• Nenhum resultado encontrado

A Criminologia

No documento Download/Open (páginas 64-68)

1.7 CRIME, DEMOCRACIA E IGUALDADE SOCIAL

1.7.1 A Criminologia

A Criminologia surge como uma consequência do Iluminismo e do racionalismo positivista. Para alguns, ela tem origem na obra de Beccaria Dos Delitos e das Penas, para outros, talvez em sua maioria, no conjunto de estudos formulados no século XIX, na Itália, por Ferri, Lombroso e Garófalo.

Estes pensadores italianos buscavam na pura e simples relação de causa e efeito a compreensão do fenômeno criminoso, como se todo o universo do crime pudesse ser reduzido a ‘uma formula matemática’ ou a uma lei da física. Tinha-se como pano de fundo para tais estudos o positivismo de Augusto Comte que ganhava espaço no mundo acadêmico.

Em síntese, se poderia dizer que, para Ferri, o crime era o fruto de uma sociedade desajustada e desordenada. Seus estudos sobre o crime se concentravam nas influências sociais e econômicas sobre os criminosos e os índices de criminalidade, bem como na construção psicológica de cada indivíduo, oriunda desta sociedade. A parte mais significativa de seu pensamento vem exposta em sua obra Sociologia Criminale (Sociologia Criminale, de 1884). Sobre a criminologia que surgia na Itália, afirmou:

Tenia, pues, razon al afirmar que nuestra escuela no és uma unión parcial, mas o menos orgánica, uma alianza simpática, algo transitória, del derecho penal com las ciências antropológicas y sociológicas, posto que solo es em realidade uma das numerosas y fecundas aplicaciones del método positivo al estúdio de los hechos sociales, em cuya virtude puede considerarse que es um desarrollo de la escuela clássica inciada por Beccaria (FERRI, 1970, p. 22).

Garófalo por sua vez, ao apresentar sua obra intitulada Criminologia, teve por tarefa defender a dureza das leis e do Estado rígido para um combate eficaz contra a criminalidade, tentando também, como numa fórmula posta, chegar à equação que explicaria o crime pela maior ou menor rigidez do Estado, opondo-se ferrenhamente à prescrição, ao perdão judicial, à graça e ao indulto, e por outro lado defendendo a pena capital e o exílio permanente de criminosos. Assim, Garófalo via na prevenção geral e especial o maior e melhor objetivo da pena, ou seja, intimidar para reprimir a ocorrência do delito (GARÓFALO, 1925, p. 533).

Lombroso, observava no Homem Delinquente, título de sua obra maior de 1876, um indivíduo pré-determinado ao delito, seja por suas feições, pelo seu fenótipo, seja pelo atavismo. Médico, antropólogo e pesquisador do crime, Lombroso fez uma grande esforço de pesquisa colocando ao lado de seu livro um atlas descritivo com medidas, fotografia e comparações dos criminosos e loucos delinquentes, seja por sua tipologia criminal , seja por sua classificação física (LOMBROSO, 2001, p. 173).

Com estas considerações iniciais sobre a Criminologia, deve-se observar que o caminho traçado por esta ciência durante o século XX e início do século XXI foi largo e fértil. Outras tantas escolas se destacaram dentro da Criminologia em diversos países e mesmo de forma internacional para buscarem a explicação do fenômeno criminal, e estabelecerem uma ‘política criminal de Estado’ que fosse compatível com as aspirações sociais.

É bem verdade que equívocos graves foram cometidos, como por exemplo as distorções presentes no direito penal nazista, bem como aqueles de cunho marxista-leninista utilizadas na extinta União Soviética e países do bloco socialista para justificarem punições severas aos inimigos do Estado. São similares àquela que ainda estão presentes na mentalidade norte-americana de combate ao terrorismo, no qual o Estado admite inclusive o uso da tortura como método de investigação, principalmente depois das ocorrências de 11 de setembro de 2001.

Exageros à parte, a Criminologia se consolidou como um estudo próprio, com linhas epistemológicas definidas e na medida do possível, contribuindo com o Estado e o Direito Penal para políticas públicas mais eficazes.

Percepções como as de Ferri, Garófalo e Lombroso foram logo descartadas pela academia, que, logo no primeiro quarto do século XX percebeu a dificuldade para se aceitar teses deterministas de conduta, particularmente para explicar um fenômeno tão complexo como o crime e suas consequências. Todavia, mesmo sem se referenciar em tais pensadores, as sociedades contemporâneas, particularmente do Brasil, apresentam ao problema penal soluções que se fundam no século XIX, como por exemplo, a política do movimento Lei e Ordem, que a cada dia ganha adeptos no Senado e na Câmara, e entre governantes dos diversos estados da federação, pregando, como fez Garófalo, um Estado mais rígido com leis mais duras como solução para o crime. Tal movimento tem tido ampla aceitação social como bem demonstram os resultados eleitorais em favor de seus defensores. De outro

lado, a mentalidade lombrosiana persiste, principalmente apoiada na mídia quando se aponta para o criminoso mostrado na tela da TV ou do computador a sua ‘cara’, no show , no verdadeiro espetáculo da criminalidade e da violência, que evidencia que nossas prisões tem na sua maioria a população não branca, o que acirra ainda mais o conflito racial, ainda velado e mistificado, restando a análise simplista e descabida de que o ‘preto é de início, sempre perigoso, e por fim um bandido’.

Percebe-se que Lombroso, Ferri e Garófalo estão sempre vivos na mentalidade de aprisionamento e punição desenfreada proposta no país, justificando assim a terceira colocação no quadro mundial de presos, no qual o Brasil está somente atrás da China e dos Estados Unidos em números de pessoas encarceradas, desmentindo a afirmação de que este é o país da impunidade (DEPEN, 2011, p.10).

A Criminologia se preocupa com as questões que antecedem a prática delituosa e com os aspectos individuais da conduta, procurando um meio de explicá- la ou ao menos de entender o que levou o infrator a cometer tal delito. Para tanto, parte-se da observação da realidade para tentar encontrar a explicação de questões que envolvem condutas criminosas, caracterizando-se, assim, como uma ciência empírica, em que primeiro é preciso conhecer a realidade do fato para depois tentar explicá-lo.

Os modos convencionais de justiça (Retributiva, Distributiva e Restaurativa) explicam a variedade de soluções e conclusões que um mesmo fato pode ter, de acordo com os pontos de vista do Estado sobre o infrator, a vítima, a comunidade e a sanção que seria aplicada (SCURO NETO, 2004, p. 275), conforme se pode ver a seguir.

MODO DE JUSTIÇA

Retributiva Distributiva Restaurativa

SANÇÃO Pena Tratamento Compromisso

INFRATOR Você não presta, preferiu cometer uma infração, e será punido na proporção do que fez. Você é um coitado, pessoa problemática que não tem toda a culpa pelo que fez. Vamos cuidar de você, para o seu próprio bem.

O que você fez teve consequências e causou prejuízos. Você é responsável e capaz de reparar o que fez.

VÍTIMA Ao fazer justiça punimos o infrator e beneficiamos você também. As necessidades do infrator e da Justiça, não as suas, são a nossa maior preocupação.

Precisa fazer o possível para que o infrator repare o dano que causou.

COMUNIDADE Intimidar é a melhor forma de obrigar o infrator a entender que seu ato é inadmissível e a controlar sua conduta

O infrator deve ser, na medida do possível, reabilitado por especialistas.

A comunidade deve contribuir para que as partes assumam e cumpram o compromisso.

A finalidade da Criminologia, portanto, ao examinar a conduta do agente criminoso e seu aspecto subjetivo, é criar programas de prevenção criminal e técnicas de intervenção positiva no infrator. Ou, ainda, nos casos em que não for possível a prevenção, que através do estudo do comportamento do infrator seja possível a reparação da vítima, materialmente e emocionalmente, quando possível, a inclusão do infrator na sociedade após o fato delituoso, e a reintegração destes ao convívio social, conforme oportunizam os seguintes conceitos:

Em suma, os valores que devem impulsionar o processo de mudança da Justiça e renovar as energias do sistema são:

- Inclusão: oportunidade de “envolvimento direto e completo de cada uma das partes”

- Reparação: chance de reparar o malfeito por meio de desculpa, mudança de comportamento, restituição e generosidade, como forma de as partes assumirem responsabilidades, reparar e oferecerem alternativas para que isso seja realizado;

- Encontro: oferta de contextos e momentos em que as partes podem entrar em contato e decidir o que é relevante na discussão de um problema” (Van Ness and Strong, Apud ROSA, 2004, p. 77);

- Reintegração: dar a vítimas, infratores e comunidades opções para evitar estigmatização e outros problemas – por meio de concreta afirmação de valores pessoais e coletivos, maneiras de encarar desafios, satisfazer necessidades imediatas e orientação moral e espiritual aliada a esperança – fortalecendo os indivíduos e reforçando os valores e a capacidade de desistência da comunidade (ROSA, 2004, p.121).

O alcance efetivo da justiça só se dará, portanto, quando, conforme propõe a Criminologia, a sociedade trabalhar em unidade para resolver os problemas que dela derivam.

No documento Download/Open (páginas 64-68)