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Dissolução das sociabilidades tradicionais e a maior aproximação

4. ESPAÇOS FORMAIS DE SOCIABILIDADE

5.7. Dissolução das sociabilidades tradicionais e a maior aproximação

As longas jornadas de trabalho ritmadas pelas exigências da criação das aves, as diferentes formas de convívio social, as distintas organizações do grupo familiar, a perda da autonomia produtiva dos agricultores, são alguns dos fatores que têm influenciado no perfil das sociabilidades dos produtores integrados. Os novos comportamentos, os novos valores, são decorrentes, principalmente, das relações estabelecidas com a empresa integradora. Esta dimensão econômica da vida destes agricultores implica em profundas mudanças sociais no âmbito de todo o grupo doméstico. Isto faz lembrar, novamente,

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Cândido (1977) em sua análise sobre o caipira71 de São Paulo, em

meados do século XX.

Querendo conhecer os aspectos básicos, necessários para compreendê-lo, cheguei aos problemas econômicos e tomei como ponto de apoio o problema elementar da subsistência. (CÂNDIDO, 1977, p. 9).

Como já dito, a proposta desta dissertação é analisar as novas relações com a indústria e seus aspectos e interferências nas antigas formas de sociabilidade, mas também buscar identificar as novas que foram criadas pelos integrados na tentativa de perceber os habitus que são construídos.

Observou-se nesta pesquisa que a produção integrada na região tem desenvolvido alguns padrões de sociabilidade, marcados pela sujeição à agroindústria. Desta forma, estes agricultores perdem significativamente sua autonomia produtiva e controle sobre o seu tempo. O produtor integrado e, inclusive sua associação, têm uma relação de sujeição à agroindústria. Muito próximo ao que prevalece nas relações sociais existentes dentro das empresas, como já foi dito anteriormente. Vota-se nesta questão por considerá-la algo atípico, uma vez que o sujeito explorado também é proprietário da terra, da força de trabalho e do capital necessário aos gastos com a modalidade de integração. É esta condição, entretanto, que o habilita a ser procurado pela empresa integradora a fim de estabelecer o Contrato de Integração e de realização da sujeição. E, neste contexto, constrói e redefine suas sociabilidades.

Para Simmel (2006), a sociabilidade é algo inerente e originada através das formas sociais que surgem dos muitos arranjos entre os atores sociais acionados pelos propósitos, impulsos e vontades que permeiam uma determinada sociedade.

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Este termo foi utilizado por Cândido (1977) correspondendo à cultura camponesa. Termo empregado por alguns arqueólogos, etnógrafos e historiadores europeus. No caso brasileiro, caipira exprime um modo de ser, um tipo de vida, nunca um tipo racial. (CÂNDIDO, 1977, p. 22).

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A partir das reflexões de sociabilidade (SIMMEL, 2006), pôde-se entender as relações dos integrados com a agroindústria e com outras instâncias da vida social. Ao se ajustarem à mudança extrema em seus processos produtivos, estes agricultores podem se inserir em novos conflitos tanto materiais quanto simbólicos. (BOURDIEU, 2004).

Para entender as formas de sociabilidade, Bourdieu (2004) corrobora com a ideia de práticas sociais. Estas práticas não derivam das forças das estruturas nem da intenção natural dos indivíduos. A prática social é

[...] um produto de uma relação dialética entre uma situação e um habitus, entendido como um sistema de disposições duráveis e transmissíveis, integrando todas as experiências passadas, e funciona em dado momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações, e torna possível materializar infinitas tarefas diferenciadas, graças à transferência analógica de um esquema adquirido em práticas anteriores. (BOURDIEU, 1983, p. 65).

Como já foi citado anteriormente, a utilização do conceito de habitus de Bourdieu abriu caminho para compreender as permanências e rupturas de sociabilidades que ocorreram a partir das antigas e novas formas de interações sociais as quais constituíram a vida e os espaços sociais dos produtores integrados da Zona da Mata Mineira.

Desta forma, foi possível reconhecer o que simbolicamente fora construído na dinâmica das relações entre os indivíduos e também entre estes e as aves destinadas à integração. Portanto, verificou-se como foram diminuindo as relações de sociabilidade entre homens e homens e como os produtores integrados foram paulatinamente aproximando-se cada vez mais dos animais, visto que a integração exige este estar junto por mais tempo.

Sendo assim, as aves acabaram, de certa forma, ocupando o lugar de um animal de estimação (proibido nas imediações da granja, ou seja, nas casas, assim como galinhas caipiras), ou até de uma pessoa mais próxima, uma vez que não há tempo suficientemente disponível para o

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lazer (ou para o não trabalho) e mesmo para a convivência fora da propriedade. Nota-se que a preocupação com as aves, o receio de machucá-las no momento da “apanha”, o cuidado para que não sintam frio e os demais manejos, caracterizam uma relação muito mais íntima do que se espera, a princípio, com animais que são destinados ao abate e criados em enorme quantidade.

Ressalta-se que é vedada a visita de estranhos à propriedade. Inclusive ao entrar em contato com a empresa em um dado momento da pesquisa de campo o coordenador dos supervisores questionou o pesquisador quanto à autorização por terem sido visitadas às residências dos produtores integrados. Dizendo que este era um procedimento indesejável pela empresa. A resposta foi que estavam sendo visitadas as pessoas e não as aves, portanto não era um trabalho cujo objetivo era reconhecer características da criação em si, mas dos envolvidos nela. Mesmo assim, a conversa com este profissional da Pif Paf não foi muito amigável. Este aspecto relacionado ao controle de visitas às famílias e, evidentemente, às granjas pode ser notado mais especificamente na ilustração abaixo, retirada em uma das propriedades à época da pesquisa de campo.

Ilustração 15 - Placa restritiva às pessoas estranhas à criação. Fonte: Dados da pesquisa, 2012.

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O que se pretende sugerir com esta análise é que ao diminuir os vínculos de sociabilidade com os homens, haja vista que a integração exige maior tempo disponível aos frangos e menos tempo ao desenvolvimento das sociabilidades com os seres humanos, os produtores integrados acabam desenvolvendo mais proximidades com as aves. Ademais, os espaços formais de sociabilidade constituídos principalmente após a vinculação à agroindústria, como a AVIZOM, é um espaço potencial, mas, de fato, pouco utilizado pelos integrados. Ao mesmo tempo, reduzem-se significativamente as sociabilidades decorrentes dos vínculos informais tais como relação de vizinhança, participação em festas religiosas, de parentes, entre outros. O frango, por sua vez, demanda todo tempo disponível.