• Nenhum resultado encontrado

Ensino público e privado: problemas similares

3. DE TENTATIVAS VIVE O PROFESSOR

3.4 Ensino público e privado: problemas similares

Diante do que se vem constatando nos resultados das avaliações realizadas pelo Governo Federal e Estadual, os objetivos a serem alcançados na escola nas habilidades de leitura e escrita não têm sido garantidos durante os oito anos de escolarização, agora, nove. A pergunta que se faz: por que isso acontece? O que é feito? Insiste-se em ensinar regras gramaticais que são repetidas, mas não compreendidas? A leitura não é vista como algo relevante, tampouco a escrita? O que tem sido feito? O que pode ser feito?Essas são questões que preocupam e são objeto de pesquisa de muitos professores.

Em Kleiman (2000, p.79-80) encontram-se algumas explicações que abarcam diferentes aspectos e apresentam diversas implicações. Uma delas diz respeito à necessidade de programas de formação continuada para o professor. Outra está relacionada ao contexto institucional e à imposição de uma concepção escolarizada de leitura como prática normalmente descontextualizada, associada à imposição de práticas de leitura maniqueístas.Ocorre ainda certo reducionismo com relação à função do texto, além de inculcação de valores morais - práticas que engessam a leitura e produzem uma “leitura escolarizada”. Como sugestão, a autora aponta a necessidade de que o professor comece a participar da elaboração de projetos pedagógicos produtivos. Mas, antes, é necessário que amplie seu próprio letramento, que diversifique suas práticas de leitura e de escrita. Para ela, seria preciso incentivar a construção de uma identidade profissional nos cursos de magistério e de letras, envolvendo a aquisição de um sistema de conhecimentos e de parâmetros interpretativos, partilhados pelo grupo profissional, que deveria estar em constante re-elaboração devido a sua dependência contextual, por um lado, e ao

conflito social que o contato com outros sistemas lhe acarreta , por outro. Desse

modo o professor contribuiria com soluções para o problema de leitura. Outra implicação é a necessidade da reconfiguração conceitual do objeto do ensino - a escrita - nos programas de formação do professor.

Os valores e concepções que mobilizam a prática do professor constituem um conjunto de premissas adquiridas durante o processo de formação, e, portanto, fazem parte da sua identidade: não são nem evidentes nem transparentes para ele, nem fáceis de serem transformadas, o que dificulta e pode até inviabilizar os programas de formação em serviço.Ainda, concepções como a transparência dos sentidos na linguagem ( e portanto quem não entende não quer cooperar), o mito do letramento (e portanto quem não aprende é inferior), ou a concepção medieval sobre o fim moral da leitura (e portanto quem discorda é pecador?) permitem que o aluno passe a ser , mais uma vez o responsável pelo fracasso, reproduzindo, também mais uma vez, expectativas, diagnósticos e previsões que o desqualificam social, cultural e cognitivamente.( KLEIMAN,2000,p.79 -80)

É claro que ocorre uma somatória de concepções. Um professor, ao realizar seu trabalho em sala de aula, expressa as crenças e valores adquiridos ao longo de sua formação. Além dessa concepção, há ainda as concepções da escola, da instituição que se colocam diante do professor e, eventualmente, podem se transformar em um obstáculo a ser enfrentado Por exemplo: o uso de livros didáticos escolhidos pela equipe técnica da escola e não, pelo professor; exigências colocadas ao professor pela coordenação, enfatizando a necessidade de que os textos dos alunos revelem domínio de regras gramaticais, em vez de ter como foco a coesão e coerência.

Outras explicações para o problema ficam evidentes quando são examinadas as propostas de produção que constam nos livros didáticos ou nas apostilas adotadas nas escolas- muitas delas não especificam as condições da produção, não refletem sobre as motivações internas e externas do sujeito que escreve, inviabilizando-se assim uma produção comprometida com o real.

Há também que se considerar a artificialidade das propostas de redação encontradas em manuais e livros didáticos, além da má administração do espaço- tempo escolar que impõe restrições à produção de textos. Explicações como essas são encontradas em pesquisa realizada por Tardelli (2002, p.169) e corroboram o que se afirmou anteriormente:

Pelos dados colhidos na maioria das escolas públicas estaduais pesquisadas pelos integrantes do projeto "A Circulação dos Textos na Escola", acrescidos das minhas observações junto à professora de Português, constatou-se que os agentes educacionais costumam ficar à mercê de restrições impostas por forças coercitivas e determinações

externas ao processo de ensino/aprendizagem. Premidos pelo tempo estabelecido burocraticamente, açodados por um espaço que constrange o princípio dialógico da linguagem, bem como a subjetividade emergente na instância enunciativa, professor e alunos acabam presos a um conteúdo mecânico, pautado numa gramática prescritiva que exclui a historicidade linguística e reduz o ensino da língua materna à memorização de normas e regras, segundo uma perspectiva que concebe a língua como um sistema fechado, inflexível, pretensamente estático, mas que se ajusta às constrições impostas pela Instituição. Nesse contexto, professor e alunos não se erigem em sujeitos do processo educativo, pois, direta ou indiretamente, as instâncias superiores determinam o tempo, o espaço e o

conteúdo pedagógicos, aos quais os protagonistas da educação devem se

submeter, configurando a expropriação da autonomia docente.

Uma outra explicação está relacionada à falta do hábito de escrever - o aluno normalmente se nega a escrever por considerar a ação desinteressante e desnecessária. As propostas nem sempre apresentam elos com a realidade do aluno e suas necessidades imediatas.

Outro fator de complicação está relacionado à questão do currículo e da organização dos conteúdos, pois a gramática prescritiva descontextualizada ainda tem primazia na sala de aula sobre a produção de texto e a análise linguística. Fato também que ocorre na escola XYZ da rede particular de ensino, em que foi realizada a pesquisa. Houve certa dificuldade para realizar um trabalho diferenciado, pois a quantidade de “conteúdos” a serem vencidos era numerosa e a cobrança feita à professora com relação ao uso de apostilas, igualmente. Esses fatores, aliados a outros de ordem econômica, dificultam o trabalho do professor que deseja realizar um trabalho diferenciado.

A escola em que foi realizada a pesquisa divulga “externamente” um discurso pedagógico moderno, preocupado em preparar o aluno para enfrentar os problemas sociais, ambientais e econômicos do país, porém, apresenta certa incoerência, pois, na prática, focaliza e centraliza na apostila (oferecida pela escola como material didático essencial) as atividades a serem desenvolvidas na sala de aula – exige cumprimento de todos os exercícios e tarefas. Essas dificuldades, ressalte-se, são encontradas tanto em escolas que apresentam propostas tradicionais quanto naquelas que se dizem interacionistas. Conforme Marinho

Algumas propostas pretendem ser exclusivamente interacionistas, julgando como conteúdo curricular explicitar essa concepção e sugerindo o seu desdobramento para uma concepção geral nas três áreas básicas do ensino: leitura, produção de texto e conhecimentos lingüísticos ou gramática. Uma segunda tendência toma a concepção interacionista de linguagem como principal, mas trabalha intencionalmente com outra. Uma última tendência assume um conteúdo tradicional, não explicitando a sua concepção de língua como um conjunto de regras. A possibilidade de detectar uma diversidade de concepções sobre a língua e a linguagem não quer dizer que essa diversidade esteja claramente definida.

A maioria das propostas deveria estar sintonizada com as tendências contemporâneas dos estudos da área de linguagem e caberia ainda uma revisão dos pressupostos teóricos que as fundamentam.

Um currículo coerente e funcional só pode ser construído, quando conta com a participação representativa dos profissionais do ensino e quando os seus usos e funções estão sintonizados com os desejos e possibilidades da comunidade educacional. Quando isso não ocorre, surgem novos problemas e se cria um descompasso entre linha de trabalho e interesse dos alunos, equipe técnica e professores.

Marinho (2000) reflete sobre as contradições no campo dos pressupostos teóricos adotados em função da prática exercida nas/pelas instituições. Conforme a autora, no discurso, algumas delas se dizem arrojadas, preocupadas com o social, apresentam pressupostos filosóficos interacionistas, sócio-interacionistas. No entanto, na prática, são tradicionais.

Pelas razões já elencadas, a professora, ao realizar o seu trabalho em sala de aula, viu-se obrigada a ultrapassar os limites propostos pela coordenação da escola e, ainda, a articular conteúdos curriculares obrigatórios com o projeto de produção de crônicas.

Fica assim evidente que, no ensino público e no privado, há problemas que funcionam como camisas de força e impedem que o curso das ações de qualquer professor ocorra naturalmente - estejam os problemas relacionados à condução dos processos, aos alunos, aos professores, à filosofia da escola ou a coerções advindas de outras instâncias.

Marinho, ao tratar do assunto, apresenta algumas das justificativas dadas pelas propostas:

As propostas utilizam-se de justificativas diferentes para a utilização de estudos lingüísticos sistematizados (gramática). Uma primeira tendência, mais representativa, apontou que o estudo da gramática pode servir de suporte para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Uma segunda tendência situou um tipo de análise lingüística como um caminho aberto para confrontar as variantes lingüísticas padrão e não- padrão, nas modalidades oral e escrita. Freqüentemente este confronto vem impregnado de uma visão unilateral que situa os padrões da língua escrita como o único ponto de referência para a comparação. Uma última tendência é a que insiste em estudar a gramática como um conteúdo autônomo, com uma finalidade em si mesma. (MARINHO,2006,p.53)

No âmbito do ensino público, no que diz respeito aos conteúdos, de um lado tenta-se minimizar um pouco a força da tradição gramatical, voltando-se para o desenvolvimento de estratégias que levem os alunos a refletir sobre os usos e intenções daqueles que utilizam a língua, ainda que esse trabalho não apresente muita consistência, pois ainda não há total clareza sobre o aporte teórico e sua relação com a prática. De outro lado, apresenta problemas estruturais: espaço físico inadequado, excessivo número de alunos em sala de aula, falta de recursos materiais; livros didáticos que não apresentam adequação aos novos pressupostos teóricos; falta de recursos para o professor desenvolver suas aulas; falta de computadores em número suficiente e em funcionamento. No que diz respeito ao material humano, o professor ainda precisa lidar com problemas de ordem disciplinar, pois os alunos apresentam comportamentos inadequados em sala, o que gera problemas para a condução das atividades.

Esses são alguns dos problemas... O que fica evidente? É preciso buscar novas maneiras de ensinar, novos recursos, novas estratégias... Há ainda outros problemas que serão rapidamente mencionados, mas não aprofundados neste trabalho: o que fazer diante do cansaço, da insatisfação, dos problemas salariais, da indiferença, da falta de comprometimento e da desesperança de tantos professores...