programa Espacial Brasileiro não se resumem às negociações diretas com os EUA. De fato, os EUA vêm criando dificuldades à transferência de tecnologia dos parceiros brasileiros, como China, Rússia e Ucrânia. No que se refere à China, reportagem da Folha de São Paulo denuncia:

Os Estados Unidos têm imposto restrições ao programa de satélites que o Brasil mantém com a China. Empresas nacionais que fabricam peças para as naves CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres na sigla em inglês) 3 e 4 têm tido dificuldade para importar peças dos EUA. E, segundo a Folha apurou, representantes do governo americano disseram a diretores do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que não gostariam que o satélite Amazônia-1, de produção 100% nacional fosse lançado em 2010 de um foguete chinês189.

Na cooperação do Brasil com a Ucrânia, os norte-americanos vetaram a participação da empresa italiana Fiat Avio no desenvolvimento do Cyclone-4. Segundo Amaral (2011b), os “EUA, que não permitiriam o lançamento, a partir do território brasileiro, de satélites

189 Folha de São Paulo. “EUA barram satélite do Brasil com a China”. 22/10/2007. Disponível em:

estadunidenses, ou que contivessem componentes daquele país”. O mesmo aconteceu com a empresa norte-americana White Martins, que foi vetada de vender terróxido de nitrogênio, um dos componentes para a propulsão líquida do Cyclone-4, para o consórcio ucraniano- brasileiro.

Assim, o que se percebe é que os EUA praticam uma verdadeira guerra obstrucionista contra os interesses brasileiros de adquirir autonomia na construção de seu programa espacial.