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A crise do capitalismo no final do século XX e as relações de

3 O TRABALHO DECENTE NA ORGANIZAÇÃO

3.3 O VALOR DO TRABALHO DECENTE

3.3.5 A crise do capitalismo no final do século XX e as relações de

Faltando pouco mais de vinte e cinco anos para o término do século XX, a solução encontrada foi diferente daquela adotada na oportunidade da primeira grande crise do capitalismo, que ocorrera em 1929.

Em 1973, a solução intervencionista foi descartada em benefício de práticas liberais, conforme expõe Gabriela Neves Delgado:

Reestruturou-se, sob nova roupagem, o liberalismo que, moldado pela dialética histórica, tornou-se fundamento dos países do eixo central capitalista e também dos demais países vinculados à mesma lógica econômica preponderante no final do século passado.217

A crise do petróleo provocou o recrudescimento dos preços, que teve como conseqüência direta a inflação e o encerramento de empresas que não se mostraram competitivas. O primeiro grande efeito disto “foi a plena manifestação do desemprego, quer pelos fechamentos definitivos, quer pelos processos de reconversão”.218

O efeito secundário seria, sem dúvida, o aumento dos custos sociais, em virtude da diminuição da arrecadação fiscal. Em função disso, gerou-se um segundo motivo para a inflação. Néstor de Buen continua a mencionar os outros efeitos decorrentes da crise: os salários perderam valor, em virtude da inflação; as dispensas coletivas dos trabalhadores provocaram greves e manifestações sociais

      

217

DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr., 2006, p. 19.

218

BUEN, Néstor. O estado do mal-estar. Revista legislação do trabalho, n. 5, v. 62, p. 612-618, maio, 1998, p. 613.

violentas; as greves ocasionaram a diminuição da produção, o que ensejou mais aumento de inflação.219

Gabriela Neves Delgado aponta diversos elementos, que ela considera os propulsores desse processo: queda da taxa de lucro, agregada ao aumento do preço da força de trabalho; esgotamento do padrão taylorista e fordista de produção; hipertrofia da esfera financeira; maior concentração de capitais (monopólios); crise do Estado Social de Direito e acentuação das privatizações. Além disso, a autora indica também a elevação do desemprego estrutural e precarização do trabalho.220

Em decorrência disto, quase todos os países da Europa Ocidental, que praticavam o “estado do bem-estar social”, passaram a adotar novas ideologias e práticas, com destaque para a flexibilização extremada das normas jurídicas e a desregulamentação, às vezes radical, do mercado laborativo, desestabilizando o trabalho enquanto instrumento de consolidação da identidade social do homem e, sobretudo, uma de suas formas de manifestação: o emprego.221

Teve início a propagação da ideologia neoliberal, que, nos países de economia central, advoga o afastamento do Estado na promoção de políticas públicas e no planejamento dessas economias. O desenvolvimento socioeconômico obtém-se com o deslocamento da matriz estatal para o mercado.

Desse modo, como ondas, a política neoliberal se espalhou também nos países de economia periférica, como é o caso do Brasil, que têm suas economias posicionadas conforme as oscilações positivas ou negativas do capitalismo central.

O mundo sofre hoje as influências da globalização da economia mundial que rompe fronteiras tornando as economias nacionais altamente interdependentes. Esse fenômeno denominado globalização acelerou os processos de abertura comercial nos anos 80 e 90, envolvendo as nações como o Brasil. A adoção de estruturas de desregulamentação, a prevalência de mecanismos de mercado em todo o mundo e a formação de blocos regionais de comércio em curso em todos os continentes têm criado espaço para estudos que observem a influência das mudanças econômicas mundiais sobre o trabalho. Essas mudanças, muitas das quais só mais recentemente são claramente percebidas, vieram trazer profundas alterações no marco de referência analítico desses estudos.

      

219

Idem. Ibidem.

220

DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. Op. cit., p. 163-164.

221

Qual o efeito dessa ideologia para o valor do trabalho?

Fábio Gomes afirma que “o trabalho, na sua grandeza dimensional de projeção da dignidade da pessoa humana, está em perigo”.222

Gabriela Neves Delgado vê, por sua vez, que “as relações empregatícias e de trabalho também foram fortemente afetadas”,223 gerando uma crise sem precedentes

no sistema trabalhista predominante, notadamente no Direito do Trabalho.

Por último, mas não menos importante, a opinião de Otávio Augusto Reis de Sousa é que “o emprego (trabalho subordinado) na nova economia tende (...) a deter um cunho meramente residual”. Ele afirma que haverá ampliação de ocupações tais como teletrabalho e trabalho em domicílio. A demanda se dará por empregados qualificados “versados nas novas tecnologias, com patamares remuneratórios elevados, proporcionais à altíssima especialização exigida” e, melhor do que tudo, as idéias também serão remuneradas, “não em função do tempo dedicado, mas em função dos resultados obtidos”.224

Néstor de Buen coloca a seguinte questão: “que lugar haveria para a justiça social num mundo sem trabalho? Que espaços restariam para os velhos princípios que iluminaram nosso século?”225

É notório que desde os anos 1970 até a presente data o sistema capitalista não parou de passar por transformações. Essas mudanças propiciaram muito mais conforto para o ser humano, além do aumento da produção de alimentos. Os avanços tecnológicos, entretanto, ainda não tiveram o poder de eliminar a necessidade de trabalho humano para a execução de diversas atividades, por mais prosaicas ou rudes que sejam. Se fosse assim, não haveria cada vez mais estudiosos se debruçando sobre o trabalho escravo, o trabalho forçado, o trabalho infantil, etc.

Então, quando se fala em proteção do valor trabalho está se falando de uma das atividades humanas que é, sim, inata à condição de humanidade. O ser humano nasce com essa capacidade de se movimentar, de produzir, de imaginar, de falar e tudo isso pode ser chamado de trabalho.

As diferenças surgem quando o ser humano empreende essas atividades em favor de outro ser humano, para garantir a sua sobrevivência, para poder se

      

222

GOMES, Fábio. O direito fundamental ao trabalho. Op. cit., p. 334.

223

DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. Op. cit., p. 169.

224

SOUSA, Otávio Augusto Reis de. Nova teoria geral do direito do trabalho. Op. cit., p. 44.

225

alimentar, enfim, quando ele necessita do trabalho para ganhar dinheiro e continuar vivendo.

Chega-se à conclusão de o trabalho humano continua a necessitar de regulação para que aos prestadores sejam garantidos os pisos mínimos não só de sobrevivência, mas sim de vida com dignidade.

Admite-se a concordância com a afirmação de que o emprego, nos moldes atuais, principalmente aquele configurado no art. 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, será afetado. As notícias dos jornais e as estatísticas não deixam dúvida quanto a isso.226

A mecanização das lavouras de cana-de-açúcar, que está se implantando de maneira mais ostensiva no Estado de São Paulo, está aumentando em razão de três fatores: econômicos, legais e sociais. Em primeiro lugar, uma máquina colheitadeira substitui o trabalho de cem homens. Ao lado disso, existe uma preocupação do Estado no sentido de diminuir a prática ancestral das queimadas para proteger o meio ambiente. De modo que, a exemplo do que ocorre naquele estado paulista, existem leis fixando uma data-limite para a eliminação das queimadas de cana.

Em terceiro lugar aparecem os fatores sociais. Recrudesce o rigor na fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas, em virtude das denúncias de mortes nos canaviais.227 As mortes acontecem por excesso de esforço no trabalho.

Nesse caso, procede-se à substituição do trabalhador rural, pura e simplesmente? Não.

Impõe-se a inserção desse homem/mulher trabalhador/trabalhadora em outras áreas, num esforço conjunto da sociedade, do governo e dos empresários.

Não se pode esquecer que trabalho, isto é, aquela atividade humana que acarreta modificações no mundo exterior, sempre haverá e este há de ser prestado em condições de dignidade, com justa remuneração, de modo a proporcionar uma vida pessoal e familiar equilibrada, respeitando-se e aplicando-se os direitos fundamentais.

      

226

COISSI, Juliana. Trabalho no corte de cana tem dias contados, diz estudo. Em SP, acerto entre usineiros e governo prevê fim das atividades em dez anos. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 set. 2007, Agrofolha, Caderno B, p. 12.

227

MERLINO, Tatiana. Mortes de trabalhadores nos canaviais. Brasil de fato, São Paulo, 21 ago. 2005. Disponível em: <http://www.capina.org.br/download/pub/cr200508.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2007.

4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O TRABALHO RURAL

Os direitos fundamentais ocupam um espaço primordial entre os demais direitos no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que, quando efetivados, são capazes de garantir uma sociedade livre, justa e fraterna, propiciando uma vida mais digna ao homem.

É importante realçar a evolução histórica do direito, tendo em vista o seu caráter de fenômeno cultural, ou seja, o direito se transforma junto com a sociedade. Os direitos fundamentais também sofreram modificações, recebendo, ao longo da história, diversas denominações, de modo que se torna imprescindível descrever as suas origens históricas.