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2. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS PRODUTORES INTEGRADOS

2.6. A importância do trabalho escravo

Segundo Carrara (2007), no decorrer do século XIX, a economia mineira caracterizou-se por um número incontável e crescente de pequenos e médios lavradores, que aplicavam o lucro de suas produções em escravos. Dentre esses lavradores, havia uma elite agrária, possuidora das “unidades escravistas” que, naquele momento, eram responsáveis pela maior parte da produção agrícola da província de Minas Gerais. Estas unidades escravistas concentraram-se na Zona da Mata Mineira até o período final da escravidão. (CARRARA, 2007, p. 273). Este fato no Brasil repercutiu sobremaneira na forma de se produzir na Zona da Mata.

Era a grande novidade trazida pelo século XIX: esse mesmo solo que a Província herdava da Capitania iria em breve começar a ter suas estruturas de produção agrária de tipo antigo, de baixo nível técnico e com elevadas exigências sobre os músculos humanos, corroídas por um modo material de produção novo, que penetraria inexoravelmente por todos os poros da economia – o modo de produção capitalista. (CARRARA, 2007, p. 273).

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Grande parte do trabalho demandado pelas atividades agrícolas na Zona da Mata Mineira, tanto na produção de café como dos outros cultivos (como feijão, arroz e milho), era realizado pelos escravos11. O uso

agrícola do solo, principalmente com o café, ocorreu imerso aos fatores culturais, dentre eles, a plantação em declive, sem curvas de nível, técnicas rudimentares de utilização do solo como, por exemplo, as queimadas. (OLIVEIRA apud SOUZA et al., 2009, p. 7).

O meio de transporte utilizado para transportar mercadorias neste período era essencialmente os animais de carga. Toda produção de café era enviada por essas tropas de muares até os portos. Somente a partir da segunda metade do século XIX é que se constroem as primeiras linhas férreas como a estrada carroçável União e Indústria (que ligava Juiz de Fora-MG à “raiz da serra” de Petrópolis-RJ, favorecendo o crescimento industrial desta cidade mineira) e a ferrovia de Três Rios-RJ, próxima à Zona da Mata Mineira reduzindo, assim, o transporte feito por muares. O uso das linhas férreas facilitava sobremaneira a circulação das mercadorias e, por isso, promoveu também a ampliação da frente pioneira. Apesar de a rede de ferrovias ter crescido, esta ocorreu de forma desordenada, decorrente da ausência de um planejamento único, já que várias empresas privadas independentes agiam de forma desarticulada. O relevo regional irregular, bastante acidentado, também foi um fator limitante para uma maior expansão do sistema ferroviário. (VALVERDE, 1958).

Apesar destas limitações, o resultado na produção de café ocorreu de forma satisfatória, uma vez que havia um importante mercado consumidor externo e, por isso, o alto preço deste produto durante muitos anos foi um grande atrativo para o aumento das áreas de cultivo. De acordo com Valverde (1958, pp. 30-32), ao mesmo tempo em que as

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De acordo com o Censo de 1872, da população de um milhão e meio de escravos no Brasil, na região de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro concentravam oitocentos e vinte mil. Minas Gerais era a primeira em número de cativos (370.000). A Zona da Mata constituía-se na principal região agrícola de Minas Gerais, portanto, acredita-se que nesta região havia uma margem considerável de escravos. (VALVERDE, 1958, p. 31).

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linhas férreas favoreceram o transporte do café, os fazendeiros deparavam com a falta de força de trabalho. Nesse sentido, a partir da segunda metade do século XIX ocorreu a proibição do tráfico de escravos, o que dificultou a entrada das populações africanas que se tornariam cativas no Brasil. Para suprir esta carência de força de trabalho, os fazendeiros criaram novas alternativas como os regimes de meação e o sistema de diaristas. Mesmo com o fim da escravidão, em 1888, a marcha do povoamento se manteve na Zona da Mata e os trilhos férreos se estenderam até o nordeste desta região no fim de 1915. Ao ser realizado o primeiro censo agrícola em 1920, constatou-se que a produção cafeeira da Zona da Mata correspondia a 40% da produção mineira. Somente a partir de 1930 é que, de fato, os transportes rodoviários se desenvolveram quando foi construída a Rio-Belo Horizonte, que inclusive aproveitou o traçado da União e Indústria. Notadamente estes avanços relativos aos meios de transporte favoreceram o tanto o transporte quanto o comércio do café.

Segundo os registros de Prates, citados por Valverde (1958), a queda da produção cafeeira deveu-se, entre outros fatores, à má utilização do solo, devido às práticas de cultivo inadequadas. Como alternativa a esta situação, as terras, já esgotadas, foram sendo ocupadas pela pecuária, pela produção de arroz, de cana de açúcar, de fumo, entre outros cultivos. Como exemplo desta situação na região, as cidades de Visconde do Rio Branco e Ubá passaram a desempenhar importante papel na produção de cana de açúcar e fumo, respectivamente. A esse respeito, o autor diz que,

Mais de 1/3 da área de Ubá estava em capoeiras e capoeirões; se a estes juntarmos os samambaias e taquarais, e também os pastos e capinzais, perfaremos mais de 50% da área total do município. Os cafezais ubaenses estavam, na maioria, em começo de decadência, a produção de cana diminuindo, mas em compensação, as de milho e arroz e fumo, em aumento. (PRATES apud VALVERDE, 1958, p. 34).

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Além de Ubá, os municípios de Rio Pomba e Rio Novo também cultivavam o fumo. A cidade de Carangola estava, no início do século XX, com uma produção de fumo também bastante expressiva. Já na parte oeste da Zona da Mata, especificamente em Ponte Nova, havia ainda muitas matas virgens, bons pastos, engenhos e cafezais rentáveis. As dificuldades desta região da Zona da Mata eram a falta de força de trabalho para a lavoura e, apesar de alguns avanços, os precários meios de transporte. No entanto, o que era possível observar, de fato, é que a produção cafeeira alterou as práticas agrícolas da região, assim como a paisagem, a economia e a vida em sociedade. Esta produção cafeeira na região não ocupava extensas fazendas como as do planalto paulista. Junto a essa aristocracia mineira, os produtores de café de São Paulo passaram a controlar a economia e a política de todo país até o final da República Velha (ano de 1930). (VALVERDE, 1958, pp. 30-35).

Mesmo com as devidas dificuldades relativas ao cultivo e comercialização do café, de acordo com Prates, citado por Valverde (1958, p. 30), a Zona da Mata ainda era constituída, nos anos 1940 e 1950, por estabelecimentos rurais destinados à produção cafeeira, em que a administração era exercida por fazendeiros que faziam parte da elite política. Entretanto, desde a crise de 1929, o governo brasileiro começa paulatinamente a eliminar os cafezais nas diversas regiões do país. Assim, os antigos cafezais começaram a ser substituídos por outros cultivos e pela pecuária de leite e corte. Parte dos agricultores voltou a cultivar café pós 1960, já dentro de um novo modelo agrícola, orientado pelo uso do pacote tecnológico. A alternativa para muitos produtores agrícolas da região, a partir da segunda metade do século XX, foi a diversificação da produção agropecuária.

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