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2.4 O que as crianças disseram

2.4.5 Acesso

2.4.5.7 A questão socioeconômica

Esse foi o ponto de maior adesão das crianças quando se perguntava por que nem todas as pessoas podem ir a museus. A única escola onde esse motivo não apareceu nenhuma vez foi na EE Artur Sabóia. Na EMEF Dutra, e, no Colégio Beatíssima, foi citado com ênfase por mais de uma criança. Já na escola Waldorf o assunto apareceu com menos importância, mas também de forma clara.

Na EMEF Dutra foram algumas meninas que defenderam esta ideia, ademais de seus colegas afirmarem que todos poderiam entrar, pois o museu é público. Foi uma discussão acirrada e muito rica. Essas crianças são capazes de entender e diferenciar que sim, todos deveriam ter o direito a frequentar esses espaços, porém a realidade impõe outros obstáculos que somente a lei não consegue sanar.

No Colégio Beatíssima também houve discussão a esse respeito, mas o enfoque foi outro. Várias crianças afirmavam que nem todos podiam frequentar museus, pois existem pessoas que não podem pagar o ingresso. Em contrapartida, houve um outro grupo de crianças que (sem discordar de que as pessoas não têm dinheiro para a entrada) levantaram alternativas para que o museu fosse de acesso universal. Alguns lembraram que existem museus gratuitos, (e então eu me pergunto se a questão proposta não deveria mudar para “Será que todas as pessoas podem ir a todos os museus?”), o que em si não garante a universalidade de acesso, já que segrega as pessoas que não tem condições financeiras a frequentar apenas determinados museus – os de entrada gratuita. De toda forma, é interessante ver que essas crianças estão enxergando essas possibilidades e esforços.

A respeito disso, em outras escolas as crianças também lembraram que existem museus de entrada paga e outros de entrada gratuita, o que apareceu principalmente na pergunta “Para entrar no museu, é necessário pagar alguma coisa?”. Na cidade de São Paulo, além de haver uma boa gama de opções gratuitas todos os dias, os museus pagos normalmente reservam um dia da semana para entrada gratuita a todos os públicos, como o MASP às terças-feiras, por exemplo. Outra medida dos museus para não excluir financeiramente, como vimos em alguns exemplos citados na introdução, é oferecer entrada gratuita a grupos provenientes de escolas públicas e instituições sem fins lucrativos. Infelizmente esta ação se restringe à escola que, muitas vezes, não a aproveita por não conseguir pagar o transporte até o local, ou por outros motivos.

Voltando à questão do acesso, as respostas das crianças do Colégio Beatíssima mostram que, apesar de existirem ingressos e pessoas que não podem pagá-los, existem outros mecanismos que podem garantir o acesso dos que não tem condições por conta própria de pagar a entrada do museu. Uma criança respondeu que, quando não se tem dinheiro “entram com a gente de graça”, outra disse que “existem pessoas boas” e uma terceira afirmou que é “responsabilidade dar para os pobres”.

Vejamos cada uma dessas respostas: no meu entendimento, elas são partes complementares de um único pensamento, o qual só apareceu nessa escola e em ambos os grupos da mesma. Trata-se de um pensamento de responsabilidade social, individual ou institucional, que diz que se há alguém que não pode pagar para entrar no museu (por exemplo) a sociedade deve suprir esta falta, ajudar esta pessoa, seja esta uma ação de

pessoas físicas (porque existem pessoas boas), seja institucional (se não temos dinheiro eles entram com a gente de graça) ou ambos.

É “responsabilidade dar para os pobres”. Responsabilidade de quem? A intenção dessa criança não fica clara durante a conversa quanto ao sujeito dessa incumbência, mas de qualquer forma um pensamento solidário está implícito nela.

Talvez esta visão seja decorrente da educação dessas crianças. (É muito interessante o fato de não ter aparecido em nenhuma outra escola e ter aparecido nos dois grupos – classes diferentes – desta unidade escolar.) A partir dessas colocações, voltamos aos princípios educativos explicitados no site da instituição, e que têm entre eles o de “Promover testemunho dos valores cristãos na vida comunitária, através de ações que demonstrem justiça, fé, solidariedade, companheirismo e respeito” e que pode, na minha opinião, ser perfeitamente ilustrado pelas falas dessas crianças e sua relação com o outro.

Para finalizar este capítulo que traz as falas das crianças sobre o museu vemos que, embora a maioria dessas crianças acredite que todos possam ir a esta instituição, conseguem enxergar também fatores que dificultam com que esse acesso se realize, sendo o principal deles a questão financeira. Além disso, essas crianças nos abrem os olhos para situações que as deixam desconfortáveis dentro do museu, para as sanções provocadas pelo formato das normas e para a maneira como podemos receber esse público, especialmente os menores. Falam-nos de preconceitos e distanciamentos, de códigos culturais e problemas sociais, de direitos e de realidade.

Figura 19

Capítulo III

Acesso e Formação de Público:

Outras Reflexões

Expostos os resultados da pesquisa de campo, a proposta agora é partir das falas das crianças e da relação que elas demonstraram ter com o museu para refletir sobre acesso e formação de público para instituições culturais no contexto da cidade de São Paulo. Dessa forma, este capítulo se propõe a estudar essas relações agregando–lhes outras referências teóricas sobre o assunto, pesquisas de público realizadas em São Paulo, documentos oficiais sobre acesso à cultura e análises de algumas ações recentes.

Esperamos que a costura desses fragmentos contribua para compreender e problematizar o acesso a bens culturais na cidade de São Paulo hoje. Esperamos também que as reflexões tecidas aqui possam contribuir, posteriormente, para o encaminhamento de ações que facilitem e qualifiquem esse acesso, ou mesmo para o aperfeiçoamento de ações já existentes.

Para tanto, o capítulo se dividirá em duas partes. A primeira busca aprofundar três pontos que se destacaram na pesquisa de campo, a saber: as representações de museu que habitam o imaginário infantil e, quem sabe, até o imaginário de muitos adultos em nosso contexto; as diversas relações entre museu e infância, especialmente nos grupos museu- criança-escola e museu-criança-família; e uma reflexão sobre a questão do acesso público ao museu, assunto que foi polêmico entre as crianças que participaram da pesquisa.

Já a segunda parte procura refletir sobre a formação de público de museus e instituições culturais na cidade de São Paulo a partir de algumas ações. Além de citar algumas políticas públicas e ações institucionais nesse sentido, com o objetivo de traçar um breve panorama das iniciativas mais recentes nessa área em São Paulo, o capítulo é finalizado com uma análise sobre uma grande ação governamental que relaciona museu, escola e acesso: o Programa Cultura é Currículo.

Figura 20