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Décadas de 1970 e 1980 – novas experiências

Em meados da década de 1970 aconteceu o primeiro encontro nacional de dirigentes de museus no Recife. A partir deste e outros encontros na mesma época, começou a ser formulada uma proposta para a criação do Sistema Nacional de Museus. (SANTOS, 1994; BRASIL, 2007). No final da mesma década foi criada em âmbito federal a Fundação Nacional Pró-Memória - FNPM.

Foi no âmbito da FNPM que, em 1983, instalou-se o Programa Nacional de Museus, que desenvolveu projetos especiais visando à revitalização dos museus brasileiros.O panorama museológico entre os anos 70 e 80 estava em ebulição e compunha-se de novas idéias, encontros, debates e novas propostas de uma museologia ativa, participativa e democrática. Na esteira das discussões de política museológica surgiria, em 1986, o Sistema Nacional de Museus. Seu objetivo: articular e apoiar financeiramente projetos museológicos. (BRASIL. Ministério da Cultura, 2007, p. 18)

A partir do Boletim do Programa Nacional de Museus que começou a circular em 1983 é possível conhecer suas linhas programáticas que destacam, entre outras coisas, a participação da comunidade, tanto no processo educacional quanto na produção e preservação cultural. No primeiro fascículo da publicação Museu Educação, de 1985, que

oferecia subsídios para o planejamento de atividades educativo-culturais dos museus, é evidenciada a diretriz da garantia de acesso da Política Cultural do Ministério da Educação e Cultura – MEC. Ao mesmo tempo, fica apontada a necessidade de os museus definirem clientelas prioritárias para o atendimento educativo-cultural, principalmente por não haver infraestrutura para ações em massa, além desta não ser, segundo o documento, a vocação do museu.23

Segundo documentos oficiais24 as experiências internacionais (relatadas e discutidas,

por exemplo, na Mesa Redonda de Santiago do Chile – 1972 e na reunião internacional de Quebec – 1984) no campo da museologia “produziram impactos teóricos e práticos no Brasil.” Sobre esse tipo de influência, Maria Célia Santos (1994 e 2008) cita o movimento para a democratização da cultura, iniciado na Europa na década de 1960 e o movimento da “Nova Museologia”, iniciado na década de 1980 que começariam a influenciar as ações de nossos museus, embora, a autora alerte para o fato de que, devido à ditadura militar, os conteúdos desses documentos (em especial o da Mesa de Santiago) tenham demorado a chegar ao Brasil, o que resultou em uma influência tardia e mais tênue.

A Nova Museologia incorporava ações que se opunham de forma teórica e prática à museologia clássica (CHAGAS, 2000). Maria Célia Santos chama a atenção, em seu texto Reflexões sobre a Nova Museologia (2008 p.84), novamente para as atividades da mesa de Santiago do Chile, onde teria surgido o que ela chama de “marco mais significativo da evolução do processo museológico na contemporaneidade: a passagem do sujeito passivo e contemplativo para o sujeito que age e transforma a realidade”.

Simultaneamente, no campo da arte e da educação no Brasil, começavam a aparecer as primeiras ideias do que levaria, no fim dos anos 1980, à estruturação da Abordagem Triangular (BARBOSA, 2002). Enquanto nos anos 1960, 1970 e início dos 1980 imperou a “livre-expressão”, no final dessa década se aprofundou a discussão sobre a arte não apenas como expressão, mas como conhecimento induzindo a aproximação da arte com a educação. Houve também a partir dos anos 1980 uma tendência à educação para o patrimônio que ajudou bastante o trabalho educativo nos museus. Começavam a florescer as concepções teóricas de arte-educação nas quais nos baseamos hoje.

As discussões são ampliadas, discute-se a relação da educação não formal com a formal. É nessa época que, em São Paulo, o MAC-USP e o Museu Lasar Segall começaram a desenvolver programas educativos mais estruturados e a buscar, eles próprios, o relacionamento com a escola.

23 BRASIL. Fundação Nacional Pró-Memória, 1983; BRASIL. Ministério da Educação e Cultura, Fundação Nacional Pró-Memória, 1985

É interessante pensar que, apesar de ser da escola a obrigação formal de educar seus alunos, de propiciar-lhes experiências significativas e de formá-los junto às famílias, como indivíduos, são os próprios museus de arte, e não as instituições escolares, muitas vezes, que tomam a iniciativa de estabelecer contato com as escolas, preparar-se para recebê-las e iniciar as crianças na educação estética. Além da questão econômica da necessidade de formação de público, isso também é explicável pelo fato de os museus estarem, desde seu princípio, no centro das discussões sobre arte, educação e cultura; de terem em seu quadro profissional justamente pessoas ligadas ao debate destas questões. Alguns desses profissionais estão ligados às universidades e desenvolvem pesquisas científicas de diversos fins, o que os mantém mais atualizados ou buscando atualização.

Já nas escolas, o ritmo é outro. Uma reforma social ou política demora muito tempo a chegar à sala de aula, pois o sistema é muito grande e muito lento, a maioria dos professores não tem acesso às informações, não tem condição de buscá-las e muitos não têm interesse em se aprofundar. Mesmo aqueles que têm melhores condições e buscam aprimoramento de seu trabalho, muitas vezes só conseguem fazê-lo com atraso, dada a enorme quantidade de etapas que a informação precisa passar para chegar até eles.

Também na década de 1980, novas concepções de espaços destinados à arte e à cultura surgiram no cenário nacional, em especial na capital paulista. Em 1982 foi inaugurado o Centro Cultural São Paulo, e, em 1987, o Instituto Tomie Ohtake, espaços múltiplos, que não eram museus, mas centros culturais que também apresentavam mostras artísticas, além da possibilidade de agrupar múltiplas atividades. Esses espaços viriam a desempenhar importante papel na educação não formal na área de artes, pois são espaços por natureza difusores de cultura.

Em 1985, como comentado brevemente acima, o Museu Lasar Segall, criado em 1967, implantou o Serviço Educativo, denominado hoje como Área de Ação Educativa, preocupado em oferecer um atendimento mais estruturado e dinâmico tanto ao público escolar quanto a outros públicos. É desenvolvido então no museu o Programa de Educação para o Patrimônio. (GRINSPUM, 2000). Na Pinacoteca, neste período (1975 a 1988), funcionavam os laboratórios de desenhos coordenados pelo professor Paulo Portella Filho, já o serviço educativo desta instituição, como conhecemos hoje, com todas as suas especialidades, só viria a ser formatado em 2002 a partir de pesquisa realizada pela instituição para conhecer o perfil de seu público.

Acompanhando, ainda que tardiamente, as discussões nas áreas de museologia, arte, educação e patrimônio, na esfera pública, foi no final dos anos 1980 que apareceram,

de forma clara, as primeiras referências ao acesso a bens culturais no Brasil.25 A primeira

referência constitucional sobre acesso à cultura se deu na Constituição Federal de 1988, que afirma ser “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência.” (C.F., Art.23, V) e que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” (C.F., Art.215)

Referência leve à difusão do patrimônio cultural seria feita na Constituição Estadual de São Paulo, de 1989. No final da década de 1980 também foi possível observar uma série de decretos nos quais foram destinadas verbas para atividades descritas como criação, difusão e dinamização de bens culturais diversos (Decretos 97.971/89; 98.000/89; 98.306/89; e 99.643/90). Ainda assim, com exceção da Constituição Federal, somente a partir dos anos 1990 haveria um enfoque maior e mais específico na questão do acesso da população aos bens culturais patrimoniais.

25 Com exceção das referências ao acesso encontradas no Programa Nacional de Museus do Ministério da Educação e Cultura, alguns anos antes.

Figura 8