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2. A CRÔNICA – UM GÊNERO MULTIFACETADO

2.3 A crônica como gênero

Como já foi colocado, a crônica é um gênero híbrido, o que coloca alguns problemas para sua caracterização.

Para ultrapassar essa dificuldade, procuraram-se subsídios em Bronckart (1999) e Coutinho (2005 e 2006) para a realização das análises das crônicas, com vistas a levar os alunos a compreender o gênero e identificar suas características. Era preciso que eles compreendessem o que é uma crônica e, ao mesmo tempo, como traços de autoria emergem no texto produzido. Essas informações seriam fundamentais na etapa seguinte, de elaboração das próprias produções.

Coutinho (2005 e 2006) propõe uma “dupla dimensão acional e lingüística” dos textos. A autora faz a distinção entre parâmetros de gênero e mecanismos de realização textual. Para ela, os “parâmetros de um gênero” dizem respeito à identidade do gênero e às variáveis que, de alguma forma, possibilitam ou impossibilitam a interpretação dos diferentes níveis organizacionais, além de regular as tarefas de produção e de interpretação de um texto concreto. Diz respeito, portanto, à captação dos fatores que caracterizam a estabilidade de cada gênero, a partir de um viés social e temporal da atividade a que ele se encontra associado.

Os “mecanismos de realização textual” relacionam-se às opções de ordem particular que dizem respeito à produção do texto, mediante os parâmetros do gênero que podem sofrer alterações, já que são maleáveis e estão articulados às práticas sociais.

Em Coutinho, Rastier (2001) e Bronckart (1999 e 2003) encontram-se referências à necessidade de não redução do gênero a fatores de textualidade apenas. Esses autores apontam a necessidade de observar a organização própria de cada gênero, considerando seus aspectos gerais.

Conforme Rastier, a formação de um texto tem relação com o gênero:

Certains genres régissent des textes composés d'une phrase, d'un mot, d'une énumération; et de nouvelles pratiques sociales peuvent demain susciter des genres aujourd'hui imprévisibles; s'il existe des règles de bonne formation, elles restent relatives aux genres, non à la textualité. (RASTIER, 2001, p. 2

De acordo com Coutinho (2005 e 2006), há certa previsibilidade quanto à presença de unidades verbais em um texto, o que permite observar qual é a importância e a frequência com que se encontram, no texto, tais elementos. Essa presença (vista a partir de sua freqüência) revela a existência de diferentes funções exercidas por esses elementos, constituindo assim uma função primária ou secundária. A função primária está relacionada à presença desses elementos - o que constitui um parâmetro do gênero. Sendo assim, torna-se relevante a análise da interação entre o não verbal e o verbal em determinados textos, além de outros tipos de interação, pois os textos produzidos revelam escolhas diferenciadas, diante das necessidades do produtor, ou seja, a presença de elementos de outros gêneros, assim como revela opções feitas pelo sujeito no momento de sua produção.

A identificação dos parâmetros da crônica e de seus mecanismos de realização são essenciais para a construção das sequências didáticas que visam a oferecer condições para que os alunos das 8.ª séries possam produzir crônicas que farão parte da revista sobre sua cidade. Assim sendo, optou-se por caracterizar o gênero a partir do que afirmam Coutinho, Bronckart e outros especialistas que descreveram o gênero em questão.

Coutinho (2005) afirma a necessidade de observar como se desdobram e se distribuem os tipos discursivos, no interior de gêneros de texto diversificados, visando ao levantamento das sequências que deles fazem parte, o efeito conseguido e a intenção que emerge da organização.

No caso da crônica, tem-se um gênero em que predominam o discurso misto – teórico e interativo e o relato interativo - , pois as marcas que emergem no texto revelam: a necessidade de expor o tema e, ainda, “conversar” com leitor e interlocutor – leitor do livro, do jornal, da revista produzida ou o professor (que interage com os alunos durante o processo de produção). Trata-se assim de um diálogo que se estabelece em todas as crônicas, pois a presença do suposto leitor ou destinatário fica, em geral, evidente no texto pelo uso de pronomes como você,

tu, nosso, nós. Deste diálogo emergem diferentes vozes que manifestam diferentes

opiniões e representações, criando na crônica um trabalho de linguagem que desvenda uma atitude reflexiva e questionadora . O hibridismo da crônica revela-se pela escolha do discurso misto (teórico e interativo) e do relato interativo, considerados como mecanismos de realização textual de parâmetros do gênero enquanto forma de representação dos destinatários e das finalidades. A temática do

cotidiano é veiculada em determinado suporte (livro, jornal, revista, blog, publicação da internet), condição que pode resultar em diferenças quanto ao emprego de determinados recursos expressivos na produção do texto (efeito de objetividade ou subjetividade; uso de imagens na página; uso de recursos rítmicos; presença de humor; tom de denúncia; estratégias persuasivas para envolvimento do leitor com o tema e o texto). Esses aspectos também estão associados à figura do destinatário (perfil) e às características próprias do produtor: jornalista e escritor, poeta e escritor ou aluno produtor do texto. Não se trata de um gênero diferente, mas de um gênero maleável e flexível que se adapta à situação de produção e aos efeitos que se deseja produzir.

Na análise de diferentes crônicas, percebe-se a presença ou ausência de recursos que expressam maior ou menor grau de subjetividade, o estilo característico de um autor, diferentes modos de organização sintática, escolha do léxico, vozes que são introduzidas no texto para representar o que se deseja expressar, o tipo de suporte, assim como o destinatário ou interlocutor podem determinar o modo de organização de um texto.

Na crônica, há originalmente a relação da esfera literária com a jornalística, a função informativa articulada à atitude reflexiva, crítica ou permeada pelo humor – característica intimamente ligada ao estilo do autor.