• Nenhum resultado encontrado

JUSTIÇA E PAZ

No documento Download/Open (páginas 55-58)

do Estado, considerado principal garantidor dos Direitos Humanos.

[...] os Direitos Humanos aspiram hoje a um reconhecimento mundial e podem mesmo ser considerados como um dos pilates fundamentais de uma emergente política pós-nacional. A reemergência dos Direitos Humanos é hoje entendida como sinal do regresso do cultural e até mesmo do religioso. Ora, falar de cultura e de religião é falar de diferença, de fronteiras, de particularismos (SANTOS, 2009, p. 11).

A história dos Direitos Humanos no período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial nos leva a concluir que as políticas de Diretos Humanos estiveram em geral a serviço dos interesses econômicos e geopolíticos dos Estados capitalistas hegemônicos. Um discurso generoso e sedutor sobre os Direitos Humanos coexistiu com atrocidades indescritíveis, as quais foram avaliadas de acordo com revoltante duplicidade de critérios (SANTOS, 2009, p. 14).

1.6 JUSTIÇA E PAZ

Sob uma ótica geral, e atribuindo um conceito pessoal da autora sobre justiça, pode-se afirmar que a palavra justiça é usada como a ideia central de ‘virtude de atribuir a cada um, o que é seu. É a faculdade de premiar ou punir, em conformidade com o Direito’.

Na mitologia romana, a justiça é representada por uma deusa empunhando uma espada, símbolo de poder, e tendo à mão uma balança, símbolo do equilíbrio, e com os olhos vendados, indício da imparcialidade. De acordo com estudos de filosofia jurídica, pode-se afirmar basicamente que justiça é a atribuição da igualdade das relações entre particulares, de modo a adequar-se coisa a coisa, para a realização de uma verdadeira igualdade aritmética.

Ao analisar os conceitos anteriores, todos são imediatamente lançados a um outro conceito de importância igual, ou maior, o de paz. Afinal, só há justiça verdadeiramente quando há a cessação da hostilidade, e podemos nos referir, mesmo que sob sua égide, à existência da possibilidade de tranquilidade social e sossego.

Para os filósofos gregos, paz era algo caro. Ainda que pareça contraditório, a guerra tinha por sentido último e finalidade precípua atingir a paz. Neste sentido, a condenação de Sócrates, sob o ponto de vista dos acusadores, era nada mais, nada menos que a busca da paz diante dos conflitos que a filosofia instalava na cidade.

A paz como ausência do conflito e a cultura do bem é também construído na Pólis. A sociedade deve almejar em todos os seus atos a construção da paz,

evitando o mal, o conflito, o crime e a violência. E caso haja tais ocorrências, deve o povo agir rapidamente para a reconstrução social da paz.

Fato social é toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais (DURKHEIM, 2001, p. 40).

Logo, dentro dos parâmetros apontados anteriormente, deve-se sempre estabelecer estes conceitos de forma interdependente, pois a justiça pode ser vista como um processo que se realiza através de uma caminhada de transformação e não da substituição; da maturação, da paz e não da violência.

Adriano Sella (2006), em seu livro A justiça: novo rosto da paz, explica muito bem esta relação entre a justiça e a paz, ressaltando que este encontro não apenas teórico, mas também prático, hoje, está consolidado, É a percepção de que a paz deve ser construída percorrendo-se os caminhos da justiça social, embora ainda sobrevivam de fato – e em vários níveis – restos da velha mentalidade, que às vezes fazem ressurgir ideias com um tom de resignação ou de submissão do mais fraco ao mais forte. Entende-se que a verdadeira paz não é tanto a ausência de conflitos ou submissão à ordem imposta, mas transformação de pessoas, dos seres vivos e dos seus sistemas e estruturas.

A partir de um estudo antropológico, a percepção desta necessidade nasce do senso moral, na perspectiva psicológica da consciência e no aspecto teológico daquilo que denomina de santuário interior. A cultura, todavia, sempre influencia os critérios de aprovação ou reprovação de uma conduta, daí decorre também o senso de justiça.

Uma pessoa se sente ofendida a partir de seu senso de justiça. Assim, quando ofendida, cria-se uma barreira entre ela e o ofensor. A necessidade de justiça que tal pessoa tem para reparar a ofensa serve como pressuposto ou como base para o sistema judiciário.

Caso tento violar as regras do direito, elas reagem contra mim de modo a impedir o meu ato, se ainda for possível, ou a anulá-lo e a restabelecê-lo sob a sua forma normal, se já executado e reparável, ou a fazer-me expiá-lo se não houver outra forma de reparação. E caso trate de máximas puramente morais? A consciência pública reprime todos os atos que se ofendam através da vigilância que exerce sobre o comportamento dos cidadãos e das penas especiais de que dispõe. Em outros casos, a coerção é menos violenta, mas não deixa de existir. Acaso não me submeto às

convenções da sociedade, se, ao vestir-me, não tenho em conta os usos seguidos no meu país e na minha classe, o riso que provocou e a aversão que suscito produzem, ainda que de uma maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. Em outros casos, a coerção não é menos eficaz por ser indireta (DURKHEIM, 2001, p. 32).

A justiça pode dar um senso de satisfação a quem foi ofendido, porém não recupera as relações pessoais. Muitas vezes, um sincero pedido de desculpas e uma mudança de atitude são mais eficazes na reconstrução do relacionamento pessoal.

O pecado, o perdão e a Justiça Restaurativa não podem ser explicados pelo simples sentimentalismo, mas devem ser contextualizados dentro dos princípios que sustentam o Estado Democrático de Direito, vislumbrando sempre o tripé firmado pela Revolução Francesa, de igualdade, liberdade e fraternidade.

Alterar ou inovar regras do sistema judicial, particularmente aqueles que adentram a seara da pena e do crime, é algo muito delicado para o Estado Contemporâneo, e primordialmente para o chamado Estado Democrático de Direito.

Retomando ideias do Professor Pedro Scuro Neto, Rosa (2004, p. 54) afirma que:

O paradigma da Justiça Restaurativa não representa uma panaceia, um remédio para todos os males do modelo retributivo. Mas introduz novas e boas ideias, como a necessidade de a Justiça assumir o compromisso de reparar o mal causado às vítimas, famílias e comunidades, em vez de se preocupar apenas com punir proporcionalmente os culpados”

Para o escritor inglês Tony Marshall (2005), Justiça Restaurativa “é um processo onde as partes envolvidas por um determinado erro ou delito encontram-se para resolver coletivamente como lidar com as consequências do fato e com suas implicações futuras.” Os infratores poderão restaurar suas próprias reputações através da reparação e estarão mais habilitados a uma reintegração plena à sociedade tendo resolvido sua culpa através desse caminho.

Falar sobre Justiça Restaurativa é colocar em ação escolhas cotidianas mediante as quais seja possível construir relações humanas baseadas na justiça, no respeito aos direitos alheios, ou seja, no compromisso com a construção da dignidade humana para todos.

Para que haja mudança social são necessárias condições objetivas e condições subjetivas. São condições objetivas: a conjuntura internacional e nacional, a crise econômica, a incompatibilidade entre o desenvolvimento

das forças produtivas e as atuais relações de propriedade, o desemprego, a aguda contradição entre as classes, o desgaste político do governo. Enfim, tudo aquilo que, independente da nossa vontade, concorre para tornar patente a necessidade da mudança. São condições subjetivas: a consciência política do povo, os partidos comprometidos com a transformação, a organização popular, a vanguarda em condições de orientar o processo de mudança. É a soma das condições objetivas e subjetivas que modificam a realidade (RIBEIRO, 1999, p. 94).

Ao longo deste trabalho debruçar-se-á sobre ideias atuais, que surgem com a intenção de que a paz repouse sobre a justiça, através do compromisso diário com a defesa e a promoção dos direitos humanos, ou seja, a implantação de um modelo de justiça que ultrapasse a ideia de crime-castigo, mas que de uma forma consciente consiga alcançar resultados positivos para vítima e réu. É o retrato da inovação sugerida pela chamada Justiça Restaurativa, que se propõe a investigar o delito cometido e a punição aplicada ao réu dentro do Estado Democrático de Direito, ou ainda, a estruturação de Cortes Especiais com a finalidade de sua implantação.

No documento Download/Open (páginas 55-58)