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AMOR AO PRÓXIMO, PERDÃO E ÉTICA

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Se com o cristianismo o amor é entendido, de um lado, como relação ou um tipo de relação que deve estender-se a todo ‘próximo’, de outro, transforma-se em um mandamento, que não tem conexões com as situações de fato e que se propõe a transformar essas situações e criar uma comunidade que ainda não existe, mas que deverá irmanar todos os homens: o reino de Deus. O amor ao próximo transforma-se no mandamento da não-resistência ao mal (Mt, 5,44), e a parábola do bom Samaritano (Lc, 10,29-37) tende a definir a humanidade à qual o amor deve dirigir-se, não no seu sentido composto, mas no seu sentido dividido, como cada pessoa com quem cada um entre em contato, faz apelo à solicitude e ao amor do cristão.

Diante disso, pode-se estabelecer uma relação entre amor e perdão. Sendo este último caracterizado por um processo mental ou espiritual de cessar o sentimento de ressentimento ou raiva contra outra pessoa, ou contra si mesmo, muitas vezes advindo de discussões, divergência de opiniões, erros, fracassos, ou até mesmo um castigo.

Além disso, na concepção cristã, o próprio Deus responde com amor ao amor dos homens; por isso, seu atributo fundamental é o de ‘Pai’. As epístolas de Paulo, identificando o reino de Deus com a Igreja e considerando a Igreja o ‘corpo de Cristo’, cujos membros são os cristãos (Rm 12,5), fazem do amor o vínculo da comunidade religiosa, a condição da vida cristã. Todos os outros dons do Espírito, a profecia, a ciência, a fé, nada é sem ele. “O amor tudo suporta, em tudo crê, tudo espera, tudo sustenta. Agora há fé, esperança, amor, três coisas; mas o amor é a maior de todas” (1Cor 13,7-13).

Hans Kelsen de forma clara comenta o preceito de amor ao próximo:

Se a exigência: a cada um segundo as suas necessidades, se dirige, não à autoridade legisladora, especialmente, não ao legislador, mas a todo e qualquer indivíduo, e se com ela se quer traduzir uma norma que prescreve como cada um se deve conduzir em face dos demais, como deve tratar qualquer outra pessoa, então tal exigência torna-se preceito do amor do próximo. Nesse caso, porém, também o círculo das necessidades que hão de ser satisfeitas sofre um estreitamento essencial. O preceito do amor do próximo apenas exige que libertemos o que sofre dos seus sofrimentos, que minoremos ou suavizemos os seus males, e especialmente, que ajudemos quem está necessitado. Tal como na exigência geral: devemos satisfazer as necessidades dos outros, também no preceito do amor do próximo, isto é, na exigência especial que manda satisfazer a necessidade de outrem, libertá-lo do sofrimento, prestar-lhe ajuda quando necessitado, a necessidade pode ser entendida num sentido subjectivo ou num sentido objectivo (KELSEN, 1963, p. 58 e 59).

Quanto ao perdão, pode-se dizer que é um ato intrínseco aqueles que respeitam seus semelhantes. Estando sob a lei, ou sob a graça, as pessoas continuarão a pecar, isso é fato. Porém o possuidor de sentimentos voltados para o amor ao próximo, em uma atitude nobilitante, livrará o ofensor do pecado, libertando- o de sua culpa. Este é o sentido pelo qual Deus “esquece” quando perdoa (Hb 8,12). Ele liberta a pessoa perdoada da dívida do seu pecado, isto é, cessa de imputar a culpa desse pecado à pessoa perdoada (Rm 4,7-8).

Paulo escreve que toda lei é cumprida (peplerotai) em um só mandamento: “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (5,14; Lv. 19, 18). O que Paulo diz

aqui lembra sua anterior advertência de que os que se deixam circuncidar estão obrigados a fazer (poiesai) toda a lei (5,3). Com efeito, ele estabelece um contraste entre os que estão sob a lei de Moisés e os que foram libertados dela. Enquanto os primeiros devem cumprir toda a lei, os últimos realizam suas exigências mais profundas através do mandamento do amor. Ao escrever que toda a lei é cumprida pela observância do mandamento do amor ao próximo, Paulo se refere ainda à lei mosaica. Os que não mais estão sob a lei porque foram libertados dela, continuam a cumprir a lei. Assim como a promessa de Deus encontrou cumprimento em Cristo, a lei encontra seu cumprimento no mandamento do amor. Porque a essência do que requer a lei encontra-se no mandamento de amar ao próximo (MATERA, 1999, p. 223).

Em Agostinho, o amor a Deus e o amor ao próximo unem-se quase formando um conceito único. Amar a Deus significa amar o amor; mas, diz Agostinho, “não se pode amar o amor se não se ama quem ama”. Não é amor o que não ama ninguém. Por isso, o homem não pode amar a Deus, que é o amor por excelência, se não amar o outro homem. O amor fraterno entre os homens “não só deriva de Deus, mas é Deus mesmo”. É a revelação de Deus, em um de seus aspectos essenciais, à consciência dos homens (ABBAGNANO, 1998, p. 41).

Para Tomás de Aquino há um amor natural e um amor intelectual. O amor natural é também um amor reto, por ser uma inclinação posta por Deus nos seres criados; mas ao amor intelectual, que é caridade e virtude, é mais perfeito do que o primeiro, e, portanto, ao se acrescentar a ele aperfeiçoa-o, do mesmo modo como a verdade sobrenatural se acrescenta à verdade natural, sem se lhe opor, e a aperfeiçoa. Quanto ao amor intelectual, isto é, à caridade, esta é definida por Tomás de Aquino como “a amizade do homem por Deus”, entendendo-se por amizade, segundo o significado aristotélico, o amor que está unido à benevolência, ou seja, que quer o bem de quem se ama, e não quer simplesmente apropriar-se do bem que está na coisa amada, como acontece com quem ama o vinho ou determinado tipo de comida.

A fraternidade supõe não só a benevolência, o perdão, como também o amor mútuo e, assim, funda-se em certa comunicação que, no caso da caridade, é a do homem com Deus, que nos comunica a sua bem-aventurança. Essa comunhão é, segundo Tomás de Aquino, o que há de próprio no amor, que é uma espécie de união ou vínculo de natureza afetiva semelhante à união substancial, porquanto quem ama comporta-se em relação ao amado como em relação a si mesmo. Para ele “amar” significa querer o bem de alguém, o amor pertence à vontade de Deus e a constitui (ABBAGNANO, 1998, p. 42).

Eliminamos a lei? [...] Paulo pergunta: “Eliminamos a lei através de fé?” (3,31). Empregando uma expressão favorita: “De modo algum!” (me genoito), responde enfaticamente que “Não!” pelo contrário seu ensinamento acerca da fé mantém o mais profundo sentido da lei (Allá nomon histanomen). Para explicar o que quer dizer, Paulo apresenta uma exegese nova de Gn 15, 6: “Abraão creu em Deus, e foi-lhe contado como justiça”. Na primeira metade do capítulo 4 (VV. 1-12), ele explica que Deus contou como justiça para Abraão antes de ele ter sido circuncidado, com base na fé antes que em suas obras. Depois, na segunda metade do capítulo (VV. 13-25), descreve a fé de Abraão como fé incipiente na ressurreição (MATERA, 1999, p. 247).

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