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2. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS PRODUTORES INTEGRADOS

2.9. A produção integrada no Brasil e na Zona da Mata Mineira

No Brasil, esta modalidade produtiva, a produção integrada, inicia- se em 1918, com a empresa Souza Cruz, na região sul do país. Esta ocorre através da integração entre produtores de pequenas parcelas de terra que passam a produzir fumo para a empresa processadora. Para Rudnicki (2011), é neste momento que implanta-se no Brasil o “Sistema de Produção Integrada”, onde a empresa fornecia os insumos e a assistência técnica, além de garantir a compra da safra. Dessa forma, a integradora tinha garantias do recebimento da matéria prima, dentro de determinado padrão, e os produtores integrados de fumo eliminariam os riscos inerentes à produção agrícola.

De acordo com Paulilo (1990), as atividades de produção de fumo eram desenvolvidas no sul do país (em Santa Catarina, especificamente) em uma pequena parte da propriedade (em muitos casos, somente 2 ha eram ocupados pelas estufas) e o cultivo era realizado apenas durante a metade do ano. Assim, os fumicultores sentiam-se menos sujeitos à agroindústria, porque mantinham outras atividades, no restante da propriedade, e desta forma, não se percebiam cuidando da lavoura da empresa. A parte da terra não explorada era utilizada livremente. A vantagem apresentada a estes agricultores estava na facilidade dos créditos e na garantida entrega da matéria prima produzida à agroindústria. Estes agricultores percebiam-se como “fregueses” da agroindústria e não como “integrados”. Segundo a autora, o termo integração não fazia parte da vivência dos plantadores de fumo. Estes

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não se reconheciam assim e, além disso, constituíam laços frágeis com a agroindústria, podendo inclusive vender sua produção para outras empresas, uma vez que não tinham, à época, contrato formal de integração. No entanto, era através da dívida adquirida pelo agricultor junto às instituições de crédito que a empresa conseguia subordiná-lo. Portanto, não havia sanção para aquele produtor integrado que negociasse com outras empresas, desde que este conseguisse liquidar suas dívidas. Caso o agricultor resolvesse parar de produzir o fumo por qualquer motivo, isto não era um problema grave, porque a qualquer momento poderia efetivar outro vínculo de integração com qualquer indústria de cigarros, uma vez que eram muitas na região sul. Apesar da heterogeneidade desses agricultores, o motivo que os levou a inserirem- se na produção integrada, certamente foi a necessidade de obterem maior renda agrícola, como diz a autora, “o fumo só importa ao produtor porque dá dinheiro” (p. 171). O interesse pelo lucro desse cultivo resultou em efetivas relações coletivas de reivindicação sindical no momento em que estes fumicultores exigiam melhores preços aos seus produtos. De acordo com Paulilo (1990), a integração vertical e a solidariedade horizontal não se excluem, ou seja, mesmo os plantadores de fumo não sentindo-se produtores integrados, a solidariedade coletiva evidenciava- se através das reações sindicais. (PAULILO, 1990, pp. 168-172).

Este processo de modernização tecnológica inserido na produção dos integrados de fumo favoreceu o crescimento econômico, mas esses atores sociais evidentemente “tornaram-se mais dependentes do mercado”. (SCHNEIDER apud RUDNICKI, 2011, p.7). Tal questão legitima a lógica capitalista porque as propriedades sendo organizadas a partir da lógica das empresas capitalistas, a produção agropecuária passa também a ser projetada de forma diferente, portanto, adequando-se a essas empresas. (RUDNICKI, 2011).

O que pôde ser observado nesta pesquisa, apesar da pequena amostra, é que os produtores integrados da Zona da Mata Mineira vincularam-se à agroindústria de alimentos em decorrência da

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necessidade de aumentarem também a renda familiar, apesar disso, prevalece a produção integrada concomitantemente com outras atividades agropecuárias em suas pequenas parcelas de terra. Notou-se que, de fato, predomina a importância da produção integrada na administração doméstica e nas finanças da família e evidenciou-se também certo vínculo de confiança em relação à produção de frango entre integrador e agroindústria, no entanto, a tentativa da integradora de efetivar outros tipos de integração (neste caso o milho) não obteve êxito.

Contribuindo com o exposto, Jollivet (1974); Mendras (1971), citados por Wanderley (2009, p. 209), dizem que, indubitavelmente, as sociedades rurais tradicionais modificaram de forma considerável sua lógica econômica tendo em vista a modernização do processo de produção, sobretudo pela inserção nos mercados. Entende-se que a partir desta dinâmica, a forma de produzir dos agricultores tradicionais é consideravelmente afetada. Nesta perspectiva, foi possível verificar, durante a realização da pesquisa, que o sistema de produção integrado à agroindústria tem-se tornado uma opção, visando o aumento da renda familiar, ao mesmo tempo em que esta inserção produtiva altera sobremaneira o ritmo da vida cotidiana.

De acordo com Figueiredo et al. (2006), os critérios (análise de riscos, investimentos, rentabilidade, custos, etc.) utilizados para avaliar o projeto de integração junto à Pif Paf apontaram para a viabilidade econômica, apesar de também indicar riscos ao produtor. Além disso, as margens de lucro desse tipo de atividade podem ser consideradas pequenas (na faixa de 30%, comparadas às outras possibilidades de aplicação financeira) e o volume de investimento inicial é razoavelmente grande, sendo que a recuperação desses investimentos na criação integrada de frango de corte geralmente se efetiva após cinco a dez anos de integração. (CUNHA apud FIGUEIREDO et al., 2006).

De acordo com Wanderley (2009, p. 210), atualmente, a agricultura desempenha ainda um papel fundamental no desenvolvimento dos países avançados ou não. Por esse motivo também, a atividade agrícola tem-se

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adaptado a fim de atender às exigências do mercado. Müller (1989) contribui com esta análise salientando que uma das características que definem o capitalismo contemporâneo é o domínio de setores chaves da atividade industrial por um grupo restrito de empresas e que a propriedade de capital concentrado nestas influenciam significativamente na preservação e expansão dos seus interesses.

A partir das considerações iniciais apresentadas neste capítulo sobre o processo de integração, buscou-se, com esta pesquisa, realizar um esforço em elucidar e compreender, a partir de levantamento empírico, marcas da sociologia da vida cotidiana12

, especialmente no que diz respeito às formas de sociabilidade13

num contexto social caracterizado por relações mais intensas com os mercados capitalistas. Desta forma, a análise sobre os processos de integração, observando as novas relações sociais constituídas e os novos ritmos impostos, pode contribuir para a visualização da realidade social deste grupo específico.

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Segundo Martins (2000, p. 151), o que nomeia de “sociologia da vida cotidiana” domina a vida social na atualidade.

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Empenhou-se nesta pesquisa perceber questões relacionadas à sociabilidade que foram desenvolvidas a partir das relações sociais atravessadas por um processo dinâmico de modernização, como foi analisado por Elias (1993) em sua obra O processo civilizador, onde o autor relaciona os impulsos e a incorporação das regras aos meios que conduzem os indivíduos aos grupos e às comunidades as quais pertencem.

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