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3.2 Ações para a formação de público em São Paulo

3.2.1 Políticas públicas e privadas dos últimos anos

3.2.1.1 Legislação

No capítulo I já abordamos a legislação sobre acesso ao bem cultural. A primeira coisa que se nota é que essa questão começou a aparecer com mais clareza e recorrência somente na década de 1990, embora o patrimônio e sua preservação estivessem cobertos desde a década de 1930.

A Lei Rouanet,80 assim como suas modificações, foi uma das mais importantes ações

governamentais a tratar da questão do acesso. Embora a lei não seja apenas voltada a isso, o fato de tratar da questão junto à questão econômica através do incentivo fiscal levou até a cultura não somente os olhos do governo e dos intelectuais, mas principalmente os olhos dos investidores.

Investir em cultura passou a ser um bom negócio no Brasil. As empresas associam sua marca a algo positivo, aparecem e se fazem de mecenas, ainda que o dinheiro investido seja, na verdade, dinheiro público, pois deixou de ser aplicado em impostos. O governo se abstém de boa parte do trabalho que o investimento direto exigiria, e garante uma boa imagem aos olhos dos empresários e dos profissionais de cultura. A população, em tese, poderia usufruir de espetáculos, exposições, cursos, etc. Mas nem tudo é tão simples.

É preciso considerar os acordos implícitos que são feitos na transferência de boa parte do investimento público em cultura à iniciativa privada. O que é patrocinado, afinal, se quem escolhe são as grandes empresas? Não é coincidência o fato de as capitais e a região sudeste receberem grande parte da verba. Da mesma forma, não é acidental o fato de

79 O relatório de gestão da Política Nacional de Museus 2003-2010 indicava em 2010 que mais de 20% dos municípios brasileiros já contavam com ao menos uma unidade museológica, o que já é um avanço em relação aos anos anteriores. Ainda assim a imensa maioria dos municípios continuam desprovidos deste equipamento cultural. (BRASIL, 2010)

pequenos museus terem mais dificuldade em conseguir patrocínio que os grandes museus. O empresário precisa, antes de tudo, de visibilidade.

Assim, quem mais tem público (visibilidade) tem mais facilidade em obter verbas e pode investir em projetos que atrairão ainda mais público, enquanto quem não tem muitas vezes não consegue nem arcar com a estrutura básica, o que leva muitas pequenas instituições ao fechamento das portas ou sucateamentos de suas instalações.

Às empresas sempre caberá a preocupação com o próprio lucro, e é por isso que a abstenção dos órgãos governamentais em assuntos como cultura, educação, saúde e transporte é tão perigosa. Passar à iniciativa privada essas decisões é ter certeza de que os interesses econômicos se sobreporão aos sociais. Nos últimos anos houve uma maior preocupação e cuidado com a distribuição dos recursos da lei e melhoras foram registradas nesse sentido, ainda assim essa distribuição continua longe do equilíbrio e as autorizações de captação tem sido assunto de discussões não só políticas e econômicas, mas éticas.

Numa outra vertente, nesse princípio de século XXI, além das reformas da Lei Rouanet, o destaque foi para a Política Nacional de Museus e todas as leis, decretos e documentos relacionados a ela. Mais que a atenção voltada à cultura, nesses últimos anos o setor museológico ganhou especial atenção do governo e como coroação deste processo temos a criação do IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus. O IBRAM nasce do esforço do antigo Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – DEMU/IPHAN por entender-se que a área dos museus necessitava de um órgão específico.

Com a criação do IBRAM e toda a Política Nacional de Museus, essas instituições recebem uma atenção do governo que nunca haviam recebido antes. O Sistema Brasileiro de Museus (SBM) passou a ser uma ferramenta para acompanhar a realidade dos museus em todo Brasil, quem são, quantos são, onde estão e quem os visita. Embora dos 3025 museus81 cadastrados pelo sistema no país apenas 28 tenham gestão federal82, a ideia do

instituto é atuar junto às instituições museológicas brasileiras em geral, independente de suas gestões.

É através do SBM, por exemplo, que podemos confirmar como a situação do município de São Paulo é privilegiada no que diz respeito à quantidade de museus. Só aqui são 133 museus e instituições culturais que apresentam exposições83. Sem dúvida o número

de possibilidades abertas à população é bem grande, embora muitas vezes não sejam percebidas como tal.

81 Informação apresentada no relatório de gestão da Política Nacional de Museus 2003-2010 82 Lei 11.906, de 20 de janeiro de 2009. Da criação do Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM 83 Informação do Cadastro Nacional de Museus – 12 de março de 2011

Comparando o estado de São Paulo aos demais, percebe-se também a maior influência da iniciativa privada e da política liberal nas formas de gestão de seus museus. É revelador o fato, por exemplo, de que entre todos os museus do estado, apenas um seja vinculado ao governo federal. Uma pesquisa mais aprofundada precisaria ser feita para compreender as questões históricas e políticas que delinearam esse perfil. De qualquer forma poderíamos apontar ao menos a grande onda das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs e das terceirizações que vem tomando conta do cenário cultural de São Paulo, marca das diferenças de gestão entre o governo do estado e o governo federal na última década.

Essa dicotomia gera um desencontro de prioridades entre os âmbitos estadual e federal. O estado de São Paulo tem buscado seus próprios meios de financiar e gerir seu patrimônio cultural, de forma que hoje a iniciativa privada tem grande participação nas instituições do estado. Esse modo de gestão se reflete na desarticulação entre estado e políticas nacionais, assim, aqui as ações voltadas para a ampliação do acesso ao patrimônio cultural tornam-se mais e mais dependentes das questões de mercado. Em São Paulo, apesar de toda a movimentação gerada pela Política Nacional de Museus, muitas das ações dos museus para formação e fidelização de público servem, antes, à justificação dos patrocínios recebidos do que à própria característica social desse acesso.