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4. ESPAÇOS FORMAIS DE SOCIABILIDADE

5.6. O tempo destinado à integração e as implicações nas

Diante das diversas informações obtidas nesta pesquisa, nota-se que a questão do tempo é uma das maiores queixas dos produtores integrados. O cuidado com as aves exige muita dedicação e o resultado do lote, a princípio, irá depender desse cuidado. A falta de tempo para se dedicarem às atividades fora da granja compromete evidentemente as interações sociais dos produtores integrados limitando a frequência aos espaços de sociabilidade, neste caso, os informais. Mesmo no âmbito do espaço doméstico pôde-se visualizar o dispêndio de enorme quantidade de tempo destinado à criação. Nota-se nos gráficos e nas tabelas a seguir que os produtores sentem, de fato, os efeitos da expressiva carga horária atribuída aos cuidados com as aves.

138 Gráfico 4 - Perdas com a integração

30%

70%

O que perdeu ao optar pela produção integrada?

Nada Tempo

Fonte: Dados da pesquisa, 2012.

Gráfico 5 - Tempo destinado à integração

10%

30%

50%

10%

Horas de trabalho dedicadas à integração por dia

0 a 5 6 a 10 11 a 15 mais de 15

Fonte: Dados da pesquisa, 2012.

As horas mencionadas referem-se ao trabalho daqueles que, no grupo familiar, se dedicam mais à integração. Portanto, os produtores optaram pela média de horas trabalhadas dentro do período que compreende todo o processo de produção. Alguns momentos demandam

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uma maior intensidade de trabalho (quando as aves ainda são jovens) e, em outros, menor intensidade. A divisão dos tempos apresentados no gráfico foi feita de acordo com as horas de trabalho que cada entrevistado foi declarando no decorrer das entrevistas.

Contraditoriamente, apesar da queixa em relação ao enorme tempo dedicado ao trabalho na integração, 80% dos produtores concordam com as exigências da empresa e ainda reforçam que são estas exigências que garantem o bom resultado dos lotes. Apenas 20% dos entrevistados disseram que não concordam com tais exigências e enfatizaram esse discurso dizendo que “é preciso ter uma contrapartida da empresa”.

De acordo com os entrevistados, em alguns momentos a carga horária de trabalho é mesmo desafiadora, como, por exemplo, no momento da chegada dos pintinhos ou no dia da “apanha”. Os entrevistados declararam que “ficam por conta o dia, à noite e até a madrugada”. O excesso de tempo de trabalho contínuo dedicado ao processo de criação das aves torna os envolvidos neste processo cativos à produção integrada.

Notadamente, a forma que os produtores descrevem o trabalho na integração é similar àquelas a que estão submetidos os operários da cidade, e também àqueles trabalhadores das usinas de açúcar da Zona da Mata de Pernambuco analisados por Lopes (1976). Neste trabalho, denominado O vapor do diabo, o autor chama a atenção para o operário do açúcar que, apesar de exercer atividades laborais no espaço rural, assemelha-se às condições de trabalho de uma planta fabril. (LOPES, 1976, p.10).

Realmente, o dia torna-se encurtado diante de tantas atividades como pôde ser observado nas seções anteriores. A modalidade de integração exige muita atenção aos cuidados com as aves, durante todo o dia e em todas as fases do desenvolvimento dos frangos. De filhote à fase adulta é um processo muito rápido requerendo cuidados específicos em cada fase do crescimento. Dessa forma, alguns compromissos familiares mínimos, como as festas familiares, atividades de lazer, a participação em

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atividades religiosas e as confraternizações exercidas nos espaços informais de sociabilidade, tornam-se comprometidos. O tempo da vida torna-se estreito para o envolvimento com familiares, vizinhos, e festas diversas. As sociabilidades, portanto, são encolhidas. Segundo um dos produtores integrados, referindo-se às confraternizações mais íntimas, afirma:

Quando vamos, é só para levar um presentinho, dar os parabéns e comer um pedacinho de bolo. É comida no papinho e pé no caminho! (referindo-se ao jeito ligeiro de participar de alguma festa em família ou na casa de amigos). (PEDRO, 48, 20/01/2012, grifo nosso).

Outros exemplos a respeito da pouca frequência dos produtores integrados nos espaços informais de sociabilidade podem ser verificados na tabela a seguir.

Tabela 8- Atividades desenvolvidas nos espaços informais de sociabilidade

Fonte: Dados da pesquisa, 2012.

Proprietários

(Nomes fictícios)

Sociabilidades nos espaços informais

Frequência

nestas atividades Motivos

01. João/Débora Churrasco em família, festas

religiosas, missas Raramente

Falta de tempo devido à integração

02. Pedro/Marta Igreja, festas familiares e praia

(uma vez por ano) Frequentemente

Falta de tempo devido à integração

03. Lucas/Joana

Missas Frequentemente

Falta de tempo devido à integração

04. Manoel/Maria Missa, aniversários, casamentos, barzinhos na zona rural, forró,

baile Raramente

Falta de tempo devido à integração

05. Antônio/Arminda Missa, piscina, churrasco em

família Frequentemente

Falta de tempo devido à integração

06 José/Selma

Festas familiares e missas 2 vezes por mês

Falta de tempo devido à integração

07. Jorge/Leci

Missas 2 vezes por mês

Falta de tempo devido à integração

08. Augusto/Nice

Missas 2 vezes por mês

Falta de tempo devido à integração

09. Luiz/Antonina Restaurantes, viagens a outros estados (visita à familiares,

raramente) 1 vez por semana

Falta de tempo devido à integração

10. Joaquim/Marli Churrasco em família, festas religiosas, missas e praia

(quando dá) Raramente

Falta de tempo devido à integração

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Diante da reduzida frequência destes integrados às atividades elencadas, nota-se que a falta de tempo é o motivo que todos alegaram para estarem ausentes destes eventos acima citados. Certamente que o trabalho dedicado à criação de frangos exige um olhar muito atento e muito próximo aos animais, o que compromete o desenvolvimento das sociabilidades fora ou até mesmo dentro da propriedade, principalmente para aqueles que se responsabilizam diretamente com as atividades de criação, essencialmente as mulheres. A carga horária elevada requer desses produtores maior agilidade em quase tudo, caracterizando assim uma vida cotidiana marcada pela falta de tempo e pela presteza nas atividades diárias.

Apenas um dos entrevistados, que ainda tinha pouco tempo de integração (menos de um ano na data da entrevista), chegou a elogiá-la em relação ao tempo, dizendo que,

quando exercia as outras atividades, aí sim não tinha tempo para quase nada (referia-se à criação de porcos e gado de corte). Na granja eu me sinto até mais descansado”. (JOAQUIM, 46, 08/03/2012, grifo nosso).

Apesar dessa fala, a esposa, que também estava diretamente envolvida nos trabalhos da criação das aves, o lembrava das madrugadas que tanto ele quanto ela se levantavam para ir até a granja receando que algo de errado estivesse acontecendo. Este casal tinha contraído uma grande dívida para fazer os galpões e instalar os equipamentos dentro dos novos padrões exigidos pela empresa. Também sua esposa o lembrava de que eles estavam o tempo todo indo e voltando à granja e que isso são horas de trabalho. No caso desta produtora integrada, a tensão era nítida devido ao tal investimento que ainda teria que pagar a um parente próximo (o valor de um galpão climatizado, portanto, próximo a R$350.000,00). Já haviam vendido uma casa na cidade e investido todo dinheiro na integração para construir o primeiro galpão climatizado e, naquela data, ainda deviam o segundo. Também abandonaram a última

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atividade, que era a criação de suínos70, por determinação da Pif Paf, e

estavam contando, agora, apenas com a renda advinda da integração. No momento da pesquisa, em 120 dias receberam em torno de R$26.000,00 de pagamento referente a 60.000 frangos, correspondendo a dois lotes consecutivos de 30.000, sendo o investimento feito próximo a R$700.000,00 e a metade desse valor, como foi dito, ainda era dívida. Estavam realmente muito receosos porque no último lote de 30.000 frangos, a “apanha” atrasou por conta da integradora, e a mortalidade chegou a quase 10% das aves em poucos dias. Foi uma mortalidade elevada, fora dos índices aceitáveis pela empresa integradora (apesar do atraso ter ocorrido devido a falhas na logística da própria empresa). No entanto, esse prejuízo foi repassado aos produtores e eles estavam muito preocupados (e decepcionados). Eles sabiam que não tinham responsabilidade sobre a perda, pois tinham seguido todas as orientações do supervisor, mas ainda assim, a empresa não deixou de penalizar os integrados. Apesar de serem os únicos produtores integrados do grupo em análise que possuíam os galpões climatizados, os mesmos não estavam imunes aos prejuízos.

Pode-se dizer que há uma constante invasão na esfera doméstica do tempo livre. Utilizando a fala de um dos produtores integrados, “faça chuva ou faça sol, com saúde ou doente, com sono ou não, a gente tem que dar conta dos bichos”. (PEDRO, 48, 20/01/2012). A qualquer hora do dia ou da noite, os produtores integrados estão sujeitos ao trabalho mesmo que um representante da agroindústria não esteja por perto. E nem precisa estar, pois como recebem de acordo com os resultados dos lotes entregues à integradora, irão fazer todo o esforço possível para não serem prejudicados e atenderem às expectativas da empresa que controla os resultados do processo produtivo das aves a partir da “tabela de pontos”, já mencionada anteriormente. Pode-se dizer, então, que

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A empresa integradora não permite a criação de animais domésticos, galinhas caipiras, pássaros e nem algumas atividades pecuárias como suínos e carneiros, que possam comprometer a sanidade das aves. Esta medida é devido à determinação do Ministério da Saúde. 

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nessa modalidade de produção ocorre sempre uma intensificação e extensão da jornada de trabalho. O tempo destinado à criação de frangos altera sobremaneira o ritmo da vida destas pessoas, implicando, como já dito, na redução dos espaços de sociabilidades previamente existentes. Apesar de tudo isto, a integração, mesmo não correspondendo a todas às expectativas, garante certa segurança quanto à renda, possibilitando planejamentos. Como diziam os produtores de fumo no sul do país, a integradora busca na propriedade a matéria prima, e isso, de certa forma, traz conforto e certeza de que o produto não ficará estocado na propriedade, causando prejuízos ao produtor, como ocorre algumas vezes com os demais cultivos. (PAULILO, 1990). Assim, a integração é avaliada pelos produtores como algo positivo, como uma conquista, apesar da submissão, do monopólio, da autoridade e da hierarquia a qual são submetidos. Ao que parece, a estabilidade econômica supera em parte as demais condições indesejáveis.

5.7. Dissolução das sociabilidades tradicionais e a maior