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2. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS PRODUTORES INTEGRADOS

2.7. A crise agrícola e os novos perfis dos agricultores

Como dito anteriormente, o resultado total da produção cafeeira na Zona da Mata já não era tão expressivo após os anos de 1930. Entretanto, Prates, citado por Valverde (1958) afirma que o processo de beneficiamento tanto do café quanto do arroz, estava em vias de modernização já na segunda metade do século XX. Ainda neste período era permitido, especificamente na cultura do café, o cultivo de alguns grãos, como milho e feijão, entre as fileiras do cafezal. Apesar disso, a avaliação agronômica era de que esta prática comprometia a produção, prejudicando o desenvolvimento das culturas, provocando problemas de natureza econômica e social.

Diante destas características agrícolas apresentadas acima, surgem vários núcleos populacionais rurais modestos e estes vão, em certa medida, absorver a força de trabalho que anteriormente destinava- se ao cultivo do café. O que se esperava era que ambos, fazendeiro e estes trabalhadores rurais, prosperassem. Na prática não foi o que aconteceu. Através da avaliação feita pelo relato de Carneiro, citado por Valverde (1958, p. 35),

o mal básico do sistema de meação é que ele agrilhoa o lavrador à empreitada do fazendeiro. [...] quando uma lavoura vai mal, por um motivo qualquer (más colheitas, superprodução, geadas, etc.), o fazendeiro tem, geralmente, reservas e crédito suficientes para superar a dificuldade, porém o meeiro é levado à bancarrota e à fome. [...] não havendo salário, o lavrador e sua família dependem, para viver, de adiantamentos entregues pelo fazendeiro, o qual geralmente os faz não em dinheiro, mas em espécies, na venda da fazenda, a preços quase sempre exorbitantes (sistema de barracão ou vales).

O que ocorreu na verdade foi a formação de um grupo social que serviu como força de trabalho dependente das fazendas e disponível aos fazendeiros da região, esta característica, possivelmente, se estenderia

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aos seus filhos e demais descendentes. A Zona da Mata herdou o modelo de trabalho do Vale do Paraíba, onde os braços disponíveis, como os ex- escravos (que trabalhavam por diária, na maioria das vezes) e os proprietários de pequenas parcelas de terra, representavam uma força de trabalho, em parte, desorganizada e de má qualidade. Não por falta de vontade, mas pela parca administração e organização das fazendas e também pela própria estrutura social que foi sendo constituída na região. Esta realidade diferia nitidamente do que ocorria nas fazendas paulistas, onde “imperava a disciplina”. (DENIS apud VALVERDE, 1958, p. 36).

O que percebe-se é que o colapso econômico gerado pela crise do café nos anos 1930 impeliu os produtores da Zona da Mata a buscarem alternativas produtivas a fim de garantirem produção e renda. Alguns produtores encontravam dificuldades em produzir em solos já empobrecidos devido ao seu uso intensivo. Uma das alternativas encontradas pelos cultivadores de café foi ocupar as áreas mais elevadas dos terrenos, visto que a predominância do relevo montanhoso não lhes oferecia muitas opções de áreas melhores para o cultivo. Evidentemente que esta estratégia aplicada ao cultivo não resolveu o problema, mas sim tornou a lavoura muitas vezes improdutiva porque a área de latossolos (mais elevada) é menos apta às práticas agrícolas. (REZENDE; REZENDE apud SOUZA et al., 2009; GOMES apud SOUZA et al., 2009). Se por um lado estava ocorrendo a decadência da agricultura, por outro havia uma expansão da produção do leite. Esta, apesar de ter progredido em ritmo lento, permitia uma exportação expressiva para o Rio de Janeiro, tornando assim a pecuária leiteira mais lucrativa. A criação de gado na Zona da Mata em meados do século XX, primeiramente serviu ao abastecimento de carne e de leite, suprindo assim as necessidades da fazenda. As populações rurais da região de Ubá e Viçosa, por exemplo, eram extremamente pobres neste período e a maioria era constituída de criadores de gado de leite e de corte, que também cultivavam um pouco de café, milho e açúcar. Especificamente, na cidade de Ubá era cultivado o fumo. (VALVERDE, 1958, p. 63).

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Durante a década de 1970, segundo estudo do BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais) houve um avanço significativo da produção industrial no Estado. No entanto, a mesorregião da Zona da Mata não foi contemplada com esse crescimento. O PRODEMATA (Programa de Desenvolvimento Rural Integrado da Zona da Mata) foi instituído com o objetivo de dinamizar a produção agropecuária principalmente naquelas áreas ocupadas pelos produtores rurais possuidores de pequenas parcelas de terras. Todavia, este programa não obteve êxito. (NETO; DINIZ, 2010).

Tratando da estagnação econômica da Zona da Mata na década de 1970, os autores acima consideraram que,

Alguns projetos de desenvolvimento são levados a cabo; entretanto, o processo de decadência e estagnação é evidente na Zona da Mata, com o agravante da região apresentar crescentes níveis de heterogeneidade regional, compreendendo microrregiões e municípios de relativa afluência, ao lado de áreas deprimidas, com indicadores sociais comparáveis às regiões mais pobres do Estado. (NETTO; DINIZ, 2010, p. 2).

A estagnação econômica é, para os autores, consequência da heterogeneidade da Zona da Mata e do considerável desmembramento dos municípios compostos, em sua maioria, por populações próximas a 10.000 habitantes, o que compromete efetivamente a capacidade de investimentos dos mesmos. Neste caso, o Estado e a Federação tornam- se responsáveis pela distribuição dos recursos. A Zona da Mata é identificada pelos autores acima citados como uma região inequivocamente estagnada, marcada por um modesto crescimento econômico e por baixos índices de qualidade de vida. (NETTO; DINIZ, 2010, p. 21).

Apesar das considerações apresentadas, referindo-se ao atraso econômico da Zona da Mata Mineira, Castro e Soares (2010) afirmam que no início do século XXI, o PIB (Produção Interna Bruta) da Zona da Mata se elevou, alcançando o 4º lugar em todo o Estado de Minas.

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2.8. A modernização da agricultura brasileira

Faz-se necessário contextualizar o processo da modernização da agricultura com outros aspectos que permearam o mundo neste período, uma vez que alteraram significativamente o modo de viver e as relações sociais da sociedade contemporânea. Segundo Müller (1989, p. 33), a moderna comercialização norteada pela dinâmica capitalista, num primeiro momento, estimulou muitos produtores que viram como viável o processo de aumento da oferta de produtos agropecuários destinados à agroindústria. Primeiramente pelo fato de serem eles mesmos os empreendedores do seu próprio negócio. O segundo fato - diga-se economicamente viável - era que o aumento da oferta de produtos estimularia a demanda e os preços, evidentemente, tornar-se-iam mais competitivos. De acordo com este autor, em meados dos anos 1960, ocorre um aumento considerável de agroindústrias no Brasil, notadamente dependentes da produção agropecuária. Já no final da década de 1970, as relações entre indústria e agricultura apresentavam um elevado grau de integração intersetorial e, algumas destas empresas, que seguiam os padrões internacionais tanto de produção quanto de comercialização, migraram do processo de produção “artesanal- manufatureiro” ao “industrial”. A reação na agropecuária brasileira foi de aumento do consumo de insumos industriais, visando atender às demandas da agroindústria. A este processo de integração indústria- agricultura, denomina-se CAI, “complexo agroindustrial”. (MÜLLER, 1989, p. 18).

A constituição do “padrão agrário moderno” sob a forma de complexo agroindustrial distingue-se do “padrão agrário latifúndio- minifúndio” predominante no Brasil até 1930. O padrão agrário moderno é definido da seguinte forma:

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[...] é a expressão da aplicação das conquistas da ciência moderna na agricultura e das novas formas de organizar a produção rural. E uma de suas mais importantes consequências é a supressão do divórcio entre agricultura e indústria e entre campo e cidade. (MÜLLER, 1989, p. 18).

Este mesmo autor afirma ainda que o capital ao se apoderar da agricultura no Brasil fez com que as conquistas da ciência e da tecnologia na agricultura provocassem uma revolução na organização rural. Assim sendo, Müller conclui que,

[...] o capital se apodera da agricultura, inicialmente, pelas vias da circulação e, posteriormente, revolucionando seu modo de produzir. [...] (as agroindústrias) se modernizam técnico- economicamente e pressionam a agricultura em termos de fornecimento de matérias primas. (MÜLLER, 1989, pp. 27 e 33, grifo nosso).

A modernização citada favoreceu o desenvolvimento da modalidade produtiva conhecida como “integração vertical”, onde os produtores agropecuários integrados à agroindústria destinam sua produção ao beneficiamento industrial da matéria prima que produzem. Os produtos finais das agroindústrias destinam-se aos mercados e aos grandes distribuidores (como as redes de supermercados, por exemplo), passando então a organizar a produção e a distribuição dos produtos advindos da agricultura. (MÜLLER, 1989).

Essas bruscas alterações ocorreram em diversas partes do mundo. Analisando a situação francesa, Coulomb, citado por Wanderley (2009, p. 10), afirma que “a agricultura foi subordinada ao projeto de industrialização” e a modernização da agricultura muito contribuiu para que este fato se fortalecesse, uma vez que existe forte relação de dependência muito bem estabelecida entre a agricultura e os insumos industriais. O que ocorria naquele momento da história europeia (período pós Segunda Guerra Mundial) era a necessidade de assegurar a autossuficiência em produtos agrícolas e, para tanto, fez-se necessário

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investir na eficiência do setor produtivo, expressando-se no modelo de desenvolvimento agrícola de modernização em que a base era a adoção de sistemas intensivos de produção e a inserção efetiva à economia de mercado.

Nesse contexto do capitalismo mundial, a agricultura nacional foi paulatinamente perdendo suas características mais tradicionais e acreditava-se que o entrave industrial brasileiro era devido ao atraso característico da agricultura. No entanto, durante o período denominado Milagre Brasileiro (de 1967 a 1973) houve um suposto desenvolvimento econômico. Pensava-se que a questão agrária havia sido resolvida por causa do aumento considerável da produção agrícola. Esse fato ocorreu com produtos específicos como, por exemplo, os cultivos de soja e café. Neste caso, uma elite agrária foi beneficiada através das exportações e muitos produtores de pequeno e médio porte foram penalizados. (GRAZIANO DA SILVA, 1981).

A modernização agrícola, neste sentido, atinge de forma bastante especial parcelas dos produtores rurais que não tiveram as condições consideradas inicialmente favoráveis ao processo de mudança tecnológica. Estes produtores entram na cadeia produtiva fornecendo, dentro dos padrões impostos, a matéria prima necessária ao processamento industrial. Na Zona da Mata Mineira, assim como em outras regiões do país, a modalidade produtiva vertical incorporou essencialmente aqueles produtores rurais de base familiar e proprietários de pequenas parcelas de terra, que serão dominados a partir do contrato com a agroindústria integradora de produtores integrados.

De acordo com Paulilo (1990), a produção integrada é definida como,

Uma forma de articulação vertical entre empresas agroindustriais e pequenos produtores agrícolas, em que o processo de produção é organizado industrialmente, ou mais próximo do possível desse modelo, com aplicação maciça de tecnologia e capital. [...] Os produtores integrados são aqueles que, recebendo insumos e orientação técnica de uma empresa agroindustrial, produzem matéria-prima exclusivamente para ela. (PAULILO, 1990, p. 19, grifo nosso).

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Portanto, a produção integrada se insere efetivamente no quadro econômico capitalista brasileiro, quando se exigia da agricultura uma produção mais intensiva e mais padronizada, e neste contexto, insere-se o produtor integrado da Zona da Mata Mineira, como analisado a seguir.