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2.1 A filosofia transcendental como crítica à metafísica especulativa

2.1.5 A crítica à metafísica: as ideias da razão pura

Langton em seu livro de 1998, intitulado Kantian Humility (LANGTON, Rae. Kantian Humility. Oxford: Oxford University Press. 1998).

158

ALLISON, 2004, p. 47. Nossa livre tradução. “Otherwise expressed, Kantian dualism is normativ rather than

ontological”.

159 ALLISON, 2004, p. 48. Colchetes acrescentados. Minha livre tradução. “Admittedly, Kant does speak on occasion, particularly in Groundwork III and the Critique of practical reason, of the Idea of freedom or the consciousness of the moral Law as giving us na entrée to na intelligible world or higher order of clear from the context that the superiority of the former to the latter is to be constued in axiological rather than ontological terms”.

“Juízos” representam um dos conceitos mais fundamentais da filosofia de Kant. É mediante eles que o entendimento conhece os conceitos, já que essa faculdade não é uma faculdade de intuição. Dessa forma, afirma o autor, “o conhecimento de todo o entendimento, pelo menos do entendimento humano, é um conhecimento por conceitos, que não é intuitivo, mas discursivo160”. Assim, o entendimento se apropria dos conceitos e os utiliza por meio dos juízos. Os conceitos são as vias encontradas pelo entendimento para se referir aos objetos. Ainda assim, os conceitos não se referem imediatamente aos objetos, mas às representações dos mesmos já que, conforme mencionado, somente a intuição tem acesso imediato aos objetos. Por isso, assevera o autor a respeito do juízo:

O juízo é, pois, o conhecimento mediato de um objeto, portanto a representação de uma representação desse objeto. Em cada juízo há um conceito válido para diversos conceitos e que, nesta pluralidade, compreende também uma dada representação, referindo-se esta última imediatamente ao objeto161.

O juízo forma uma das três faculdades de conhecimento superiores, a saber, a faculdade de julgar (Urteilskraft), juntamente da sensibilidade, do entendimento e da razão. Ademais, a faculdade de julgar é “um termo médio entre o entendimento e a razão162”. Sendo

assim, Kant define na KrV a faculdade de julgar como “[...] a capacidade de subsumir [subsumiren] a regras [do entendimento], i. é, de discernir se algo se encontra subordinado a dada regra ou não (casus datae legis)163”. A faculdade de julgar não pode ser adquirida pela instrução, mas apenas através de sua atividade, a de formular juízos164. Todas as três Críticas dedicam-se a analise dos diferentes tipos de aplicação dos juízos. A Crítica da razão pura dedica-se ao uso teórico (epistêmico) dos juízos, a Crítica da razão prática (1788) a seu uso prático-moral e, por fim, a Crítica da faculdade de julgar concentra-se nos usos estético e teleológico dos juízos.

Como é amplamente conhecido, uma das maneiras de resumir os objetivos de Kant em sua Crítica da razão pura é relembrar a seguinte pergunta por ele formulada que representa “o verdadeiro problema da razão pura165”: como são possíveis juízos sintéticos a priori na

160

KANT, KrV, B 93.

161 KANT, KrV, B 93. 162

CAYGILL, 2000, p. 206. Verbete “Poder e faculdade do juízo”.

163

KANT, KrV, B 171.

164 KANT, KrV, B 172. 165 KANT, KrV, B 19.

metafísica? Antes de sabermos como ele responde essa pergunta, faz-se necessário entender o que são juízos sintéticos a priori.

Um juízo pode ser analítico ou sintético. Os do primeiro tipo possuem predicados que não ampliam em nada o sujeito, mas apenas o explicam, podendo, por isso, ser considerados juízos explicativos; por outro lado, os segundos o fazem, i. é, “[...] acrescentam ao conceito de sujeito um predicado que nele não estava pensado e dele não podia ser extraído por qualquer decomposição166”. Segundo Kant, ambos os tipos de juízos dividem-se em duas formas: a

priori e a posteriori. No que diz respeito aos juízos sintéticos, mais importantes para os

propósitos da Crítica, são a posteriori aqueles cujo predicado amplia a extensão do sujeito através da experiência e a priori aqueles que ampliam a extensão do sujeito sem a necessidade da experiência. É sobre esses últimos que repousa a maior dificuldade, pois, falta essa ajuda da experiência, como atesta o exemplo do próprio Kant na passagem a seguir, sobre a proposição “Tudo o que acontece tem uma causa”: “Como posso chegar a dizer daquilo que acontece em geral algo completamente distinto e reconhecer que o conceito de causa, embora não contido no conceito do que acontece, todavia lhe pertence e até necessariamente?167”. Portanto, como afirma Kant: “A salvação ou a ruína da metafísica assenta na solução deste

problema [sobre a possibilidade de juízos sintéticos a priori na metafísica] ou numa

demonstração satisfatória de que não há realmente possibilidade de resolver o que ela pretende ver esclarecido168”

A resposta à pergunta sobre a possibilidade de juízos sintéticos a priori, elaborada na “Dialética transcendental”, é de que tais juízos em metafísica não são possíveis. Por isso, naquela parte da “Lógica transcendental”, o autor se ocupa com as disciplinas centrais da metafísica tradicional de seu tempo para as quais sua resposta negativa está direcionada: psicologia racional, cosmologia racional e teologia racional.

Conforme já mencionado, na “Estética transcendental” e na primeira parte da “Lógica transcendental”, a “Analítica”, Kant rejeita as pretensões da metafísica em conhecer objetos situados para além das possibilidades cognitivas humanas. Até ali, sua crítica concentrou-se numa parte específica daquela metafísica, a saber, a ontologia ou metaphysica generalis.

A analítica transcendental alcançou, pois, o importante resultado de mostrar que o entendimento nunca pode a priori conceder mais que a antecipação da forma de uma experiência possível em geral e que, não podendo ser objeto da experiência o que não é fenômeno, o entendimento nunca pode ultrapassar os limites da sensibilidade,

166

KANT, KrV, B 11.

167 KANT, KrV, B 13.

no interior dos quais unicamente nos podem ser dados objetos. As suas proposições fundamentais são apenas de ontologia, que se arroga a pretensão de oferecer, em doutrina sistemática, conhecimentos sintéticos a priori das coisas em si (por ex. o princípio da causalidade) tem de ser substituído pela mais modesta denominação de simples analítica do entendimento puro169.

Já na segunda parte da “Lógica transcendental”, a “Dialética transcendental”, foco desta seção, a preocupação do autor é demonstrar em que medida a outra parte daquela metafísica tradicional, a metaphysica specialis, também é incapaz de oferecer respostas positivas às pretensões cognitivas de suas disciplinas cardinais citadas acima. Segundo ele, é o erro de assumir como possível o conhecimento de objetos que transcendem nossas possibilidades, como Deus, alma e liberdade, que nos conduz a ilusões de contornos notoriamente realistas transcendentais. Dito com outras palavras, é por assumir meros fenômenos como se fossem coisas em si mesmas (noumena), ou ainda, por tomar o condicionado como se fosse incondicionado, que a razão é levada a cair em equívocos. O erro decorre de tentarmos aplicar conceitos e princípios do entendimento puro à sensibilidade, os quais, contudo, não possuem qualquer correspondência na experiência. Para solucionar os equívocos nos quais a razão redunda, como já argumentado na seção 2.1.4 desse trabalho, faz- se necessário estabelecer uma doutrina do idealismo transcendental que edifique uma verdadeira crítica da razão pura. Como torna-se evidente ao longo da “Dialética”, é pela via argumentativa do idealismo transcendental que Kant responde as pretensões da razão em conhecer objetos situados fora dos limites cognitivos humanos.