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Crianças pequenas não podem entrar

2.4 O que as crianças disseram

2.4.5 Acesso

2.4.5.4 Crianças pequenas não podem entrar

Esse apontamento apareceu na escola estadual e na escola Waldorf com bastante destaque. Na escola estadual foi uma menina que trouxe o “quando era pequeno não podia ver”, já na escola Waldorf isso foi discutido por todos na roda de conversas, com vários alunos concordando que crianças pequenas não podem ir ao museu e apenas uma que disse que elas podem, desde que acompanhadas por um adulto.

Mas por que as crianças pequenas não podem ir aos museus? Vejamos alguns motivos alegados:

P – Por que quando era criança não podia ver? S07– Por que a gente ainda não conhecia nada

Como colocado por essa criança e já estudado por Pierre Bourdieu (2007), o museu se apresenta como algo acessível aos iniciados. Hoje esta criança considera-se iniciada, agora ela já pode ver, porque agora já conhece (algumas) coisas. Qual será o conhecimento que a mesma julgou necessário para poder “ver”? Não fica claro se está se referindo ao conhecimento de vida (por ter mais idade), escolar ou algum conhecimento específico.

Na escola Waldorf muitos concordam que crianças pequenas não podem, ou não devem entrar no museu. Pergunto com qual idade não podem/devem entrar. Alguns falam de 5 anos, outros de 2 ou 3 anos. Os motivos alegados são variados: As crianças pequenas podem derrubar ou quebrar as peças expostas no museu. Podem querer mexer, etc. Mas vejamos outra fala:

M04 – Eu acho que as crianças pequenas não podem ir ao museu porque

elas não vão se divertir muito porque não tem coisas que são pra idade delas e não podem fazer barulho que atrapalha as pessoas para ver as coisas e elas podem quebrar as coisas.

Essa criança coloca uma outra questão, a de que o museu não tem coisas próprias para as crianças pequenas. Isto me faz lembrar uma discussão que tínhamos quanto ao atendimento das Escolas Municipais de Educação Infantil em instituições culturais (SELLI, 2009). Se as exposições são de classificação livre, por que muitas instituições não recebem alunos menores de seis anos? O quanto as instituições museológicas se preparam para receber esse público? Será que oferecem atividades específicas para eles? Com que frequência? Qual a dificuldade das equipes educativas em adaptar-se para recebê-los nas exposições? Já não recebem outros grupos tão diversos que exigem adaptação? Ou oferecem apenas roteiros prontos para que os professores escolham? O quanto o museu tem sido rígido ou maleável na sua recepção ao público visitante? Será que, como dizem essas crianças, existe idade mínima para frequentar museus?

A fala transcrita acima também lembra a questão do barulho, o que foi citado por outros alunos da mesma escola. O museu, como lugar de contemplação, exige silêncio para que as pessoas possam apreciar as obras. Será? Será que o museu perpetua-se como local de contemplação? Até que ponto e de que forma?

Se voltarmos à definição do ICOM que diz que museu é uma:

[...] instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva, investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para educação e deleite da sociedade. (IBRAM – endereço eletrônico http://www.museus.gov.br, consulta realizada em 26/07/2010).

Percebemos que ela está bem distante dos espaços que eram conhecidos antigamente como “Gabinetes de Curiosidades”, abertos somente a alguns e destinados principalmente ao colecionismo, contemplação e à afirmação do poder (MOURA, 2007). A dinâmica do museu de hoje, embora englobe a apreciação, é muito mais complexa e exige ações que nem sempre combinam com o silêncio.

Pensando que o museu de hoje existe, entre outras coisas, para investigar, difundir, desenvolver sentimentos de identidade e pertencimento (Lei 11.904/2009 e Decreto 5264/2004 Artigo 2, II) é natural que as crianças do Colégio Beatíssima tenham estranhado não lhes ser permitido conversar dentro do museu. Para um museu dinâmico e uma construção dinâmica de conhecimento a que se pretende como é possível proibir a conversa?

Vemos uma série de ideias de museu que, a meu ver, contribuem para afastar as pessoas. É verdade que como qualquer espaço público e com preocupações como a segurança e a preservação do patrimônio, é necessário que haja regras para sua utilização. O que questiono é até que ponto essas regras se exacerbam e promovem o efeito contrário. A escola municipal e a escola tradicional não falaram diretamente de restrições a crianças pequenas em suas rodas de conversa, porém apareceram nas duas as sanções impostas pelos museus e sociedade e como são percebidas pelas crianças. Na EMEF Dutra essas sanções são aceitas, já para parte das crianças do Colégio Beatíssima são essas que fazem do museu um lugar chato.

“Não pode falar, não pode fazer nada!” (B19). Ora, não é a verbalização, parte importante do processo de aprendizagem? Os objetos expostos aguçam a curiosidade infantil e geram comentários que precisam ser externados. Além disso, temos as próprias conversas de amenidades, a interação com o grupo de amigos, que transpassam qualquer atividade em grupo. Como queremos que essas crianças retornem ao museu se não se sentem à vontade em seu espaço? Não será também esse tipo de “regra” que faz com que algumas crianças não vejam o museu como um local adequado para crianças pequenas?

No Colégio Micael, que foi uma turma onde muitas crianças ofereceram restrições a crianças pequenas, uma criança respondeu ao jogo de perguntas com “Sim, todos podem ir ao museu. Porque não tem idade” (M05). Essa criança não se manifestou a respeito durante a roda de conversa. Pode ser que tenha mudado de opinião ou que a tenha mantido. O fato de ter dado esta resposta durante o jogo das perguntas mostra que pensa que o museu é para todos. Que é interessante para qualquer idade, ao menos no momento em que deu a resposta.