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As relações de trabalho rural nas usinas de cana-de-açúcar e o trabalho decente

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FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO

LAURA VASCONCELOS NEVES DA SILVA

AS RELAÇÕES DE TRABALHO RURAL NAS USINAS DE

CANA-DE-AÇÚCAR E O TRABALHO DECENTE

Salvador 2008

(2)

AS RELAÇÕES DE TRABALHO RURAL NAS USINAS DE

CANA-DE-AÇÚCAR E O TRABALHO DECENTE

Dissertação apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito Privado.

Orientador: Prof. Luiz de Pinho Pedreira da Silva – Livre Docente.

Salvador 2008

(3)

Silva, Laura Vasconcelos Neves da

As relações de trabalho rural nas usinas de cana-de-açúcar e o trabalho decente / Laura Vasconcelos Neves da Silva. - - Salvador. 2008.

158 f. : il.

Dissertação (Mestrado) apresentada à Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Direito, 2008.

Orientador: Luiz de Pinho Pedreira da Silva

1. Direitos fundamentais. 2. Constituição Federal do Brasil. 3. Trabalhadores Rurais. 4. Trabalhadores da agroindústria

açucareira. 5. Trabalho escravo. 6. Trabalho decente. I. Silva, Laura Vasconcelos Neves da. II. Título.

CDD: 344.8101763 CDU: 34:331.795(81)(043)

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AS RELAÇÕES DE TRABALHO RURAL NAS USINAS DE CANA-DE-AÇÚCAR E O TRABALHO DECENTE

Dissertação apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito Privado.

Data da Defesa: ______ de ____________ de ______ Resultado: _____________

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof. Dr. Luiz de Pinho Pedreira da Silva - Orientador

Universidade Federal da Bahia

__________________________________________________ Prof.Dr. Rodolfo Pamplona Filho

Universidade Federal da Bahia

__________________________________________________ Prof.Dr. Sérgio Torres Teixeira

(5)

Dedico este trabalho aos meus pais, Wilson e Lenyra, que me deram a vida; Ao meu marido, Elson, que me fez amar a vida; e às minhas filhas, Catarina e Cecília, pelas quais vale a pena viver.

(6)

Ao meu marido, Elson, que vivenciou, criticou, debateu e questionou todas as afirmações contidas nesta dissertação, sem perder a ternura, jamais.

Ao Prof. Pinho Pedreira, meu ilustre orientador, que me abriu as portas da sua casa e me cedeu livros, sem parcimônia.

Ao Prof. Rodolfo Pamplona Filho, cujo bom humor e incansável otimismo foram bastante incentivadores.

À minha admirável colega de magistratura, Prof. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa, que sabe como repartir o conhecimento.

Aos meus colegas, servidores da Vara do Trabalho de Propriá, Helde, Vicente, Jorge, Dinalvo, Donizete e André, cujo apoio foi imprescindível.

À querida bibliotecária, Jaciara, que fez uma brilhante revisão.

Por fim, aos colegas, professores e servidores do PPGD-UFBA, especialmente Jovino, Luísa, Ângela e Angélica, que, ao longo do curso, não se furtaram a contribuir para a conclusão deste trabalho.

(7)

“Mas o que é certo é que nem o pensamento de Karl Marx, explicador da história e inventor do futuro, poderia ter imaginado que, em lugar do desaparecimento das classes e da presença para sempre de operários, camponeses e intelectuais como autogovernantes e autogovernados, dedicados a um trabalho sem exploração e, no final das contas, sem Estado, viesse a surgir no final do século XX o reino da negação do trabalho e da plena subordinação do homem à tecnologia, a nova classe dominante.”

Néstor de Buen1

1

BUÉN, Nestor. O estado do mal-estar. Revista legislação do trabalho, n. 5, v. 62, maio, 1998, p. 612-618.

(8)

A Constituição Federal de 05/10/1988, no artigo 7º, promoveu a esperada equiparação entre todos os trabalhadores, fossem eles da cidade ou do campo, eventuais, avulsos ou permanentes e até os domésticos. Os direitos fundamentais, como integrantes do ordenamento jurídico, também alcançam a ordem privada, protegendo os indivíduos de violações do Estado ou de outros indivíduos ou de grupos privados. O trabalho decente é um instrumento erigido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a promoção dos direitos fundamentais no trabalho, o emprego, a proteção social e o diálogo social. Os direitos fundamentais devem ter aplicação direta e imediata, tanto nas relações do particular com o Estado, como nas relações privadas. Não obstante, os direitos fundamentais dos trabalhadores rurais da cana-de-açúcar são descumpridos pelos empregadores. No Brasil, a realidade que se apresenta no meio rural é a de prestação de trabalho em condições análogas à de escravo. Além disso, os índices de acidentes de trabalho no setor sucroalcooleiro se mostram alarmantes. O etanol produzido a partir da cana-de-açúcar trará divisas para o Brasil, mas as riquezas desse setor ainda não atingiram os trabalhadores. É necessário assegurar a esses trabalhadores condições reais de igualdade de tratamento para resgatar o valor do trabalho rural. Somente dessa maneira eles serão inseridos na perspectiva dos direitos humanos fundamentais, nos contornos definidos pela OIT para a construção do modelo do trabalho decente.

Palavras-chave: Direitos fundamentais; Constituição Federal do Brasil;

(9)

The Brazilian Federal Constitution of October 5th, 1988, in the seventh article, promoted the waited equalization among all the workers, no matter they were from the city or the field, eventual, stower or permanent and even domestic servants. The fundamental rights, as integrant of the legal system, also reach the private order, protecting the individuals from breakings of the State or other individuals or private groups. The decent work is an instrument erected by the International Labor Organization (ILO) for the promotion of the fundamental rights at work, employment, social protection and social dialogue. The fundamental rights must have direct and immediate application, not only in the relations of the privates with the State, but also in private relations. Nevertheless, the fundamental rights of sugar cane agricultural workers are disregarded by the employers. In Brazil, the reality that occurs in the agricultural environment is of service rendered in conditions that are similar slave work. Moreover, the levels of industrial accidents in the sugar cane sector are alarming. The ethanol which is produced from the sugar cane will bring profits to Brazil, but the wealth of this sector has not reached the workers yet. It is necessary to assure to these workers real conditions of equal treatment to rescue the value of the agricultural work. Only in this way they will be inserted in the perspective of the fundamental human rights, in the contours defined by the International Labour Organization for the building of a decent work pattern.

Keywords: Fundamental rights; Brazilian Federal Constitution; Agricultural workers; Sugar cane; Slave work; Decent work.

(10)

Quadro 1 – Produção de cana-de-açúcar no estado, em 2006 ... 123 Figura 1 – Gráfico de percentagem da quantidade de cana-de-açúcar

produzida pelos estados do Nordeste ... 123 Figura 2 – Gráfico Percentagem da área plantada de cana-de-açúcar nos

estados do Nordeste ... 124 Figura 3 – Gráfico Percentagem da área de cana-de-açúcar colhida nos

estados do Nordeste ... 124 Figura 4 – Gráfico Percentual do valor de produção de cana-de-açúcar nos

(11)

1 INTRODUÇÃO

...

10

2

O DIREITO DO TRABALHO RURAL ...

16

2.1

HISTÓRICO DO DIREITO DO TRABALHO RURAL NO

BRASIL...

18

2.2

AS RELAÇÕES DE TRABALHO RURAL ...

32

2.2.1 O trabalhador rural safrista da cana-de-açúcar ... 33

2.2.2 O Empregador rural ... 44

3

O TRABALHO DECENTE NA ORGANIZAÇÃO

INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) ...

53

3.1

CONCEITO DE TRABALHO DECENTE ...

54

3.1.1 As Convenções e recomendações da OIT sobre o trabalho rural .... 57

3.1.2 A Agenda Nacional do Trabalho Decente ... 60

3.2 SITUAÇÕES

DE

TRABALHO RURAL ESCRAVO ...

62

3.2.1 Trabalho em condições análogas à de escravo ... 66

3.2.2 Trabalho forçado ... 70

3.2.3 Trabalho em condições degradantes ... 73

3.3

O VALOR DO TRABALHO DECENTE ...

77

3.3.1 O trabalho na Antigüidade ... 80

3.3.2 O trabalho na Idade Média ... 81

3.3.3 O trabalho na Era Moderna ... 82

3.3.4 Nascimento, consolidação e autonomia do direito do trabalho ... 85

3.3.5 A crise do capitalismo no final do século XX e as relações de trabalho ... 87

4 OS

DIREITOS

FUNDAMENTAIS E O TRABALHO RURAL ..

91

(12)

4.4 OS

DIREITOS

FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE

TRABALHO RURAL ...

107

4.4.1 Os direitos fundamentais sociais ... 108

4.4.2 Os direitos fundamentais dos trabalhadores rurais ... 116

5

AS RELAÇÕES DE TRABALHO RURAL NAS USINAS DE

CANA-DE-AÇÚCAR E O TRABALHO DECENTE ...

122

6 CONSIDERAÇÕES

FINAIS

...

146

REFERÊNCIAS

...

149

(13)

1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem como objeto de estudo a análise das relações de trabalho nas usinas de cana-de-açúcar para, com base nos direitos fundamentais, verificar o seu enquadramento na categoria de trabalho decente.

Para isso, impõe-se como objetivo a investigação sobre até que ponto a ausência de efetividade do princípio da isonomia dos trabalhadores urbanos e rurais faz com que o labor desenvolvido no meio rural não se classifique como trabalho decente.

A categoria do trabalho decente é uma estratégia da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para fazer frente aos efeitos maléficos da globalização. Tem em vista a aspiração universal de homens e mulheres por trabalho produtivo em condições de liberdade, equidade, seguridade e dignidade.

“Trabalho decente” quer dizer para a Organização Internacional do Trabalho (OIT): emprego (“ocupação”) assalariado e por conta própria, com proteção social, com respeito aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, e com diálogo social. Por essa razão, faz-se imperioso observar se as relações de trabalho rural nas usinas de cana-de-açúcar no Brasil se enquadram nessa categoria.

Da mesma forma que ocorreu na passagem do século 16 para o século 17, quando o país era líder mundial na fabricação de açúcar, a cana-de-açúcar se constitui numa fonte de riqueza e oferece imensas oportunidades para o Brasil. Desta vez, a cana é a matéria prima para o álcool combustível. O etanol pode se transformar em commodity, passando a ter cotação no mercado internacional.

O interesse no álcool combustível, desse modo, acaba por alcançar proporções internacionais, gerando aumento da sua produção e importantes investimentos no setor.

O aquecimento da economia, apesar dos indubitáveis aspectos positivos, traz consigo o descumprimento das normas trabalhistas por parte dos empregadores. A despeito de todas as novas regras que permitem a negociação das condições de trabalho, tais como jornada e remuneração, os trabalhadores rurais da cana-de-açúcar são submetidos a expedientes de até doze horas nos meses de safra, dispondo de apenas uma folga por mês.

(14)

No auge e na decadência do ciclo da cana-de-açúcar os escravos cuidavam da lavoura e punham os engenhos para funcionar. No Brasil do século 21, a arrancada do etanol foi dada por lavradores negros, na sua maioria.

O labor rural sempre foi e continua sendo exercido em circunstâncias muito difíceis. Até o século 19, era realizado por escravos. A abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, não se traduziu em melhoria das condições daquela labuta.

Não se pode permitir que o interesse econômico prevaleça frente a valores de maior relevância, isto é, os valores que estão direcionados à garantia da ordem fundamental, relacionados à higidez do meio ambiente e à observância das normas que regulam as relações de trabalho envolvidas.

A Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988 adotou o princípio da isonomia entre todos os trabalhadores discriminando, no art. 7º, os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, sem prejuízo de outros que visem à melhoria da sua condição social. No inciso XXXIV do mesmo artigo, realça-se ainda mais a prevalência do princípio com a inscrição da igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

A recepção dos direitos sociais pela Constituição da República os elevou à categoria de direitos fundamentais. Por esta razão, exigem do Estado a obrigação de realizar ações concretas para lhes garantir um mínimo de igualdade e de bem estar social. Não obstante, depois de decorridos vinte anos da promulgação do diploma constitucional, observa-se que os trabalhadores rurais ainda não foram beneficiados pela efetividade desses dispositivos.

É evidente que os direitos fundamentais dos trabalhadores exigem uma contraprestação também dos particulares, haja vista que, no caso específico, estes são os empregadores, não excluindo o Estado, inclusive tanto na qualidade de empregador, como no caso de instituição apta a realizar os princípios de justiça social.

Por isso, merece destaque a verificação do trabalho decente, que deve ser almejado como forma de proteção dos direitos humanos fundamentais, sintetizados no princípio da dignidade da pessoa humana, inclusive no âmbito das relações de trabalho rural.

Uma conseqüência direta do fenômeno de globalização mundial é a redução da importância do trabalhador para a atividade econômica. Isto se verifica porque há excesso na oferta de mão de obra. Apesar disso, há cada vez menos pessoas

(15)

trabalhando para que, assim, se possa aumentar a produtividade. A produtividade adicional representa um trunfo contra a concorrência, sendo revertida em benefício da diminuição dos custos da empresa e não em favor da maior comodidade dos produtores.

Existem dois fatores extrajurídicos que atuam com violência sobre a vontade do credor no direito do trabalho, isto é, o empregado: o primeiro é a impossibilidade fática de resistência. O segundo fator de desequilíbrio é que, na prática, a justiça só pode ser acionada depois que o empregado perde o emprego.

Enquanto o credor comum pode fazer valer os seus direitos, e normalmente o faz com a sua simples presença física, o credor trabalhista é obrigado a se submeter. Aqui não acontece como na esfera civil, porquanto um dos contratantes (o empregado) se encontra sempre, ou quase sempre, em posição vulnerável diante do outro (o empregador).

De tudo isto decorre a importância e a urgência de se estudar o enquadramento das relações de trabalho rural na categoria do trabalho decente, especificamente aquele trabalhador que fornece sua energia física para o cultivo e a colheita dos canaviais. Está demonstrado que, se a revolução industrial possibilitou o surgimento das grandes massas trabalhadoras, a revolução tecnológica importa, cada vez mais, na sua redução. A substituição do ser humano pelos robôs o conduz à fome, à pobreza, à miséria1 e ao desespero.

A escolha do tema se dá igualmente pela perplexidade da sociedade civil diante das notícias de trabalho em condições degradantes e em condições semelhantes àquelas a que eram submetidos os escravos no Brasil.

A hipótese aqui desenvolvida é que o trabalho prestado nas lavouras de cana-de-açúcar não alcançou ainda o patamar de trabalho decente, nos moldes desenhados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O trabalhador rural da cana-de-açúcar sofre ainda com a precarização das condições de trabalho, de saúde e de meio ambiente de trabalho e o rebaixamento do seu salário.

No presente texto o foco dirige-se a um segmento dos trabalhadores, que são

      

1

CASTELLS, Manuel. Fim de milênio (A era da informação: economia sociedade e cultura. V.3). São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 98. Pobreza é uma norma definida institucionalmente que se refere a um nível de recursos abaixo do qual não é possível atingir o padrão de vida considerado mínimo em uma sociedade e época determinadas. Miséria refere-se ao que os estatísticos sociais chamam de “pobreza extrema”, isto é, o nível mais baixo de distribuição de renda/ bens ou o que alguns especialistas conceituam como “privação”, apresentando uma ampla gama de desvantagens sociais/econômicas.

(16)

os empregados rurais, que, apesar de ter seus direitos disciplinados pela Constituição Federal e apesar de ser permitida a negociação dos direitos com a presença do sindicato, ainda não teve efetivada, de forma integral e digna, a proteção do seu trabalho, dos seus direitos trabalhistas e o amparo previdenciário.

O Programa do Trabalho Decente foi lançado em 1999, na 87ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tendo em vista a intenção de estabelecer meios concretos e confiáveis para medir o avanço dos países em face da consecução de trabalhos decentes para os seus cidadãos. O trabalho produtivo tem que ser prestado sob as condições de liberdade, equidade, seguridade e dignidade.

No surgimento do conceito pela primeira vez, em 1999, delinearam-se os seus elementos, que são: o emprego, a proteção social, os direitos dos trabalhadores e o diálogo social. O emprego tem que ser remunerado de maneira justa, a fim de garantir, com dignidade, a sobrevivência do trabalhador e de sua família, seja por conta própria ou assalariado. A proteção social abrange a seguridade social, isto é, o sistema de proteção do trabalhador, inclusive nos afastamentos não desejados (doença, velhice e acidentes do trabalho).

Nesse diapasão, impõe-se a revisão de literatura de autores estrangeiros, que afirmam que o trabalho decente, além de constituir um aporte considerável para o objetivo do desenvolvimento duradouro, é uma finalidade importante por direito próprio.

A proposta é realçar a idéia de que o “trabalho decente” é válido, tanto para os trabalhadores da economia regular, como para os trabalhadores assalariados da economia informal, os trabalhadores autônomos (independentes) e os que trabalham em domicílio.

A literatura nacional, produzida em torno do conceito de trabalho decente, é relativamente nova. Justamente por isso tem relevância a sua revisão, tendo em vista que o conceito que aqui se estuda foi recentemente construído.

É sabido que a OIT desfraldou a bandeira do trabalho decente para todos, como meio de lograr uma globalização justa, capaz de favorecer a inclusão social. De modo que, na visão daquela organização, somente com o emprego produtivo e o trabalho decente alcançar-se-á a redução da pobreza.

Os autores mencionados ao longo do texto reconhecem que o paradigma do trabalho decente não tem em vista somente o objetivo de abarcar o trabalho

(17)

subordinado. Há de se enfatizar o tratamento da dignidade no âmbito das relações de trabalho em sentido amplo. O princípio da proteção do hipossuficiente há de ser revisto, uma vez que ainda não cessou a evolução do Direito do Trabalho.

O trabalho produtivo é a fonte principal de recursos da imensa maioria da população mundial. Sendo assim, cabe aos estudiosos, aos operadores e aos aplicadores do Direito um esforço conjunto para construir um conteúdo jurídico para o conceito de trabalho decente.

O Direito do Trabalho tradicional, tutelar, marcado por uma visão mais doutrinária do que econômico-social entra em choque com o novo modelo de desenvolvimento de mercado, de modo que o seu grande desafio é o de se adequar a esta nova ordem socioeconômica, tentando influir nos resultados da mudança.

Este texto caracteriza-se como uma pesquisa exploratória com o delineamento de pesquisa bibliográfica, tendo como foco o Direito do Trabalho Rural e a nova categoria do trabalho decente. Ao mesmo tempo, há de se analisar a razão pela qual o trabalho rural na cana-de-açúcar não pode ainda ser enquadrado na categoria de trabalho decente. Metodologias apropriadas ao atendimento dos objetivos foram utilizadas, tais como o levantamento bibliográfico da literatura específica do campo do Direito do Trabalho, sociologia e economia, inclusive com o recurso da pesquisa em monografias, artigos de periódicos e notícias de jornais.

No que se refere à estruturação da dissertação, esta foi dividida em quatro capítulos, além das considerações finais.

No Capítulo 2, faz-se um breve histórico do direito do trabalho rural no Brasil, com a exposição da evolução legislativa no período anterior à abolição da escravidão até os dias presentes. Além disso, oferece-se a análise do conceito de trabalhador rural, chamando atenção para o enfoque específico sobre o empregado rural safrista da cana-de-açúcar, e do conceito de empregador rural.

No Capítulo 3, será estudado o trabalho decente na OIT, desde a criação do conceito, e os pilares que dão sustento a essa noção. A categoria de trabalho decente será confrontada com o conceito de trabalho em condições análogas à condição de escravo, nos termos do art. 149, do Código Penal, no intuito de consolidar um ideário sobre a situação dos trabalhadores rurais da cana-de-açúcar. É importante, ainda, o estudo da concepção do trabalho como valor e a crise dessa noção na atualidade. Desse modo, serão apontados os elementos que configuram o

(18)

trabalho decente e indicadas as maneiras de tornar o labor exercido nos canaviais em condições compatíveis com a dignidade humana.

No Capítulo 4, será abordado o trabalho rural na perspectiva dos direitos fundamentais. Um breve histórico da evolução dos direitos fundamentais, além de considerações de ordem terminológica acerca destes, também serão empreendidos neste ponto. No final do capítulo, serão abordados os direitos sociais como parte dos direitos humanos fundamentais, com especial destaque para a questão da efetividade desses direitos no meio rural.

No Capítulo 5, será examinada a vinculação do trabalho rural nas usinas de cana-de-açúcar com o trabalho decente, sem descuidar da análise do impacto sócio-ambiental das plantações de cana-de-açúcar sobre as relações de trabalho.

Nas considerações finais há uma tentativa de mostrar as conclusões e formular propostas a partir do que se constatou no decorrer dos capítulos.

(19)

2 O DIREITO DO TRABALHO RURAL

Impõe-se voltar a um passado relativamente longínquo para explicar a evolução das leis trabalhistas, no que diz respeito ao trabalho rural no Brasil, no intuito de construir historicamente, através da legislação, as relações sociais construídas no campo, no que tange ao trabalhador da cana-de-açúcar e seus direitos.

Manuel Alonso Olea diz que “é o estudo histórico o que dá base a considerações que, de outra forma, pareceriam artificiais ou dogmáticas”.2

O cultivo da cana-de-açúcar, principalmente no Nordeste brasileiro, aumenta a exclusão social exigindo grandes extensões de terras e a contratação de um elevado número de trabalhadores por safra e com baixos salários, causando assim desemprego sazonal e desestruturação na economia local e no tecido social da região.

O direito do trabalho tem por princípio a proteção da parte mais fraca nas relações contratuais.

O motivo dessa proteção é a inferioridade do contratante amparado em face do outro, cuja superioridade lhe permite, ou a um organismo que o represente, impor unilateralmente as cláusulas do contrato, que o primeiro não tem a possibilidade de discutir, cabendo-lhe aceitá-las ou recusá-las em bloco.3

O Direito do Trabalho surgiu, em meados do século XVIII e início do século XIX, como uma reação jurídica contra os conceitos do direito civil aplicados às relações de trabalho. Estas eram até então consideradas como qualquer relação jurídica de interesse privado, em que predominava o pressuposto da igualdade jurídica das partes. Uma das partes, representada pelo capital, dono do poder, que enfeixava em suas mãos todos os instrumentos legais, institucionais e morais para estabelecer o rumo das relações jurídicas. A outra parte, o trabalhador, se encontrava sem meios para fazer valer a sua individualidade, ou seja, não dispunha de qualquer poder negocial ou instrumento de barganha nas relações com seus patrões, impondo-se a intervenção estatal para legislar sobre o assunto, colocando

      

2

OLEA, Manuel Alonso. Introdução ao direito do trabalho. Tradução de Regina Maria Macedo Nery Ferrari et alli. Curitiba: Genesis, 1997, p. 138.

3

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do direito do trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr., 1999, p. 22.

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limites à liberdade de contratação. No caso do direito do trabalho, o Estado foi chamado inicialmente para intervir em virtude da vulnerabilidade dos trabalhadores frente ao poder do capital.

O princípio da proteção do hipossuficiente é o princípio seminal do direito do trabalho, uma vez que, ao reconhecer “a desigualdade de fato entre os sujeitos daquela relação jurídica, promove a atenuação da inferioridade econômica, hierárquica e intelectual dos trabalhadores”.4

Compensa-se, no plano jurídico, a desigualdade no plano econômico.

A hipossuficiência ou inferioridade dos trabalhadores é uma forma de vulnerabilidade. Luiz de Pinho Pedreira da Silva5

classifica a inferioridade em três espécies: “inferioridade-constrangimento”, que é aquela que afeta o consentimento do contratante fraco em seu componente de liberdade; “inferioridade-ignorância”, que é a que faz o essencial da desigualdade entre os contratantes quando um é profissional e o outro um leigo; e a “inferioridade-vulnerabilidade”, segundo a qual o assalariado é um contratante vulnerável porque, na execução do contrato, sua própria pessoa está implicada ou corre o risco de ser implicada, uma vez que o contrato de trabalho incide sobre a atividade física e, de certo modo, sobre o corpo do empregado.

O trabalho rural, quase tão antigo quanto o homem, não deu ensejo ao surgimento de um direito que protegesse os trabalhadores do campo. A explicação para isso é que, como a maior parte dos que prestavam serviços no meio rural eram ou tinham sido escravos, estes lutavam pelo bem maior da liberdade e, ademais, não possuíam força política para reivindicações de direitos. Assim sendo, depreende-se que a formação da massa trabalhadora nas cidades ocorreu porque se tratava de homens livres. Já a disciplina da proteção jurídica ao trabalhador rural surgiu no meio intelectual e político, como um reflexo natural do avanço do direito social6

surgido após a segunda guerra mundial.

Sabe-se que o universo do trabalho rural é extremamente diversificado, de tal maneira que são várias as formas de contratação do trabalho rural, seja esse

      

4

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do direito do trabalho, op. cit., p. 29.

5

Idem. Ibidem, p. 22-24.

6

Aprovada em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem tem a solidariedade como princípio correlato ao reconhecimento da dignidade humana, refletido no conteúdo dos direitos sociais e econômicos, elencados nos artigos XXII a XXVI.

(21)

remunerado ou não, assalariado ou não, sempre de acordo com os costumes e as peculiaridades culturais e econômicas de cada região.

É certo também que houve muitos modos de prestação do trabalho rural que antecederam o trabalho assalariado. Destacam-se o colonato e a parceria, além do trabalho escravo que predominou no Brasil desde o descobrimento até a sua abolição formal, em 1888.

No presente capítulo, far-se-á uma abordagem do histórico do trabalho rural remunerado para, em seguida, focalizar, especificamente, o trabalho rural nas usinas de cana-de-açúcar.

2.1 HISTÓRICO DO DIREITO DO TRABALHO RURAL NO BRASIL

No Brasil, o trabalho rural foi desde o início tratado com desleixo e visto como inferior. Tanto assim, que a sua regulamentação ocorreu com significativo atraso em relação à do trabalho urbano.

No período colonial, que vai de 22 de abril de 1500, data do descobrimento, até 7 de setembro de 1822, data da proclamação da independência, o trabalho rural não recebeu regulamentação específica. Isto porque, como relata Paula Werner da Gama, o trabalho “era relegado aos escravos ou a trabalhadores livres e semi-livres, igualmente explorados e oprimidos”.7 De modo que não existia preocupação em

aperfeiçoá-lo.

A primeira lei que alcançou o trabalho no campo, em território brasileiro, é de 13/09/1830.8 Exigia contrato escrito para a prestação de serviços de brasileiros no

exterior e de locação de serviços de colonos, sem, entretanto, qualquer referência aos trabalhadores inseridos em atividades tipicamente rurais.

Apenas com o advento do Decreto n.º 2.827, de março de 1879, é que se cuidou especificamente do rurícola, regulando a locação de serviços rurais e o

      

7

GAMA, Paula Werner da. 2006. 256 f. O trabalho rural no Brasil e o trabalho decente. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Direito, São Paulo, 2006, p. 29.

8

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. O direito do trabalho e a república. In: O direito na República.

Contribuição da Academia de Letras Jurídicas da Bahia às comemorações do centenário da Proclamação da República. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1989, p. 225. “As sanções

para o seu descumprimento, inclusive pelos empregados, eram de natureza penal (prisão), o que revela o seu espírito, bem diverso daquele que anima, hoje, o Direito do Trabalho”.

(22)

trabalho desenvolvido em parcerias rurais. Entretanto, pelo fato de ter surgido em pleno vigor do regime escravocrata, não se há de considerá-la uma lei de proteção ao trabalho rural.

Observa-se que essas leis anteriormente mencionadas focalizavam principalmente os trabalhadores estrangeiros, que começaram a chegar ao Brasil no século XIX, por volta do ano de 1850, para trabalhar no regime de colonato, porquanto não havia ainda sido abolida a escravidão.

A partir da segunda metade do século XIX, promulgaram-se leis com efeito gradual de abolição, quais sejam: a proibição do tráfico negreiro (Lei Eusébio de Queiroz, de 1850); a que libertava os nascituros de mulheres escravas (Lei do Ventre Livre, de 1871) e os escravos sexagenários (Lei dos Sexagenários, de 1885).

Todas essas leis tinham em seu bojo, além do objetivo específico de promover o fim da escravatura no Brasil, a preocupação dos proprietários rurais com a perda dessa mão-de-obra e o comprometimento de suas atividades produtivas, a justificar o disciplinamento legal da locação de serviços após o fim da escravidão.

As normas de proteção aos colonos estrangeiros foram precursoras de um trabalho assalariado sistematicamente organizado. Entretanto, há de se ressaltar que a Região Nordeste não contou com a imigração massiva de trabalhadores estrangeiros. Isto ocorreu de forma predominante na Região Sudeste do Brasil, notadamente no Oeste Paulista.

Josué Modesto dos Passos Subrinho destaca o Congresso Agrícola do Recife, de 1878, como “um documento importante acerca da transição do trabalho escravo para o trabalho livre no Nordeste açucareiro”, no qual ficou registrado:

A imigração foi praticamente descartada como solução ou como auxílio na transição do trabalho escravo para o trabalho livre. [...] A inexistência de terras férteis devolutas, o clima e a incapacidade de pagamento de salários atrativos eram tidos como barreiras intransponíveis.9

Enquanto isto, o que se verifica no Nordeste brasileiro, na região açucareira propriamente dita, é que os proprietários de terras e escravos e as elites dirigentes traçaram uma estratégia consensual de desescravização e coerção da população livre, como forma de transição do trabalho escravo para o livre.

Josué Modesto dos Passos Subrinho vê nessa transição um processo de crise e de reordenamento social. Ele diz que os princípios do liberalismo: a liberdade

      

9

SUBRINHO, Josué Modesto dos Passos. Reordenamento do trabalho. Trabalho escravo e trabalho

(23)

individual, a liberdade de ação econômica e não interferência do Estado na órbita privada, nortearam a independência política do País e inspiravam vários dispositivos da Constituição do Império, de 1824. Não obstante, tais idéias, por não se encaixarem na realidade produtiva e nas relações cotidianas da população, pareciam exóticas, artificiais e deslocadas.10

Aqui no Brasil o trabalho era prestado de forma compulsória pelos escravos. Ao lado disso, havia pessoas livres que também trabalhavam ou então cultivavam o ócio. Viviam, porém, dependentes da proteção e do favor dos grandes proprietários.

Fábio Rodrigues Gomes assevera:

De notar que a ética do trabalho, assim incorporada pela doutrina brasileira, não chegou a produzir todas as suas conseqüências na prática, seja pela sobrevivência da escravidão, seja pela persistência da mentalidade cavalheiresca da aristocracia rural.11

As autoridades policiais e os proprietários agrícolas passaram, então, a formular propostas de engajamento da população livre. Nestas propostas estava implícita a justificação de violação dos direitos individuais, porquanto a sociedade nacional era diferente da européia e, “assim, não obstante a superioridade e a desejabilidade dos valores da civilização, eles não podiam ser aplicados no Brasil”.12

As propostas tinham em comum o fato de apontarem a necessidade de uma lei que obrigasse o povo ao trabalho. A população livre, conquanto extremamente pobre, se opunha à sua convocação como força de trabalho, uma vez que a labuta estava vinculada ao serviço feito pelos escravos. Ademais, essa população não estava acostumada ao esforço despendido pelos cativos e não necessitava daquele tipo de atividade intensa.

Apenas, como os brancos, os mulatos livres abominavam o trabalho, marcado pelo estigma da escravidão. E, igualmente, brancos pobres e mulatos livres preferiam a mendicância ao trabalho manual. [...] A maior humilhação dessa sociedade não era a miséria, nem ao menos a mendicância. O ponto mais baixo era a escravidão, e para não serem confundidos com o escravo, tudo era suportável.13

      

10

Idem. Ibidem, p. 184.

11

GOMES, Fábio. O direito fundamental ao trabalho. Perspectivas histórica, filosófica e

dogmático-analítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 336.

12

Esta foi uma “solução à brasileira” adotada para contornar a incompatibilidade entre liberdade individual e coerção ao trabalho, de acordo com SUBRINHO, Josué Modesto dos Passos.

Reordenamento do trabalho. Trabalho escravo e trabalho livre no Nordeste açucareiro. Sergipe 1850/1930. Op. cit., p. 185-186.

13

FERLINI, Vera Lúcia Amaral. A civilização do açúcar (séculos XVI a XVIII). São Paulo: Brasiliense, 1998, p. 95.

(24)

Nesse diapasão, as primeiras leis que surgem para regular o trabalho rural livre, no Nordeste açucareiro, tinham a índole de ações policiais. A população livre não empregada na grande lavoura era considerada vadia e suspeita de ser praticante costumeira de diversos crimes. Desse modo, a ação policial se justificava na perseguição aos criminosos e na moralização da população através do trabalho.14

A escravidão que se estabelece no Brasil vai criar profundas mazelas sociais, pois o povo escravizado não tinha nenhuma proteção e assim continuou após a abolição do cativeiro. Parte dos libertos seguiu para as cidades ocupando espaços marginais adstritos aos sobrados, criando as primeiras ocupações ilegais que hoje se denominam favelas, e outros continuaram no campo trabalhando em situação de completo desamparo legal, refletindo de forma acentuada nas relações atuais. Em síntese, pode-se afirmar que a sociedade atual está marcada por seu passado escravista e essa é a única justificativa para a legislação abandonar por tanto tempo o trabalhador rural.

No dia 13 de maio de 1888, a Lei Áurea é assinada pela Princesa Isabel, extinguindo oficialmente a escravidão no Brasil. Uma vez libertos, os escravos não tinham acesso à terra e se mantinham na condição de trabalhadores assalariados nas fazendas. Neste período as relações de trabalho no campo, primordialmente na cultura da cana-de-açúcar, estão fincadas no escravismo. Os escravos não negociavam a sua força de trabalho. Eles produziam mercadorias para o exterior, mas não participavam do mercado, que era inexistente. Paralelamente, o trabalho livre recuava diante da escravidão absorvente, transformando este amplo segmento de “desclassificados sociais” do Brasil rural em trabalhadores socialmente dispensáveis.

A continuação da dominação, à qual permaneceu submetido o negro e, em geral, todos aqueles rurícolas sem maiores perspectivas, aliada à grande extensão territorial do país e à fragilidade das leis que regulavam as relações laborais dos camponeses, começaram a construir o perfil do trabalho escravo contemporâneo.15

Já na República, a primeira Constituição foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Nesta, além de não existir nenhuma norma em particular sobre o labor

      

14

SUBRINHO, Josué Modesto dos Passos. Reordenamento do trabalho. Trabalho escravo e trabalho

livre no Nordeste açucareiro. Sergipe 1850/1930. Op. cit., p. 195.

15

SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atualidade. São Paulo: LTr., 2000, p. 40.

(25)

rural, o único dispositivo que se refere a trabalho de modo geral estava disciplinado no artigo 72, parágrafo 24, segundo o qual “é garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”. 16

O Decreto n.º 213, de fevereiro de 1890, revogara o direito antigo, isto é, as leis de 1830 e de 1837 e o decreto de 1879. A Lei n.º 1.150, de 1904, e a lei n.º 1.607, de 1906, trataram dos salários dos camponeses. O Decreto n.º 979, de 06/01/1903, regulamentado através do Decreto nº 6.532, de 20/06/1907, autorizou a fundação e o funcionamento dos sindicatos rurais.17

Aqui é necessário um esclarecimento. Não é de estranhar que a regulamentação do sindicato tenha começado no campo, porquanto a economia do País, nessa época, era sustentada pela lavoura monocultora. Entretanto, a norma não teve efeito prático, uma vez que não existiam conflitos sociais no campo naquele momento histórico. Na realidade, o governo pretendia mostrar aos países europeus que estava adotando uma legislação trabalhista avançada e, assim, podia se enquadrar aos padrões exigidos. Ao lado disso, pretendia atrair mais colonos estrangeiros para a próspera cultura do café.

Até então, conforme a lição de Paula Werner da Gama, “os sindicatos da época tinham como característica marcante o caráter cooperativo e de intermediador de crédito”.18 Sendo assim, o Decreto n.º 979/1903 e o seu regulamento, o Decreto nº 6.532, de 20/06/1907, não tiveram caráter reivindicatório.

Em 1916, o Código Civil entrou em vigor através da lei n.º 3.071, regulando a “locação de serviços”, em que se dava certa proteção ao rurícola, nos artigos 1.216 e seguintes, com atenção especial para a locação de serviços agrícolas, no art. 1.222. A parceria rural, englobando a parceria agrícola e a parceira pecuária, era disciplinada nos artigos 1.410 a 1.423.19

Há de se destacar ainda, no Código Civil, o art. 1.230, que criou o atestado agrícola, e o art. 1.236, que adotou o princípio da continuidade da locação em caso de alienação do prédio agrícola, garantida ao locador a opção entre continuá-la com o adquirente da propriedade ou com o locatário anterior. No art. 1.220, o Código

      

16

Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm.> Acesso em 16 nov. 2008.

17

VIANA, Márcio Túlio. O trabalhador rural. In: Curso de Direito do Trabalho. Estudos em memória de

Célio Goyatá. BARROS, Alice Monteiro de. [Coord.] Vol. 1. São Paulo: LTr., 1993, p. 287.

18

GAMA, Paula Werner da. O trabalho rural no Brasil e o trabalho decente. Op. cit., p. 51.

19

(26)

proíbe a locação por vida e, no art. 1.221, assegura o direito ao locador de rescindir o contrato, quando não houver prazo estipulado.

Ressalta-se o art. 759, parágrafo único, do mesmo Código, que estabelecia que a dívida de salário do rurícola teria preferência sobre os outros créditos e seria paga com o produto da colheita para a qual ele tivesse trabalhado. Não se pode dizer, entretanto, que houvesse aí qualquer feição ou caracterização de ordenamento jurídico de cunho trabalhista. O Código Civil de 1916, fortemente influenciado pela ideologia liberal dominante na época, disciplinava as relações de trabalho como meros contratos de locação de serviços.

Vieram depois o Decreto n.º 23.611, de dezembro de 1933, instituindo os “consórcios profissionais cooperativos”; e o Decreto n.º 24.637, de 10 de julho de 1934, estabelecendo sob novos moldes as obrigações resultantes dos acidentes do trabalho, que definia, no art. 3º, a figura do empregado em sentido geral:

Todo indivíduo que, sem distinção de sexo, idade, graduação ou categoria, presta serviços a outrem na indústria, no comércio, na agricultura e na pecuária e de natureza doméstica, a título oneroso, gratuito ou de aprendizagem, permanente ou provisoriamente, fora de sua habitação, com as exceções constantes do art. 64.20

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 16 de julho de 1934, traz a disciplina sobre o trabalho, em sentido geral, no Título IV, “Da Ordem Econômica e Social”. É importante o registro desta Magna Carta, porquanto foi a primeira a dispor sobre o trabalho rural no Brasil. Naquele diploma já se previa a isonomia entre os trabalhadores da cidade e os do campo, no artigo 121. E no parágrafo 4º desse mesmo artigo estava disposto:

O trabalho agrícola será objeto de regulamentação especial, em que se atenderá, quanto possível, ao disposto neste artigo. Procurar-se-á fixar o homem ao campo, cuidar de sua educação rural, e assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento das terras públicas.21

No que concerne à Constituição decretada em 10 de novembro de 1937, surgida no contexto da ditadura do Estado Novo, no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), o trabalho é considerado um dever social (art. 136). Nesta, o trabalho rural não foi contemplado com qualquer dispositivo expresso.22

      

20

LIMA, Rusinete Dantas de. O trabalho rural no Brasil. São Paulo: LTr., 1992, p. 16.

21

Idem. Ibidem, p. 33-34.

22

(27)

Amauri Mascaro Nascimento diz, com acerto, que “o direito do trabalho getulista não foi um direito para o trabalhador rural”.23

Quando entrou em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), através do Decreto-Lei n.º 5.452, de 01 de maio de 1943, ela excluiu, de forma expressa, os trabalhadores rurais da sua proteção (art. 7º, letra “b”). Não obstante, o diploma consolidado assegurava a esses mesmos trabalhadores algumas garantias mínimas, tais como o direito a um salário mínimo (art. 76); o direito a férias anuais remuneradas (art. 129, parágrafo único); aviso prévio (art. 487); o direito à aplicação das normas genéricas sobre remuneração e às normas de proteção ao contrato individual de trabalho (art. 505). No mesmo diploma legal enxerga-se, “contraditoriamente, a exclusão e o alcance do trabalhador rural por alguns dispositivos expressos da Consolidação e leis esparsas”.24

A promulgação da CLT representou uma conquista dos trabalhadores urbanos, isto é, dos empregados da cidade. Com ela, o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) conseguiu atualizar pelo menos cem anos em relação ao atraso de cento e cinqüenta anos de legislação de direito do trabalho no âmbito internacional. Várias etapas foram ultrapassadas com o objetivo de reverter a economia predominantemente rural para uma economia industrial.

A despeito da sua condição de “essencialmente agrícola” por longas décadas, o Brasil não providenciou a proteção jurídica aos trabalhadores nas atividades do campo. No entanto, para aqueles que se dedicavam ao trabalho na indústria e no comércio, isto é, as atividades engendradas no meio urbano, desenvolveu-se progressivamente a legislação protetora, compendiada na Consolidação das Leis do Trabalho.

Os trabalhadores rurais foram alijados da revolução proporcionada pela introdução de uma legislação trabalhista consolidada. Isto ocorreu em nome de um projeto de governo de implantar a industrialização do País, tendo em vista que a agricultura exportadora estava se tornando incapaz de produzir os bens necessários para as demandas da sociedade brasileira e, em conseqüência, de sustentar o desenvolvimento econômico da Nação. Ao lado disso, somaram-se o baixíssimo

      

23

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. O trabalho rural na Constituição de 1988. Regulamentação e

realidade. Revista LTr. 59-10/1305-1310. São Paulo: LTr., 1995, p. 1307.

24

(28)

nível de escolaridade em virtude do analfabetismo existente, a desqualificação e a ausência de consciência coletiva dos trabalhadores rurais.

Ademais, o trabalhador rural permaneceu durante longo tempo, no Brasil, desprovido também de proteção adequada quanto ao aspecto previdenciário. Ressalta-se a situação de carência de bens essenciais à sua manutenção e de sua família. O trabalhador rural ficou relegado a um padrão de vida não condizente com a dignidade humana.25

Ainda na vigência do governo de Getúlio Vargas, verificou-se a edição do Estatuto da Lavoura Canavieira, decreto-lei n.º 3.855, de 21 de novembro de 194126

, e do decreto-lei n.º 6.969, de 21 de outubro de 194427

, que “dispõe sôbre (SIC) os fornecedores de cana que lavram terra alheia e dá outras providências”. Neste último, o legislador trata especificamente do conceito de trabalhador rural da cana-de-açúcar e sua subordinação à Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 19. Os trabalhadores rurais que percebem salário por tempo de serviço e os empreiteiros de áreas e tarefas certas, remunerados em dinheiro, que não possam ser incluídos nas definições constantes do art. l.º e seus parágrafos do Estatuto da Lavoura Canavieira, terão a sua situação regulada em contratos-tipos aprovados pelo I.A.A.,28-29 sem prejuízo das disposições das leis trabalhistas que lhes sejam aplicáveis.

§ 1º Para os efeitos do disposto nêste artigo (SIC), considera-se trabalhador rural aquele que presta os seus serviços na lavoura canavieira em caráter permanente, periódico ou transitório.

§ 2º Durante a prestação de serviços industriais na usina o trabalhador rural estará subordinado aos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho e das demais leis de proteção ao trabalhador, inclusive das que regulam o salário.

§ 3º Os trabalhadores em engenhos de açúcar, rapadura ou aguardenta terão sua situação regulada pelas leis trabalhistas, não se Ihes aplicando disposto nêste artigo (SIC).

      

25

Idem. Ibidem, p. 20.

26

BRASIL. Estatuto da lavoura canavieira. Decreto-lei n.º 3.855, de 21 de novembro de 1941. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3855.htm >. Acesso em: 19 ago. 2008.

27

BRASIL. Decreto-lei n.º 6969, de 19 de outubro de 1944. Dispõe sobre os fornecedores de cana que lavram terra alheia e dá ouras providências. < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del6969.htm >. Acesso em: 19 ago. 2008.

28

I.A.A. – Instituto do Açúcar e do Álcool. Com a crise econômica de 1929, foi criado o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), cuja função era controlar a produção para manter os preços em um nível adequado, protegendo o produto brasileiro no mercado mundial. Para atingir suas finalidades, o IAA estabeleceu um sistema rígido de cotas, que eram distribuídas entre as diferentes unidades produtoras. Ou seja, cada engenho e usina só poderia produzir uma determinada quantidade de açúcar. Com os preços e a produção rigidamente controlados, a única maneira de manter o negócio lucrativo era reduzir os custos e aumentar a produtividade. Disponível em: < http://www.copersucar.com.br/institucional/por/academia/moderna_agroind.asp >. Acesso em: 01 set.2008.

29

O IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool, autarquia federal vinculada ao Ministério da Indústria e do Comércio, foi extinto pelo Decreto n.º 99.240/90, publicado no DOU de 31.12.91. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/extincao_liquidacao/conteudo/orgaos_entidades_extintos.htm.>. Acesso em: 01 set. 2008.

(29)

O Decreto-Legislativo n.º 7.038, de novembro de 1944, tratou sobre sindicalização rural. Isto demonstra que, do mesmo modo que ocorreu com os trabalhadores urbanos, a dimensão coletiva do trabalho foi tratada de forma autoritária pelo Governo Vargas. O cenário político no qual nasceu toda a legislação social foi autoritário. Não existia participação política dos atores sociais, de modo que os direitos sociais não foram frutos de uma conquista democrática.

Em 18 de setembro de 1946, foi promulgada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil.30 Essa Carta, no artigo 145, disciplinava o trabalho como obrigação

social:

Art. 145 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.

Parágrafo único - A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social.

Naquele texto, ampliou-se a proteção ao trabalhador rural e fez-se incluir o direito à estabilidade e à indenização resultante da dispensa imotivada, no artigo 157, inciso XII.

No mesmo período, destaca-se a lei n.º 605/49, que garantiu o direito ao repouso semanal remunerado.31 Em seguida, a lei n.º 4.066/62, que tratava da

proteção aos recibos de quitação e pedidos de demissão (revogada pela lei n.º 5.562, de 12/12/1968),32 e a lei n.º 4.090/62, que instituía a gratificação de natal ou

13º salário,33 também alcançaram os trabalhadores rurais.

O desenvolvimento das relações de trabalho na agricultura e na pecuária não deixava dúvidas acerca da necessidade premente de uma legislação trabalhista protetora aos inseridos naquelas atividades, razão pela qual surgiu o Estatuto do Trabalhador Rural, através da lei n.º 4.214, de 02 de março de 1963 (ETR).34 O ETR

foi um verdadeiro marco da consagração dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários para o trabalhador rural.

A partir do Estatuto, o trabalhador rural passou a receber proteção específica, com normas e institutos próprios, ou seja, a atividade rural deixou de ser

      

30

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm. Acesso em: 16 nov. 2008.

31

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0605.htm . Acesso em: 16 nov., 2008.

32

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5562.htm. Acesso em: 16 nov., 2008.

33

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4090.htm. Acesso em: 16 nov., 2008.

34

Disponível em: http://www3.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/42/1963/4214.htm. Acesso em: 16 nov. 2008.

(30)

coadjuvante no texto da CLT e passou a contar com quadro jurídico-normativo próprio.

O art. 2º do ETR disciplinou o conceito de trabalhador rural:

Trabalhador rural, para os efeitos desta lei, é toda pessoa física que presta serviços a empregador rural, em propriedade rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro.

O conceito do estatuto revogado diferia da definição mencionada na CLT, art. 3º, em virtude de nesta última constar a subordinação jurídica e a não eventualidade da prestação laboral. Há de se ressaltar ainda que o ETR explicitava o local da prestação de serviços, que deveria ocorrer “em propriedade rural ou prédio rústico”.

Por esta razão, Mozart Victor Russomano advertia:

Com base nesse raciocínio, afirmamos – apesar da má redação do art. 2º - que o trabalhador rural só está beneficiado pelo Estatuto, só é um trabalhador

rural, para os fins da lei que comentamos, quando estiver, hierarquicamente,

subordinado ao empregador, de forma a não poder ser definido como

trabalhador autônomo.35

O Estatuto do Trabalhador Rural não teve vida prolongada e sua aplicação trouxe algumas dificuldades, como, por exemplo, a prescrição após dois anos da cessação do contrato de trabalho (art. 175)36 que diferia de maneira integral da

disposição contida no art. 11, da CLT:

Não havendo disposição especial em contrário nesta Consolidação, prescreve em dois anos o direito de pleitear a reparação de qualquer ato infringente de dispositivo nela contido.

Em que pese ter sido disposto no ETR e, antes disso, na Constituição da República promulgada em 1946, o instituto da estabilidade não foi prestigiado pelos Tribunais e o rurícola permaneceu desabrigado do preceito cogente. Isto porque os julgadores entendiam que a norma da estabilidade dependia de legislação complementar, o que nunca veio a acontecer.

Tudo isso faz entender que a razão do fracasso do ETR foi o fato de que as suas normas foram elaboradas tendo em vista a realidade do trabalho urbano e não aquelas específicas do campo. Por este motivo, as necessidades dos trabalhadores

      

35

RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários ao estatuto do trabalhador rural. Vol. 1. Arts. 1 a 94. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1966, p. 19 (grifos no original).

36

Art. 175. A prescrição dos direitos assegurados por esta lei aos trabalhadores rurais só ocorrerá após dois anos de cessação do contrato de trabalho.

(31)

rurais não foram atendidas de maneira adequada, ou seja, não se consideraram as peculiaridades essenciais que os distinguem dos trabalhadores urbanos.

O Estatuto do Trabalhador Rural foi promulgado em 1963, no Governo de João Goulart. E, em 1964, no governo de Castelo Branco, ocorreu a promulgação do Estatuto da Terra, lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964.37 Naquele tempo, o

campo brasileiro vivia um momento de “intensa mobilização camponesa”, segundo noticia Lygia Sigaud.38

A mesma autora afirma ainda que essas leis encontraram “uma massa organizada e combativa”, cuja luta conseguiu trazer para os trabalhadores agrícolas do açúcar direitos trabalhistas, tais como o direito ao salário mínimo, ao repouso remunerado, às férias e ao décimo terceiro salário, além do direito à sindicalização.

Em 24 de janeiro de 1967 foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil,39

a primeira após o golpe militar de 1964, que se dispôs a garantir a harmonia entre os fatores de produção e a valorização do trabalho humano, tal qual constava no texto da Constituição de 1946.40

Paula Werner da Gama destaca que a Carta Magna de 1967:

Em relação ao trabalho urbano manteve a mesma diretriz de 1946 em matéria de direito coletivo e na esfera do direito individual uma alteração importante foi a introdução do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço como alternativa à estabilidade e indenização, o que provocou um esvaziamento da estabilidade decenal então existente.41

No que concerne ao trabalho rural, não houve qualquer disciplina tanto na Constituição de 1967, quanto na Emenda Constitucional n.º 01, de 17 de outubro de 1969.42

Todavia, é importante destacar o pensamento de Fábio Rodrigues Gomes,43

quando diz que os direitos sociais se inseriram no direito positivo brasileiro justamente nos períodos em que a Nação brasileira estava sob o governo de regimes antidemocráticos. Isto porque no primeiro governo de Getúlio Vargas

      

37

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L4504.htm >. Acesso em 16 nov. 2008.

38

SIGAUD, Lygia. Os clandestinos e os direitos: estudo sobre trabalhadores da cana-de-açúcar de

Pernambuco. São Paulo: Duas Cidades, 1979, p. 38.

39

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm>. Acesso em: 23 nov. 2008.

40

GAMA, Paula Werner da. O trabalho rural no Brasil e o trabalho decente. Op. cit., p. 63.

41

Idem. Ibidem.

42

Disponível em: < http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/30/1969/1.htm>. Acesso em 23 nov. 2008.

43

GOMES, Fábio. O direito fundamental ao trabalho. Perspectivas histórica, filosófica e

(32)

ocorreu a outorga da CLT. E durante o regime militar inaugurado em 1964 deu-se a promulgação da lei n.º 5.889/73. Assim, ao comparar esses dois momentos de governos ditatoriais no Brasil, o autor afirma:

Os dois períodos se assemelham ainda pela ênfase dada aos direitos sociais, agora estendidos aos trabalhadores rurais, e pela forte atuação do Estado na promoção do desenvolvimento econômico. (...) Ao mesmo tempo em que cerceavam os direitos políticos e civis, os governos militares investiam na expansão dos direitos sociais.44

A lei n.º 5.889, de 08 de junho de 1973, com apenas vinte e um artigos, revogou a lei n.º 4.214/63 (ETR) e mandou aplicar as regras da CLT “no que com ela não colidirem”.45

O Decreto n.º 73.626, de 12 de março de 1974, que regulamenta a lei n.º 5.889/73, no artigo 4º, mostra quais as normas da CLT e de outras leis que são aplicáveis ao rurícola.46

Aqui o conceito de empregado rural difere substancialmente daquele consignado no revogado Estatuto do Trabalhador Rural, porquanto está escrito no art. 2º da lei nº 5.889/73:

Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.

Pela lei n.º 5.889/73, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passou a ter aplicação quase integral ao trabalho campesino.

Essa lei, no art. 10, repetiu os termos do ETR, no que diz respeito à prescrição dos créditos trabalhistas dos rurais, dispondo:

A prescrição dos direitos assegurados por esta Lei aos trabalhadores rurais só ocorrerá após 2 (dois) anos de cessação do contrato de trabalho.

Parágrafo único. Contra o menor de 18 (dezoito) anos não corre qualquer prescrição.

A justificativa para se excepcionar o rurícola era a própria peculiaridade do trabalho rural que, habitualmente, requer que o empregado more no próprio emprego, desenvolvendo um relacionamento familiar com o empregador, tornando-se afinal um agregado ao local de trabalho, ali constituindo e criando sua família. Estes envolvimentos entre os empregados e os fazendeiros provocavam a permanente fixação do trabalhador rural nas propriedades e, por isso, justificavam

      

44

GOMES, Fábio. O direito fundamental ao trabalho. Perspectivas histórica, filosófica e

dogmático-analítica. Op. cit., p. 340.

45

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5889.htm> . Acesso em: 16 nov. 2008.

46

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D73626.htm >. Acesso em: 16 nov. 2008.

(33)

os longos períodos não sujeitos à prescrição, por ser mais justa para os trabalhadores.47

Essa ausência de proteção ao longo dos anos criou uma cultura de exploração no campo e reforçou o movimento de migração do trabalhador rural para as grandes cidades. No período de 1930 a 1980 o Brasil inverteu sua matriz de localização populacional: antes, 80% da população estava localizada no meio rural; após a implantação do modelo de industrialização, em apenas algumas décadas, mais de 80% da população já está morando ou “se empilhando” nas grandes metrópoles.48

A predominância no Brasil das fontes formais e de origem estatal evidencia a preocupação em assegurar aos proprietários rurais o acesso à mão-de-obra para a manutenção do trabalho no campo e não a proteção legal dessa classe trabalhadora.

A Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988 (CF/88), consagrou, por evidências históricas e reais, direitos aos rurícolas até então esquecidos sem qualquer razão ou justificativa, equiparando, por força do art. 7º, o empregado urbano ao rural.

A legislação infraconstitucional, isto é, a lei n.º 5.889/73, foi inteiramente recepcionada pela Carta Magna de 1988, tendo em vista “as singularidades do

      

47

SIGAUD, Lygia. Os clandestinos e os direitos: estudo sobre trabalhadores da cana-de-açúcar de

Pernambuco, op. cit., p. 34. “Ao tornar-se morador de um engenho, através do ritual de pedir morada,

o trabalhador recebia como concessão do proprietário uma casa e a possibilidade de trabalhar em troca de alguma remuneração, bem como acesso a um pedaço de terra para cultivar produtos de subsistência, o acesso ao barracão da propriedade, onde podia se abastecer daquilo que não produzia, quer porque não pudesse, quer porque fosse impedido pelo proprietário, e ainda o acesso aos rios e matas do engenho, que lhe garantia a água e a lenha. A contrapartida ao proprietário que tudo isso lhe assegurava consistia no estar totalmente à sua disposição para o que fosse necessário dentro da propriedade, o que tanto significava um compromisso em relação ao fornecimento de sua força de trabalho e a de sua família para o trabalho na cana, como o compromisso de não trabalhar a nenhum outro proprietário. [...] Sem que fosse necessário consagrá-las no papel, proprietários e

moradores, ao estabelecerem o “contrato” de morada, tinham internalizadas as regras de uma

relação assimétrica que tornava o morador mais um bem do proprietário” (grifos no original).

48

PALMEIRA, Moacir. Modernização, Estado e questão agrária. Estudos Avançados. ISSN

0103-4014. São Paulo: Estud. av. vol.3, número 7, Sept./Dec. 1989. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103- 40141989000300006&script=sci_arttext&tlng=en#not1>. Acesso em 02/08/2008. “Nos últimos quarenta anos, o perfil da distribuição espacial da população brasileira sofreu profunda alteração. Entre 1940 e 1980, inverteram-se os percentuais das populações rural e urbana, a primeira caindo de aproximadamente 70% da população total para cerca de 30%, enquanto a segunda aumentava de 30% para 70%. As migrações internas foram as grandes responsáveis pelo crescimento urbano e o IBGE estima que, em 1970, de 30 milhões de migrantes, total acumulado de residentes em municípios distintos daqueles em que nasceram, 21 milhões se dirigiram para as áreas urbanas. Levando em consideração também a migração rural-urbana intramunicipal, estima-se que 7.299.000 migrantes se deslocaram do campo para a cidade na década de 60 e 11.003.000 nos anos 70”.

(34)

trabalho rurícola que, por sua extensão e variedade, não podem ser todas contempladas no texto constitucional”.49

A atual Constituição Federal estatui que o trabalho é direito social e não obrigação social, como o declarava a Constituição de 1946. Tanto assim, que os direitos sociais estão inscritos no capítulo II do Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Tudo isso, interpretado juntamente com o disposto no art. 1º, inciso IV – os valores sociais do trabalho; art. 170 – valorização do trabalho como uma das bases da ordem econômica; e o art. 170, inciso VIII - a busca do pleno emprego, demonstra que está se falando de um direito a ter trabalho como condição de efetividade da existência digna.

È oportuno apontar a distinção que o trabalho mereceu nas Constituições Republicanas de 1937, em que este era considerado um dever social (art. 136); de 1946, que, no artigo 145, disciplinava-o como obrigação social; e a atualmente vigente, que o alçou à condição de direito social.

José Afonso da Silva afirma que na Constituição de 1946, o conceito de obrigação social deve ser entendido como “um direito, que cabe a todos, de ter trabalho, porque este é o meio mais expressivo de se ter uma existência digna”. De modo que tanto lá, em 1946, como desde 05/10/1988, “o trabalho é um direito social – o que, em outras palavras, quer dizer: direito ao trabalho, direito de ter um trabalho, possibilidade de trabalhar”.50

Assim é que Fábio Rodrigues Gomes,51 analisando o conceito que alguns

juristas estrangeiros conferiram ao dever de trabalhar, chega à conclusão de que não se pode defender tal idéia.

Um dever desta natureza só seria possível num sistema coletivista e de planificação centralizada. Neste sentido, o direito ao trabalho equivaleria a um direito de exigir do Estado um posto de trabalho, razão pela qual o dever de trabalhar se converteria em um dever jurídico. Ou então, esta norma seria apenas de cunho genérico, sem possibilidade de sanção coativa.

No Brasil, ele diz, nunca houve explicitado um dever fundamental de trabalhar. Há o registro histórico da Constituição Brasileira de 1937. Só que o dever

      

49

GAMA, Paula Werner da. O trabalho rural no Brasil e o trabalho decente. Op. cit., p. 63.

50

SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. 4ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 185, grifos no original.

51

GOMES, Fábio. O direito fundamental ao trabalho. Perspectivas histórica, filosófica e

(35)

veio acompanhado do adjetivo “social”. Sendo assim, deve prevalecer o entendimento de que o “dever de trabalhar assume uma ‘natureza meramente ética’”.52

Por este motivo, o mesmo autor defende que a contravenção de vadiagem53

não foi recepcionada pelo vigente ordenamento jurídico-constitucional em virtude

[...] (d)o fundamento da dimensão objetiva do direito ao trabalho, cujo conteúdo, além de não originar um dever fundamental de trabalhar, encontra-se muito mais afeito à idéia de um direito fundamental de não-trabalhar, no sentido de liberdade de não-agir.54

É necessário realçar que na vigente ordem constitucional, o direito de trabalhar e até mesmo o direito de escolher um trabalho pertencem à esfera da liberdade, ou seja, da faculdade individual de cada ser humano.

Esse rápido passeio pelos desvãos da história serviu para destacar a evolução das relações de trabalho rural, no Brasil.

Não obstante, a despeito de se ter alcançado a paridade de direitos no plano normativo, ainda persistem imensas barreiras culturais, sociais e econômicas a separar o mundo urbano do rural. Há de se estabelecer um compromisso social para lograr a valorização do trabalho humano como dimensão da dignidade humana.

Afinal, o trabalhador rural também tem o direito de exercer as suas atividades com remuneração justa, sem discriminação e em condições dignas.

2.2 AS RELAÇÕES DE TRABALHO RURAL

Nesta parte serão estudados os conceitos de empregado rural, notadamente aquele contratado para laborar na safra da cana-de-açúcar, que abrange os

      

52

Idem. Ibidem, p. 117.

53

No contexto jurídico-constitucional de 1937, o Governo Federal editou o Decreto-lei n.º 3.688/1941, que dispõe, no art. 59, sobre a contravenção penal da vadiagem, vigente até os presentes dias: “Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação lícita”.

54

GOMES, Fábio. Ibid., p. 120. Ainda nessa mesma página, o autor destaca as palavras de Jorge Miranda: “Assim como, em contrapartida, o direito ao trabalho não pode concretizar-se contra a liberdade de trabalho e de profissão, o Estado não pode impor ou impedir determinada atividade a pretexto da realização do direito ao trabalho”.

(36)

períodos do plantio e da colheita, e de empregador rural, de acordo com os termos da lei n.º 5.889/73.

2.2.1 O trabalhador rural safrista da cana-de-açúcar

O trabalho no campo é regulamentado por legislação específica, em virtude das peculiaridades que se enxergam nas condições de alimentação, habitação, transporte e lazer das pessoas que vivem no ambiente rural. Tais necessidades são, em verdade, diferenciadas ou são supridas por outros meios, que para o habitante do perímetro urbano não seriam satisfatórias.

Várias são as diferenças entre o meio rural e o meio urbano e, neste diapasão, a compreensão da realidade sociológica em que o trabalho rural se desenvolve se torna fundamental. Paula Werner da Gama refere as peculiaridades da sociedade rural, em relação à sociedade urbana:

a) diferenças ocupacionais. O que mais caracteriza o labor no campo é a atividade ligada à coleta e ao cultivo de plantas e animais;

b) a maior e mais direta exposição do rurícola à natureza. Pela própria natureza da atividade agrícola, o trabalho do amanho da terra e da pecuária é desenvolvido ao ar livre;

c) maior solidariedade entre os membros da comunidade rural que entre os citadinos. A unidade e a solidariedade do mundo rural são baseadas em semelhanças, objetivos e experiências comuns;

d) menor complexidade das relações sociais. Geralmente não se vê, no campo, diferenças de classes sociais, tradições, ocupações e crenças, habitando num mesmo território;

e) a mobilidade social é muito menor, na sociedade rural. A mesma autora esclarece que “a tendência de um trabalhador rural permanecer na mesma posição social ocupada por seus pais é muito maior que a de um trabalhador urbano”.55

      

55

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