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A criança e o museu, os museus das crianças ou a criança no museu?

3.1 A partir da pesquisa de campo

3.1.2 Museu e infância

3.1.2.1 A criança e o museu, os museus das crianças ou a criança no museu?

Bruno Bettelheim (1991) escreve um ensaio sobre sua experiência com os museus durante a infância. Esse exercício do lembrar-se e refletir sobre a lembrança é muito rico, pois, ao mesmo tempo em que traz a recordação dos momentos vividos, também reflete, pondera, analisa. A experiência do adulto não pode mais ser dissociada da lembrança de infância, e a discussão prossegue nessa mescla.

No início de seu texto ele cita Francis Bacon: “do assombro nasce o conhecimento” (apud BETTELHEIM, 1991). Reflete sobre a imponência arquitetônica de dois grandes museus de Viena, questionando se essa arquitetura não fazia parte da construção de uma ideia platônica de museu, com a função justamente de provocar assombro, de preparar para o encantamento. Pondera que “talvez, então, seja essa a serventia dos museus, particularmente no caso das crianças – encantá-las, proporcionar uma oportunidade de se maravilharem.” O autor ainda faz uma crítica ao “excesso de explicações” dos museus sobre seus objetos, pois acredita que essas explicações atrapalham, ou diminuem o espaço para o maravilhamento, especialmente nas crianças.

Adriana Ganzer (2005) destaca o assombro provocado pelo museu a partir das falas das próprias crianças quando essas identificam o Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS como um castelo e a mediadora como uma princesa. Se as crianças de Adriana, que tinham de quatro a seis anos, envolveram sua experiência no museu nessa aura de conto de fadas, as nossas, com cerca de nove anos de idade, ainda fazem algumas referências a esse universo através de seus desenhos, onde apareceram também vários castelos.

A associação (correta ou não) de determinados museus com um passado imperial reforça essa relação de museu com palácio e todas as suas derivações imagéticas. Voltando à Bettelheim, cabe refletir: essa relação do museu com um universo mágico e o encantamento provocado por seus edifícios (quando é o caso) não poderiam ser usados a favor de uma relação inicial entre criança e museu mais prazerosa, na qual, aos poucos, a mágica provocada pelo espaço seria substituída pela mágica da descoberta e das possibilidades inerentes a cada museu, seus acervos e áreas do conhecimento?

Como a criança incorpora ao seu repertório a ideia de que o espaço do museu é opressor, que clama por silêncio e devoção e que não é para todos? A criança pequena não se sente menos à vontade no museu por este se parecer com um castelo. Como vimos com

as crianças pesquisadas por Adriana Ganzer, elas sentem-se curiosas, envolvidas e, para usar o termo empregado por Bettelheim, maravilhadas.

Maria Isabel Leite tem pesquisado sobre museus e educação. Atualmente a autora mantém um blog intitulado “Repensando museus: museu, educação e infância”62, no qual

aborda diversos aspectos dessas relações. Das inúmeras postagens, cabe destacar as reflexões que fez sobre a ida de bebês aos museus e sobre os museus especialmente dedicados às crianças e as possibilidades de acesso que eles promovem63.

As duas questões se relacionam o tempo todo. Sobre a primeira, a autora indaga se, quando falamos de crianças pequenas em museus, estamos falando também de bebês. A discussão sobre atividades educativas nos museus destinadas ao público da educação infantil (3 a 5 anos) ainda se faz necessária, visto que ainda é assunto de trato complicado para muitos educadores de museus. Ora, se aos poucos começamos a tomar contato com esse público (que é de crianças pequenas, mas já escolarizadas) o que pensar a respeito dos bebês? Como preparar o museu para que eles também possam descobri-lo?

Na postagem “Bebês nos museus – e também nos cinemas, nas brinquedotecas...” a autora traz uma série de exemplos de espaços preparados para receber as crianças pequenas, inclusive os bebês. Embora a maioria dos exemplos seja de espaços italianos, conhecê-los pode colaborar com a nossa reflexão. O que se percebe nessas instituições são espaços fisicamente preparados para receber os pequeninos (desde pisos emborrachados, atividades interativas, até vitrines baixas a ponto de poderem ser exploradas por um bebê que começa a caminhar).

Quando relata essas experiências (a maioria do Explora – Il Museo dei Bambini di Roma64 ou do Museu da Infância da UNESC65), a autora questiona sobre o que faz dessas

instituições museus, e não outra instituição qualquer destinada à recreação. Em consonância com esse assunto, a mesma autora, ao falar dos museus de arte como espaços de educação e cultura em um de seus livros66, fala do acesso proporcionado às

crianças quando o assunto é museu. Em certo momento, questiona justamente esses

62 REPENSANDO Museus: museu, educação e infância. Blog de Maria Isabel Leite. Disponível em:

<http://repensandomuseus.blogspot.com/> Acesso em 11 mai. 2011.

63 “Crianças nos museus: estamos falando de bebês também?” e “”Bebês nos museus – e também nos cinemas, nas brinquedotecas...” Publicados respectivamente em 15 e 16 de fevereiro de 2011. Disponíveis em: <http://repensandomuseus.blogspot.com/2011/02/criancas-nos-museus-estamos- falando-de.html> e <http://repensandomuseus.blogspot.com/2011/02/bebes-nos-museus-e-tambem- no-cinema-nas.html> Acesso em 11 mai. 2011.

64 Museo dei Bambini S.C.S. ONLUS, Via Flaminia, 80/86 - 00196 Roma. <http://www.mdbr.it/> Acesso em: 23 mai 2011

65 Museu da Infância da UNESC (Universidade do Extremo Sul Catarinense), Avenida da Universidade, 1105, em Criciúma Santa Catarina. <http://www.museudainfancia.unesc.net/> Acesso em 23 mai 2011

66 LEITE, Maria Isabel. Museus de Arte: espaços de educação e cultura. In: LEITE, Maria Isabel ; OSTETTO, Luciana E. (orgs). Museu, Educação e Cultura: Encontros de crianças e professores com a arte. Campinas: Ed Papirus, 2005

Museus para Crianças, encontrados em várias partes do mundo e dedicados especialmente a elas. Seriam esses lugares “espaços de segregação”? “É preciso que as crianças disponham de um espaço museal separado e exclusivo?” (2005, p.30)

Como contraponto a essa tipologia de museu, que não parece ser exatamente o caminho para o acesso, Isabel Leite relata a experiência do V&A Museum of Childhood em Londres. Diferente dos museus acima, este “procura agregar crianças, jovens e adultos em uma proposta de compartilhamento de espaço”67. Por fim, Leite ainda nos abre o seguinte

questionamento que, ao meu ver, cabe a todas as tipologias de museus:

Será que é tão difícil assim pensar num museu que interesse e acolha todas as faixas etárias? Ou será que por trás da opção de não acolher crianças, por exemplo, está uma ideia de criança como sujeito incompleto, em falta... Como sujeito à margem? Penso que essa reflexão se faz importante na medida em que estamos inseridos num processo de inclusão social e cultural, de respeito à diversidade, de pluralidade de olhares – e já está na hora de colocarmos em prática ações nessa direção. (Idem)

Na cidade de São Paulo, por exemplo, há uma diversidade grande de museus. Encontramos aqui museus de expografia tradicional e silenciosa com suas vitrines e pedestais, ao lado de outros que mergulham no mundo tecnológico, interativo e sonoro. Museus instalados em edifícios neoclássicos, modernos e contemporâneos, alguns grandes e imponentes com suas escadarias e tapetes vermelhos, outros menores e mais integrados à natureza. Museus artísticos, históricos, de ciências naturais, tecnológicos, institucionais, etnológicos e tantos outros.

As crianças devem ser recebidas com qualidade e liberdade em todas essas tipologias de museus. Cada um deles, independente de sua vocação e acervo, deve pensar em como recebê-las. Se restringirmos às crianças a possibilidade de visitar esses museus, não as estamos respeitando como cidadãos. Se museus não são vistos como apropriados para crianças pequenas (pelos pais, pelos museus ou pelas próprias crianças como as do Colégio Micael, por exemplo) que relação é essa que se dá entre criança e museu?

Ainda que não seja apropriado ao perfil de todos os museus oferecer, por exemplo, um espaço tátil para os bebês ou colocar à disposição dos pequeninos dispositivos interativos; todos os museus oferecem naturalmente oportunidades de educação e encantamento para as crianças. Se todos os museus podem, cada um a seu modo, maravilhar, todos eles podem também agregar crianças e adultos. A existência de museus dedicados especialmente às crianças não deve ofuscar a vocação que todo museu tem, de ser aberto a todos. Entender a criança como público dos museus de arte, história, ciência

67 “Museu, educação e encantamento de braços dados” Publicado em 12 de janeiro de 2011. Disponível em: <http://repensandomuseus.blogspot.com/2011/01/museu-imaginacao-e- encantamento-de.html> Acesso em 11 mai. 2011.

não diz respeito somente à formação de um público futuro, mas de uma compreensão da criança como cidadão, que estabelece hoje uma relação com os espaços públicos e com a sua comunidade.