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3 O TRABALHO DECENTE NA ORGANIZAÇÃO

3.2 SITUAÇÕES DE TRABALHO RURAL ESCRAVO

3.2.3 Trabalho em condições degradantes

No entendimento de Jairo Sento Sé, “o trabalho em condições degradantes é aquele que desrespeita a dignidade humana da pessoa do trabalhador, conforme prevê o art. 1º, inciso III, da CF/88”.172

Logo, não se há de duvidar que, quando a lei penal tipifica o crime de redução à condição análoga à de escravo, ao dispor sobre condições degradantes, está-se referindo ao exercício do labor de forma aviltante, infamante, que envilece e torna desprezível a própria condição humana do campesino. É por isso que o autor afirma que é importante averiguar o meio

      

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SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. Op. cit., p. 48.

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DELMANTO, Celso [et al]. Código penal comentado. 6. ed. [Atual.]. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 446-448.

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SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. Op. cit., p. 50.

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ambiente em que o rurícola irá desenvolver suas atividades. É certo que esse meio não atende às necessidades mínimas para o prestador realizar com decência o seu labor.

Para Brito Filho, na aferição das condições degradantes, há de se verificar a falta de segurança do ambiente, que impõe riscos à saúde do trabalhador. Outro aspecto por ele mencionado é a constatação de jornada razoável, que significa aquela que permite a proteção da saúde do rurícola, garantindo-lhe o descanso e o convívio social. De modo que a sua ausência é também um indício de prestação de labor em condições degradantes. As limitações da alimentação, da higiene e da moradia do trabalhador, da mesma forma, impõem riscos à saúde do obreiro. O assédio moral e o assédio sexual revelam a ausência de respeito à dignidade do ser humano trabalhador, razão pela qual também podem ser incluídos no rol das condições degradantes.173

Márcio Túlio Viana174

relaciona cinco hipóteses possíveis para a identificação das condições degradantes:

1. a falta explícita de liberdade, que pode ser constatada tanto pela presença de um fiscal armado ou outra ameaça de violência, quanto pela simples existência de uma dívida crescente e impagável;

2. tanto a jornada exaustiva, que pode ser extensa ou intensa, como o poder diretivo exacerbado, que ele identifica no assédio moral;

3. o pagamento de quantia inferior ao salário mínimo ou a incidência de descontos não previstos na lei;

4. os riscos à saúde do trabalhador, que podem ser gerados pela água insalubre, a barraca de plástico, a falta de colchões ou lençóis, a comida estragada ou insuficiente;

5. a repetição dos caminhos da escravidão, isto é, o deslocamento do trabalhador que provoca o seu desenraizamento, sem o oferecimento de outra opção de vida.

Alan Esteves, Juiz do Trabalho titular da 7ª Vara do Trabalho de Maceió, realizou uma inspeção judicial numa das usinas de cana-de-açúcar do Estado de

      

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BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução à condição análoga à de escravo:

análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a dignidade da pessoa humana, op. cit., p.

133.

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VIANA, Márcio Túlio. Trabalho escravo e “lista suja”: um modo original de se remover uma

Alagoas. De acordo com o relato do magistrado, as condições degradantes podem ser constatadas na ausência de fornecimento de EPI: óculos furados, sem as especificações da NR 31, luvas rasgadas ou apenas uma luva, botas rasgadas, facões sem lima para amolar ou lima desgastada. Ele ainda inclui nesse rol a falta de higiene dos banheiros, sem vasos sanitários, sem água, sem divisórias e sem tratamento sanitário. Na questão de alimentação, o magistrado se refere a comida em depósitos inapropriados para aquecimento e conservação.175

Thereza Cristina Gosdal afirma que o trabalho decente deve se desenvolver em condições de segurança, ou seja, também importa em tratamento degradante o transporte dos trabalhadores em veículo impróprio para o transporte de passageiros.176

Da mesma forma, o transporte de pessoas, a fim de prestar serviços, por meios que não atendem as normas legais, está previsto como tipo penal no art. 132, parágrafo único, cujo crime consiste em “perigo para a vida ou saúde de outrem”. Aqui não há de se cogitar de consentimento do ofendido, porquanto, tratando-se da vida e da saúde da pessoa humana, o objeto jurídico é indisponível.

Delmanto afirma que a norma, sem dúvida, foi instituída, principalmente, em virtude “dos acidentes de trabalho sofridos por operários em razão do descaso na tomada de medidas de prevenção por parte dos patrões”. Não obstante, tal aspecto não era lembrado na aplicação do dispositivo. A lei n.º 9.777/98, que acrescentou o parágrafo único, poderia emprestar alguma relevância ao tema.177

Quando se fala em trabalho rural, o meio de locomoção dos trabalhadores assume extrema importância, porquanto são grandes as distâncias a serem percorridas. É comum o relato de rurícolas que habitam em povoados que não são alcançados por nenhum tipo de transporte público. Existem ainda aqueles que, para alcançar uma rodovia, têm que atravessar estradas de barro, matas e até rios. Por esse motivo, as empresas fornecem a condução para os seus prestadores, mas nem sempre este meio oferece as condições adequadas.

Entretanto, há de se ressaltar que não se confunde o transporte que coloca em risco a vida do campesino (art. 132, CP), com aquele destinado a aliciar o

      

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ESTEVES, Alan. Magistratura cidadã e realidade que incomoda. Informativo ANAMATRA n. 106, Brasília, mar. 2008, p. 15.

176

GOSDAL, Thereza Cristina. Dignidade do trabalhador. Op. cit., p. 133. No caso específico, a autora menciona o exemplo de transporte de trabalhadores em veículo destinado ao transporte de animais (“camionete boiadeira”).

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rurícola para outros locais do território nacional (art. 207, CP), pois estes são tipos autônomos. Cada um desses dois delitos pode ser praticado em concurso material com o tipo previsto no art. 149, CP, ou seja, se o cometimento de algum desses crimes vem acompanhado da sujeição do obreiro à condição análoga à de escravo, implica um concurso material.

É importante que se diga que o transporte precário, isto é, em situação que, de algum modo, ofereça perigo para a vida ou a saúde dos prestadores de serviço, além de ser um delito autônomo, é também elemento que caracteriza a condição degradante para a configuração do crime de trabalho escravo.

As situações de trabalho escravo, acima descritas, constituem violação da dignidade do ser humano trabalhador. Além disso, demonstram que os serviços prestados não têm valor para os empresários gananciosos, que agem sem escrúpulos de majorar os seus lucros. Para estes, o ser humano que exerce o labor é tão somente um meio que lhes garante mais riquezas.

No entanto, há de se entender o trabalho como um valor basilar da vida humana, que é capaz de agregar em si outros valores econômicos, sociais e morais.