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29 A crônica adquiriu, a partir de meados do século passado, um nível de

No documento Revista do IHGRN - 2015 (páginas 122-125)

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29 A crônica adquiriu, a partir de meados do século passado, um nível de

excelência linguística que a fez extrapolar limites e cair no gosto da grande maioria dos leitores. No Rio Grande do Norte, convergiu para isso a produção de uma plêiade de jornalistas e escritores que aliavam ao conhecimento da grande literatura à sensibilidade para captar o registro do cotidiano e reproduzi-lo em textos ricos de lirismo, introspecção e humor. Entre eles estão Newton Navarro, Berilo Wanderley e Dorian Jorge Freire.

Uma das características do gênero crônica é a subjetividade que transparece das histórias e enriquece seus leitores. Entre muitos autores atuantes na crônica potiguar nas décadas de 1980 e 1990, destaca-se também o escritor Valério desquita, pelo alcance das impressões manifestadas no texto. Ao valorizar justamente alguns aspectos da vida, do seu chão de origem, e nos fazer refletir sobre os novos sentidos deles, Valério Mesquita confirma a relevância da crônica em sua prosa.

A capacidade de Valério nesse sentido, decorre de uma forma particular de ver e sentir o mundo. A emoção que seus textos nos provoca vem de um Meritor que tanto se comove com o que há de belo na vida, quanto se indigna com as injustiças sociais, dentre outros fatores, ao mesmo tempo em que exalta os encantos da sua cidade de nascimento, Macaíba.

Uma de suas mais enaltecidas características é o dom de revelar o grande significado de fatos na aparência irrelevantes. O movimento da feira, um banho de rio, um passeio pelo centro da cidade, um debate político, ou o perfil de um cidadão simples da cidade, são capazes de deflagrar nele o impulso criador, num desejo de relatar algo com lirismo. Existe nas suas crônicas um sentimentalismo que chega até a poeticidade, talvez, influência, da ligação com sua origem, na cidade de Macaíba. Os amigos, os contatos do dia a dia, a vida política, persistem ia prosa do escritor. E o leitor mergulha nesse universo particular, e encontra, então, um jogo memorialístico belo e rico de detalhes. 29

29 Thiago Gonzaga é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Atualmente, é o editor da Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras.

A crônica, todos sabemos, geralmente encontra-se nas páginas dos jornais e revistas, quase sempre voltada para os acontecimentos do cotidiano. No cenário potiguar, distingue-se Valério Mesquita, com seu estilo singular e cativante. Desse modo, considerando-se a crônica, nas categorias poética e lírica.

Tal modalidade - vale salientar - foi muito valorizada, certa época, mas, ultimamente, tem perdido espaço nos jornais. Entretanto, Valério, apresenta, em cada novo livro, nessa vertente, uma nova maneira de escrevê-la. Ao modelo antigo, o autor insere doses de humor, sarcasmo, uso recorrente de figuras dc linguagem e críticas ferrenhas à sociedade moderna. Sua linguagem ora é intensa e eloquente, ora desleixada, debochada, utilizando termos do linguajar coloquial. Uma narrativa textual que vira marca registrada do autor. Portanto, a sua escrita não apenas inova, mas, é, também, uma forma de reflexão, um grito pelo despertamento de setores da sociedade.

Sabemos que a escrita náo é algo estático, pode-se, perfeitamente, reinventar o gênero crônica. No dizer de Bakhtin, “os gêneros discursivos são tipos relativamente estáveis de enunciados”, isto é, evoluem, assumem novas formas de adaptação. O processo encontrado por Valério Mesquita, em suas crônicas, consistiu em manter a essência poética, todavia sem distanciá-las dos conflitos gerados pela sociedade moderna, adaptando-as à realidade dos fatos cotidianos. Enfim, ficou perceptível a nova roupagem desse tipo de crônica, em solo potiguar, pela criatividade de Mesquita.

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O Padre Mota foi uma das figuras mais emblemáticas da história de Mossoró e, por decorrência, do Rio Grande do Norte. Emblemático, tendo em vista suas várias qualidades: determinação, seriedade, honradez, humildade, probidade, coragem, obediência e grande senso de humor. Determinação, quando resolveu ser padre e se ordenar pelo Colégio Pio Latino-Americano de Roma; para isso aprendeu Latim em somente dois meses. Determinação, ainda, quando tomou a peito a fundação da Diocese de Mossoró. Honradez, por não aceitar o convite do interventor do Estado para continuar à frente da Prefeitura de sua cidade, quando seu mandato, conquistado nas eleições de 1936, foi cassado pelo Estado hlovo. Humildade, quando aceitou continuar prefeito, a pedido de seus amigos e do então Bispo de Mossoró, Dom Jaime de Barros Câmara. Probidade, porque sempre soube defender os bens públicos sem deixar manchar, macular ou infamar as suas mãos com o dinheiro do povo. Coragem, ao enfrentar as hordas de Lampião, participando de uma das trincheiras montadas para defender a cidade. Obediência, por renunciar ao cargo de Prefeito, atendendo a um pedido do seu hispo. Senso de humor, porque sabia que Deus não é triste.

Entretanto, a história dessa grande figura humana, desse grande filho de Mossoró, tem sido negligenciada. Poucas, muito poucas mesmo, têm sido as homenagens que sua terra fez em sua memória. Nenhuma delas - o nome de unaa via pública sem destaque ou uma escola pública sem nenhuma ligação com 1 sua biografia - reflete a grandeza e a importância que esse homem teve para a instrução da identidade mossoroense. A verdade é que até conspurcaram sua hiernória. O belo espetáculo público Chuva de bala no país de Mossoró tem uma

lancha: transformou o Padre Mota em uma figura caricata, grosseira, desbocada e até pornográfica. O Padre corajoso que, de arma em punho, defendeu os hiossoroenses é apresentado como um personagem picaresco, burlesco, cômico e ridículo. E isso tudo pago com o dinheiro da Prefeitura de Mossoró, Prefeitura SUc Luiz Ferreira Cunha da Mota comandou por nove anos, dois meses e

dezessete dias, cuidando para que esse mesmo dinheiro público fosse gasto com inteira e total probidade.

Recordo-me de que foi com ele que aprendi as sutilezas da poesia. Deveria andar pela casa dos nove ou dez anos, quando, mexendo e remexendo nos livros de sua biblioteca, li as primeiras poesias. O contato causou-me espanto. Afinal, que linguagem era aquela, cheia de rodeios, usando palavras incomuns e complicadas, com uma sonoridade e um ritmo diferentes? Umas falavam sobre o amor e coisas belas; outras sobre a dor e o desespero e, outras mais, sobre fatos e feitos gloriosos. M arília de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga, Eu e outras poesias, de Augusto dos Anjos, e os Lusíadas, de Luís de Camões, abriram para

mim as portas desse mundo misterioso e envolvente que é a literatura. Foi o Padre Mota quem me explicou a estranheza e a maravilha daquela forma peculiar de escrever; quem chamou a minha atenção para o fato de que somente há poesia, se houver emoções e não apenas fatos, ações e pessoas como objeto da escrita. $ fechar os olhos, ainda serei capaz de ver aquele homem gordo, sentado em sua cadeira de balanço, fumando seu charuto, suando as bicas e ensinando-me o que é poesia. Mostrou-me os clássicos, alguns poetas brasileiros, franceses e ingleses, os estilos barroco, romântico e moderno. Mas não se esqueceu de me chamar à atenção para a poesia popular, a dos cantadores de cordéis.

Já adulto e secretário da Prefeitura - na gestão de Raimundo Soares de Souza - muitas vezes levei, a pedido do prefeito, esboços de projetos de Lei, de Decretos ou de planos administrativos para que o Padre Mota, com a sua longa experiência, desse a sua opinião sobre aqueles assuntos de uma administração que não era sua, mas de um dos seus grandes amigos. Doente, com a vista fraca e um olho atacado pelo glaucoma, o Padre Mota, usando uma forte lupa, lia tudo e fazia suas sugestões com letras pouco estáveis, já indicando o seu frágil estado de saúde.

No documento Revista do IHGRN - 2015 (páginas 122-125)