• Nenhum resultado encontrado

rteí-iOH "Patziofa Um amálgama de lirismo uniu vida e poesia em Luís Carlos Guimarães,

No documento Revista do IHGRN - 2015 (páginas 72-76)

obrigando a que o poeta se desdobrasse em cronista, contista, epistológrafo, prosador enfim, de modo a poder dar conta dessa pulsão que excedia os limites de sua poesia.

Foi assim que o poeta começou ainda muito jovem a publicar artigos nos jornais da cidade, a pretexto de tudo que chamava sua atenção, falava à sua sensibilidade, motivava sua imaginação irrequieta. Mas se a cidade lhe inspirava poemas, sua prosa deixou-se contaminar pelo fator humano. Eram os amigos um dos temas mais queridos na conversa solta de Luís Carlos. E quando a esse amigo associava uma qualidade, um talento, uma idiossincrasia que o distinguisse, inevitavelmente sairia dessa admiração uma peça da melhor prosa de sua geração.

A prova dos noves é o livro “Natal, Tempo de uma Cidade Feliz" (Natal: 8 Editora, 2015), que tivemos o privilégio de ajudar a editar juntamente com Leda Guimarães, viúva do poeta, com base num trabalho de recolha iniciado por seu filho Ricardo Luís Lins Guimarães, impedido, nesse processo, por uma morte prematura. Assinamos também uma apresentação da obra, a qual contém ainda um “À guisa de prefácio”, de Ricardo Guimarães, além de um prefácio deTiciano Duarte - seguramente, um dos seus últimos textos, haja vista sua morte recente.

A edição de “Natal, tempo de uma cidade feliz” encerra um ciclo de obras póstumas tanto em poesia quanto em prosa de Luís Carlos Guimarães, iniciado com o livro “Pois é a Poesia” (Natal: FJA, 2002), seguido de “O Funil” (Recife: Bagaço, 2002), “Duas Borboletas ao Entardecer” (contos de Luís Carlos Guimarães e de Ricardo Luís Lins Guimarães) (São Paulo: Brascard, 2009). Nesse ínterim, também editamos uma segunda edição do livro “113 Traições Bem-Intencionadas” (Natal: Editora da UFRN, 2007), que revela a faceta de tradutor do poeta na idade madura e, quatro anos depois, a antologia poética que o próprio Luís Carlos deixou pronta e a que denominou de “Poesias” (Natal: Editora da UFRN, 2011).

O que salta aos olhos, na leitura de “Natal, tempo de uma cidade feliz”, livro que Leda Guimarães preferiu não lançar, mas que fez chegar aos amigos do poeta, e que agora se encontra distribuído em livrarias e bancas de revista da cidade, é o tributo do poeta aos seus amigos mais chegados. Mas é claro que, entre ele e seus amigos, deve-se sempre contar com um terceiro protagonista: a cidade de Natal dos anos 1950, 1960, por aí. Há, mesmo, uma “Mensagem de Natal à cidade Natal”, um “recado de bem-querer” que o poeta escreveu à cidade por ocasião do seu 398° aniversário! Mas é em “Como um pôr de sol”

que o poeta se derrama em declarações de amor à sua cidade, descrevendo-a, a certa altura, com estas palavras: “A cidade feliz não existe mais. Talvez um tanto volúvel no teu vestido novo, numa coisa és a mesma, Natal: guardas a marca pessoal de tua feminilidade”.

Todavia, o escrito mais extraordinário dessa coleção de textos exemplares reunidos no livro é, sem titubeios, o “Discurso de posse do acadêmico Luís Carlos Guimarães”, extraído da “Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras”, número 27, de julho de 1998. A desenvoltura com o que poeta se desincumbe da tarefa de juntar-se aos seus pares é um exemplo acabado da arte de fazer poesia em prosa, ou melhor, de conceber uma poesia que se desdobra em memória, vivência e arte.

Esse trabalho de anamnese inevitavelmente leva o poeta a perscrutar as razões que o levaram à busca do laurel acadêmico. Assim, a certa altura de sua fala inaugural, enumera um par de motivos: a crença na poesia e o fato de ocupar a vaga de Newton Navarro, “que viveu e até exacerbou de sua condição de poeta, desempenhando assídua e diuturnamente essa missão durante toda a vida”.

Retrospectivamente, podemos afirmar hoje que a escolha da cadeira de Newton Navarro foi fundamental para que Luís Carlos Guimarães se empenhasse em chegar ao grau acadêmico. Teria de ser um poeta seu antecessor; se isso não bastasse, alguém que encarnou a poesia como ofício de viver; enfim, alguém como Newton Navarro, alma gêmea do poeta, seu alter ego, seu precursor. De fato, é tamanha a admiração que Luís Carlos Guimarães vota ao artista Navarro que é como se nele visse encarnado o ideal do artista que ele próprio seria, ao perseguir a arte como fim.

Nesse percurso, rico em acréscimos como em perdas, o poeta arrebanhou um punhado de amigos dos quais traçou retratos minimalistas, nem por isso insuficientes para transmitir-lhes os traços essenciais do humano - escritores como Newton Navarro, Eulício Farias de Lacerda, Diva Cunha, Myriam Coeli, Diógenes da Cunha Lima, Dorian Gray, Veríssimo de Melo e Berilo Wanderley, artistas como Thomé Filgueira, Glorinha Oliveira e Túlio Fernandes, boêmios como Albimar Marinho e Ney Marinho e o cosmopolita Alvamar Furtado de Mendonça. A cada uma dessas pessoas o poeta dedica um tributo exato que é também expressão de sua admiração de amigo e de seu contentamento de poeta.

De fato, Luís Carlos Guimarães parece tão à vontade nesse papel de retratista de seus amigos - “his own society”, para lembrar trecho de um verso famoso de Emily Dickinson - que suas impressões percorrem uma complexa paleta de sentimentos que não dispensam o humor, antes o coloca lado a lado do louvor e do reconhecimento.

Lembremos, a título de exemplo, uma “extravagância” de gênero a que Luís Carlos se dá ao escrever um prefácio para Diva Cunha. A certa altura, o rigor do prosador cede lugar à inspiração do poeta e surge um prefácio híbrido de análise circunspecta e de cumplicidade poética! Do amigo Ney Marinho, destacou seu “andar de passarinho, pelas ruas da cidade”, e um flagrante boêmio: “[...] dava gosto de vê-lo com um copo de uísque na mão. Parecia segurar uma flor - uma

flor que não tivesse espinhos”. Sobre Veríssimo de Melo, flagra-o, de passagem, e não resiste ao chiste: “Lá ia ele passando, o caniço de seu corpo magro e leve, ágil no seu passo miúdo. Quase sem tocar o chão, nessa leveza conhecia o mistério da levitação? [...] e entre um cigarro e uma xícara de café seus gestos costuravam no ar o bordado da conversa amena”.

A amizade era um sentimento tão poderoso em Luís Carlos Guimarães que ele chegava a duvidar que a morte o suplantasse. Assim, meses depois da passagem de Berilo Wanderley, um amigo do qual não falaria senão no superlativo, escreveu: “Quem sabe vou surpreendê-lo qualquer dia, na manhã de seu jardim, entre passarinhos, a renovar a água e o alpiste nas gaiolas. [...] Ou num ato de mera premonição vou encontra-lo às onze horas, como de costume, no barzinho do Nogueira”.

Toda essa grei heterogênea, retirada nas brumas da memória quando provocada pelo afeto, anima as páginas desse “Natal, Tempo de uma Cidade Feliz , testamento literário e repositório das admirações do poeta Luís Carlos Guimarães.

FLDRIAND CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE: UMA VIDA, UM DESTINO, UMA CONSAGRAÇÃO

No documento Revista do IHGRN - 2015 (páginas 72-76)