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O trabalhador rural safrista da cana-de-açúcar

2 O DIREITO DO TRABALHO RURAL

2.2 AS RELAÇÕES DE TRABALHO RURAL

2.2.1 O trabalhador rural safrista da cana-de-açúcar

O trabalho no campo é regulamentado por legislação específica, em virtude das peculiaridades que se enxergam nas condições de alimentação, habitação, transporte e lazer das pessoas que vivem no ambiente rural. Tais necessidades são, em verdade, diferenciadas ou são supridas por outros meios, que para o habitante do perímetro urbano não seriam satisfatórias.

Várias são as diferenças entre o meio rural e o meio urbano e, neste diapasão, a compreensão da realidade sociológica em que o trabalho rural se desenvolve se torna fundamental. Paula Werner da Gama refere as peculiaridades da sociedade rural, em relação à sociedade urbana:

a) diferenças ocupacionais. O que mais caracteriza o labor no campo é a atividade ligada à coleta e ao cultivo de plantas e animais;

b) a maior e mais direta exposição do rurícola à natureza. Pela própria natureza da atividade agrícola, o trabalho do amanho da terra e da pecuária é desenvolvido ao ar livre;

c) maior solidariedade entre os membros da comunidade rural que entre os citadinos. A unidade e a solidariedade do mundo rural são baseadas em semelhanças, objetivos e experiências comuns;

d) menor complexidade das relações sociais. Geralmente não se vê, no campo, diferenças de classes sociais, tradições, ocupações e crenças, habitando num mesmo território;

e) a mobilidade social é muito menor, na sociedade rural. A mesma autora esclarece que “a tendência de um trabalhador rural permanecer na mesma posição social ocupada por seus pais é muito maior que a de um trabalhador urbano”.55

      

55

Há de se advertir, por oportuno, que o direito do trabalho rural não constitui um ramo autônomo da ciência jurídica. É evidente que se trata apenas de uma das partes do Direito do Trabalho, este sim dotado de domínio amplo, método próprio e princípios gerais comuns.56

Luiz de Pinho Pedreira da Silva ensina que

A autonomia de uma disciplina jurídica requer não só a vastidão da matéria legislada como que possua ela institutos e princípios próprios, informados por doutrinas homogêneas, deles específicas.57

Sendo assim, não pode haver dúvida que a disciplina do trabalho rural, conquanto exiba alguns aspectos particulares, só pode ser estudada dentro do Direito do Trabalho. Aqui também se trata de estudar o trabalho humano livre, produtivo, por conta alheia, só que com a diferença de que tais atividades se realizam no meio agrícola e/ou pastoril.

A atividade rural surgiu antes da indústria ou do comércio, inclusive porque a agricultura e a pecuária provêem a esses outros setores da economia de matéria-prima com produtos aptos às transações mercantis.58

De acordo com a lei n.º 5.889/73, art. 2º, o empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. O mesmo conceito foi repetido no art. 3º, do Decreto n.º 73.626, de 12 de fevereiro de 1974.   O artigo 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, assim conceitua o empregado:

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

A partir deste delineamento, podem ser identificados os mesmos elementos que servem para definir a figura do empregado regido pela lei n.º 5.889/73, no art. 2º, isto é: a pessoalidade, a natureza não eventual dos serviços, a dependência ou subordinação jurídica e a remuneração. O único traço distintivo dos dois conceitos

      

56

SOUSA, Otávio Augusto Reis de. Nova teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr., 2002, p. 49.

57

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. O direito do trabalho e a república. Op. cit., p. 225.

58

CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito individual do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 148.

seria, então, o local da prestação dos serviços, porquanto é precisamente isto que afasta as duas figuras: o empregado urbano e o empregado rural.

O conceito de trabalhador rural fixado no art. 2º do Estatuto do Trabalhador Rural, lei n.º 4.215/1963, também se definia pelo local da prestação dos serviços (propriedade rural ou prédio rústico).

A CLT, no artigo 7º, alínea “b”, definia os trabalhadores rurais para excluí-los:

Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) ...

b) Aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais.

O critério da CLT, então, era estabelecido a partir da natureza da função exercida pelo próprio empregado, ou seja, uma função diretamente ligada à agricultura ou à pecuária. Estariam excluídos da proteção trabalhista geral os obreiros que desenvolvessem atividades não vinculadas aos empreendimentos industriais e comerciais.

A Consolidação, neste ponto, porém, recebeu críticas severas. De acordo com Maurício Godinho Delgado, o paradigma indicado pela CLT não se harmonizava “ao critério dominante no Direito do país de enquadramento de qualquer empregado”, ou seja, o “segmento de atividade do empregador”.59

Délio Maranhão, atualizado por João de Lima Teixeira Filho, escreveu:

É a finalidade da exploração econômica que a caracteriza ou não como agrícola ou pecuária. Quem exerce a atividade econômica, como agricultor ou pecuarista, é o empregador. O trabalho do empregado é simples fator de

produção utilizado na aludida exploração.60

Pela orientação do art. 7º, “b”, da CLT, excluir-se-iam, por exemplo, os trabalhadores das indústrias canavieiras, porque estas promovem a transformação da matéria-prima em produto que não preserva o seu estado natural. Tais usinas transformam a cana-de-açúcar em álcool e/ou em açúcar, retirando-lhe a condição

de matéria prima.

A partir disso, os trabalhadores das usinas de açúcar e álcool, até mesmo os

      

59

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr., 2008, p. 385.

60

SÜSSEKIND, Arnaldo [et al.]. Instituições de direito do trabalho.19 ed. [Atual.] Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr., 2000, p. 188 (grifos no original).

cortadores de cana-de-açúcar, não seriam abrangidos pelo sistema de proteção da Lei n.º 5.889/73, mas sim pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Orlando Gomes e Elson Gottschalk61 sempre defenderam esse entendimento,

que continua exposto nas edições atualizadas de sua obra:62

Exemplos típicos seriam todos os procedimentos mecânicos de primeira preparação de fibras vegetais (sisal, juta, algodão, rami, caroá, piaçaba, etc.). Já a grande indústria açucareira (usinas altamente sofisticadas) pode alterar a natureza da matéria-prima (a cana-de-açúcar, a garapa, o melaço) transformando-a numa nova coisa (o açúcar, o álcool) que atende a amplas necessidades de consumo, de forma direta. [...]

Esta era a orientação do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no texto enunciado da Súmula n.º 57, de 24 de outubro de 1974:

“Os trabalhadores agrícolas das usinas de açúcar integram categoria profissional de industriários, beneficiando-se dos aumentos normativos obtidos pela referida categoria” (Cancelada, Res. TST 3/93, DJ 06/05/1993).63

E, no mesmo sentido, a Súmula 196, de 16 de dezembro de 1963, do Supremo Tribunal Federal (STF): “Rural. Categoria profissional. Ainda que exerça atividade rural, o empregado de empresa industrial ou comercial é classificado de acordo com a categoria do empregador”.64

Isto, por um lado, assegurava a esses trabalhadores os benefícios e vantagens das convenções coletivas regentes do trabalho na indústria, inclusive os reajustes salariais. Por outro lado, entretanto, para eles era aplicada a prescrição do trabalhador urbano, ou seja, a prescrição de parcelas e não a do trabalhador rural, que só corria a partir da extinção do contrato.65

Aqui é importante firmar o contexto histórico em que foi editada a referida Súmula n.º 57, do TST.

Em 1973 ocorreu a primeira crise do petróleo, o que ocasionou o aumento do preço desse produto, de forma vertiginosa, no mercado internacional. O preço do açúcar, ao contrário, em 1974, sofria queda acentuada, também no mercado internacional. Ora, o Brasil era extremamente dependente da importação do

      

61

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 100.

62

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. [Atual.] José Augusto Rodrigues Pinto e Otávio Augusto Reis de Sousa. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 95.

63

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 32. ed. [Atual.] Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1172.

64

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. Op. cit., p. 1221.

65

petróleo, de modo que urgia a necessidade de se criarem alternativas de combustível no mercado interno.

José Giacomo Baccarin afirma que

Os representantes do complexo sucroalcooleiro passaram a reivindicar a instituição de políticas de incentivo à produção de álcool carburante, a partir da cana-de-açúcar. Conseguir-se-ia, assim, uma alternativa para a conjuntura desfavorável no mercado de açúcar, com a justificativa de se produzir um combustível nacional para substituir a gasolina, cuja matéria-prima, em grande parte, era importada.66

Não há como negar, portanto, o interesse predominante dos produtores rurais da agroindústria da cana-de-açúcar no sentido de não ver aplicada aos cortadores de cana e demais trabalhadores braçais do setor a prescrição que era aplicada aos trabalhadores rurais em geral, prevista na lei n.º 5.889/73, art. 10.

Além disso, pelo texto do decreto-lei n.º 6.969/44, cabia ao I.A.A.67 a

fiscalização dos contratos de trabalho, nos termos do art. 26:

Art 26. Os litígios entre os trabalhadores referidos no art. 19 e as usinas, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, tendo em vista as cláusulas dos contratos-tipos ou as normas constantes das instruções do I.A.A. e ouvido, antes da audiência, o Procurador Regional do I.A.A. ou, na falta dêste, a sua Seção Jurídica.

Parágrafo Único. O Procurador Regional do I.A.A. ou a sua Seção Jurídica, juntará, obrigatoriamente, ao seu parecer, cópia do contrato-tipo ou das instruções aplicáveis à espécie.68

A Justiça do Trabalho já existia, mas era órgão vinculado ao Poder Executivo. A sua autonomia definitiva só viria com a Constituição de 18 de setembro de 1946.

A Resolução TST n.º 03/1993, publicada no Diário de Justiça da União em 06 de maio de 1993, cancelou definitivamente o enunciado da Súmula n.º 57, do TST, de modo que prevalece a orientação de se prestigiar a natureza da função exercida pelo empregador, ou melhor dizendo, “somente será empregado rural o trabalhador que prestar serviço a empregador rural, igualmente definido em lei”.69

Com base nisto, é pertinente concluir que a legislação específica sobre a lavoura canavieira, isto é, os aludidos decreto-lei n.º 3.855, de 21 de novembro de 1941, e decreto-lei n.º 6.969, de 21 de outubro de 1944, conquanto não tenham sido

      

66

BACCARIN, José Giacomo. A constituição da nova regulamentação sucroalcooleira. Brasília: Universidade de Brasília; São Paulo: UNESP, 2005, p. 18.

67

Instituto do açúcar e do álcool. V. notas de rodapé n.º 28 e 29, p. 21, deste capítulo.

68

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del6969.htm >. Acesso em: 19 ago. 2008.

69

expressamente revogados, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, em face da proibição de discriminação entre os trabalhadores brasileiros.

Para os objetivos do presente trabalho, é necessário, então, firmar o posicionamento do que seja o trabalhador rural safrista da cana-de-açúcar, porquanto a legislação do trabalho rural também alcança todos os trabalhadores que exercem as suas atividades no campo, por conta alheia, porém sem subordinação jurídica, tais como o trabalhador avulso, o autônomo, o temporário, etc. Além de empregados propriamente ditos, avultam trabalhadores diversos, sem vínculo empregatício ou com vínculo disfarçado em modalidades de trabalho, também contratuais, tais como: parceria, empreitada, colonato, arrendamento, prestação de serviço avulso, etc.

A lei n.º 5.889/73, art. 17, dispõe: “as normas da presente lei são aplicáveis, no que couber, aos trabalhadores rurais não compreendidos na definição do art. 2º, que prestem serviços a empregador rural”.

O art. 14, do decreto n.º 73.626, de 12 de fevereiro de 1974, que regulamenta o trabalho rural, estabelece que:

As normas referentes à jornada de trabalho, trabalho noturno, trabalho do menor e outras compatíveis com a modalidade das respectivas atividades aplicam-se aos avulsos e outros trabalhadores rurais que, sem vínculo de emprego, prestam serviços a empregadores rurais.

A Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, tratou de estabelecer no caput do art. 7º e no inciso 34 a isonomia entre os trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, assim como “a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”.

Aqui, no presente estudo, está se tratando tão somente do empregado rural, especificamente daquele trabalhador que celebra contratos de safra para executar as atividades de semeadura, plantio, colheita e corte da cana-de-açúcar, usando ainda métodos primitivos de desenvolver a agricultura, como ainda hoje ocorre, mesmo nas regiões mais desenvolvidas do País.70

Nesse sentido, não se aceita a classificação dos trabalhadores braçais, que executam o seu labor diário munidos de instrumentos rudimentares, que lembram

      

70

BÄCHTOLD, Felipe. Acidentes de trabalho em usinas superam o da construção civil. Folha de São

Paulo on line. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u396798.shtml>.

aqueles manuseados ainda no tempo da escravidão, tais como a foice, a enxada, o facão, entre outros, na qualidade de trabalhadores urbanos.

Os empregados rurais das lavouras de cana-de-açúcar não têm nenhum contato com a indústria, apesar de saberem que prestam serviços para uma grande usina e que o produto do seu labor será utilizado na fabricação de açúcar e de álcool combustível.

Da mesma forma, os tratoristas, os aplicadores de herbicidas e outros produtos agrotóxicos e aqueles que trabalham na irrigação também só executam o seu trabalho para alimentar a indústria. Entretanto, o local onde as atividades são realizadas é no meio rural, de difícil acesso, sem instalações sanitárias adequadas, sem abrigos para repouso ou descanso, ou seja, onde se configura o “prédio rústico”.

Nessa linha de idéias é a Orientação Jurisprudencial n.º 315 da SDI-1, do TST:

Rural. Motorista. Enquadramento. É considerado trabalhador rural o motorista que trabalha no âmbito da empresa cuja atividade é preponderantemente rural, considerando que, de modo geral, não enfrenta o trânsito das estradas e cidades (publicada no DJ de 11 de agosto de 2003).71

A discussão sobre local e condições de trabalho ou maneiras de executar o serviço perdeu algo de sua importância, em virtude da promulgação da Emenda Constitucional (EC) n.º 28, de 25 de maio de 2000, que igualou a aplicação da prescrição qüinqüenal para todos os trabalhadores, sejam eles urbanos ou rurais.

Não obstante, a controvérsia ainda requer atenção para se estudar o empregador rural, como se fará adiante, já que os conceitos são vinculados um (o de empregado rural) ao outro.72

No que concerne ao trabalhador rural safrista, predomina na legislação trabalhista rural a relação jurídica de emprego mediante o contrato de trabalho, isto é, existe a conjugação de vontades em torno de um interesse comum. Não obstante, a faixa de manifestação da vontade das partes é estreita em virtude do intervencionismo estatal.

O contrato de trabalho só se aperfeiçoa a partir da prestação do trabalho. O mesmo também vale para o contrato de safra, que tem expressiva ocorrência no meio rural, onde plantações e criação de animais apresentam período próprio e

      

71

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. Op. cit., p. 1264.

72

limitado de atividade intensa, exigindo, em conseqüência, a contratação de mais mão-de-obra voltada ao trabalho específico, de duração limitada e previsível por aproximação.

Orlando Gomes e Elson Gottschalk salientam que foram justamente as peculiaridades do trabalho no campo que levaram o legislador a adotar os contratos individuais com “safreiros” ou safristas, os quais se obrigam a prestar os serviços apenas durante os períodos de safra.

Esses autores fornecem a seguinte definição:

O contrato de safra é aquele que tenha sua duração dependente de variações estacionais das atividades agrárias, assim entendendo as tarefas normalmente executadas no período compreendido entre o preparo do solo para o cultivo e a colheita. Não se aplica a esta espécie de contratos a contagem de períodos descontínuos de que trata a CLT (art. 453), de sorte que o safrista há de ser indenizado ao fim de cada contrato, que coincide com o término da safra (arts. 19 e 20 do Regulamento).73

Dentro desse entendimento, o contrato de safra é uma modalidade de contrato de trabalho por prazo determinado, dependente das variações climáticas e da sazonalidade da atividade agrária. Seria um tipo autônomo de contrato a prazo, fundado no art. 14, da lei n.º 5.889/73, ou até mesmo poderia ser considerado uma espécie do gênero fixado no art. 443, da CLT.74

É oportuno mencionar, apenas como ilustração, que o contrato de safra tem uma particularidade: ele não se encontra previsto nas normas da CLT, mas apenas e tão somente no art. 14, parágrafo único, da lei n.º 5.889/73 e no art. 19 do Decreto n.º 73.626/74, que a regulamenta.

O art. 14 da lei n.º 5.889/73 não faz alusão à obrigatoriedade de ajuste escrito ou outra formalidade para a celebração do contrato de safra. Não obstante, o art. 19 do regulamento, Decreto n.º 73.626/1974, dispõe que “considera-se safreiro ou safrista o trabalhador que se obriga à prestação de serviços mediante contrato de safra”. No parágrafo único desse artigo, está disciplinado o conceito desse ajuste. Por esta razão, entende-se que este tipo de contratação deve ser celebrado por

escrito ou, ao menos, de maneira expressa.

Este é o típico contrato de trabalho que pode ser usado para reger relações de emprego na agricultura e na agroindústria. Aplica-se esse tipo contratual na

      

73

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho, op. cit., p. 96.

74

SILVA, Luís Carlos Cândido Martins Sotero da. O contrato de safra. In: GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto; MARTINS, Melchiades Rodrigues; VIDOTTI, Tarcio José. [Coord.]. Direito

agroindústria dependente das variações sazonais do produto, como é o caso, por exemplo, das usinas de cana-de-açúcar.

No Estado de Sergipe, especificamente na região da Vara do Trabalho de Propriá, a safra da cana-de-açúcar tem início no mês de setembro e duração aproximada de seis meses, até o mês de março, conforme depoimentos de trabalhadores e empregadores nas reclamações trabalhistas ali ajuizadas.75

Já no Estado de São Paulo, que é responsável por 60% (sessenta por cento) pela produção de cana-de-açúcar de todo o País, o período de safra se compreende nos meses de abril a novembro.76

É importante exigir alguma formalidade para a celebração do contrato de safra, porquanto o conceito jurídico de safra suscita questões polêmicas.77

O art. 19, parágrafo único, do Decreto n.º 73.626/1974, dispõe:

Contrato de safra é aquele que tenha sua duração dependente de variações estacionais das atividades agrárias, assim entendidas as tarefas normalmente executadas no período compreendido entre o preparo do solo para o cultivo e a colheita.

Sendo assim, a safra pode ser considerada num aspecto restritivo, compreendendo tão somente a colheita agrícola e não se estendendo a outras etapas do ciclo produtivo. Entretanto, a compreensão da safra pode ser extensiva, de modo a permitir a celebração de um contrato por tempo determinado para todas as atividades de preparação do solo, semeadura, manutenção e colheita.

Prevalece a concepção extensiva, segundo a qual, o contrato de safra abrange não só a colheita, mas também os períodos precedentes de preparo do solo e plantio com a qual estejam vinculados. Importa ressaltar que a colheita é a etapa final do ciclo, razão pela qual, como é óbvio, ao se encerrar esta última etapa, encerra-se igualmente o prazo do contrato de trabalho.

Ao final da safra, operando-se a resolução contratual, o safrista receberá a indenização que lhe seja devida por força de lei: art. 14, da lei n.º 5.889/73, e art. 20, do Regulamento. A Constituição de 1988 transformou a indenização em Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Isto significa, portanto, que, ao término do contrato de safra, é devido o levantamento dos depósitos do FGTS e não a indenização em duodécimos.

      

75

Na safra a indústria consome, em média, três mil (3.000) toneladas de cana por dia.

76

MAGALHÃES, Mário; SILVA, Joel. Manual antiquado. Folha de São Paulo. São Paulo, 24 ago. 2008, Caderno Mais!, p. 9.

77

No entendimento de Alice Monteiro de Barros, estará autorizado o levantamento do FGTS, acrescido de 40%, nos termos do art. 14 do Decreto n.º 99.684/90, se o empregador, antes do término da safra, extinguir o contrato de safra de forma antecipada, sem justa causa. Aplicar-se-á, ainda, o disposto no art. 479,