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PARTE IV AS CONFERÊNCIAS DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE: PARTICIPAÇÃO E PERSPECTIVAS DA SOCIEDADE CIVIL

CAPÍTULO 7 – A PARTICIPAÇÃO DAS ORGANIZAÇOES DA SOCIEDADE

8.2. A CRISE ENERGÉTICA E A REFORMULAÇÃO DO DISCURSO DESENVOLVIMENTISTA

A crise da Modernidade foi determinante para a emergência da problemática ambiental e das demandas por ela levantadas, uma vez que se mostrou incapaz de cumprir a promessa de que, através da expansão econômica, sob a égide do capitalismo industrial e com a consolidação do Estado de Bem-Estar Social, as sociedades poderiam alcançar o desenvolvimento econômico e a liberdade democrática (MACHADO, 2005). A problemática ambiental provoca uma reflexão nos atores sociais acerca dos limites, das conseqüências negativas produzidas pela sociedade moderna industrial do Ocidente e um repensar sobre a relação entre o ser humano e a natureza, provocando uma ruptura no discurso do desenvolvimento e na crença no avanço tecnológico, que desde o Iluminismo estavam baseados no conhecimento, domínio, instrumentalização, técnica, ciência, e no entendimento da natureza como fonte de recursos para o progresso da humanidade.

No então denominado Terceiro Mundo, a situação era bastante diversa, e as promessas de bem-estar e emancipação que viriam com a industrialização e o desenvolvimento tecnológico não eram questionadas sob a mesma perspectiva. Para os países subdesenvolvidos, era a carência de desenvolvimento que produzia efeitos negativos sobre o meio ambiente – o que, de certo modo, levanta uma barreira ética contra a imposição de restrições ao desenvolvimento. A questão ambiental, para os países desenvolvidos, foi formulada como resultado de uma tecnologia que ainda não estava suficientemente aprimorada. Colocada a questão ambiental dentro dessas duas perspectivas, estabelecem-se as condições basilares para a formulação do conceito e do discurso do desenvolvimento sustentável, em 1987.

A estrutura da ONU vai encaminhar a problemática ambiental como uma dimensão a mais a ser considerada na proposição de programas para a promoção de estratégias que levassem ao desenvolvimento integral. Os governos dos países em desenvolvimento exercem pressão junto aos

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organismos internacionais, buscando novas formas de financiamento e o estabelecimento de regras de comércio que pudessem melhor favorecer seus países, pois a restrição e a pouca participação dos países em desenvolvimento na arena comercial eram apontadas como causas de aprofundamento da dependência entre as nações industrializadas e não-industrializadas, argumento este inclusive corroborado por diversos relatórios de agências e comissões internacionais. Essa argumentação ganha maior força após o Choque do Petróleo, que causou um desaquecimento da economia mundial, atingindo tanto os países desenvolvidos, quanto os países em desenvolvimento.

A crise energética provocou uma série de discussões encabeçadas pela ONU, voltadas à construção de uma nova ordem internacional e a um novo papel da cooperação internacional, cujo teor estavam presentes em duas Resoluções aprovadas pela Assembléia Geral da ONU em 1974: “Nova Ordem Mundial e Carta dos Direitos” e “Deveres Econômicos dos Estados”. Estas iniciativas demonstravam a vontade do sistema das Nações Unidas de fomentar mudanças nas estruturas internacionais que viessem a permitir maior participação dos países não-desenvolvidos. O teor dessas Resoluções também visava garantir aos países do Terceiro Mundo melhores condições para a solução do seu subdesenvolvimento, levantando temas como a soberania, o Estado Nacional, o direito às riquezas e aos recursos nacionais, entre outros. Apesar de não terem força vinculante junto aos Estados-Membros, estes documentos demonstraram claramente as divergências e as tendências no campo do direito internacional, naquele momento.

A crise econômica iniciada com o Choque do Petróleo se arrasta até o final da década de 1980. Os países periféricos estão em pior situação do que no inicio da década anterior, pois haviam adotado políticas baseadas no endividamento interno e tinham fracassado nas medidas voltadas a debelar a recessão econômica. Neste contexto, agravam-se as condições sociais e torna-se cada vez mais difícil a recuperação econômica. À medida que se assiste à intensificação e à expansão da transnacionalização dos processos financeiros,

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econômicos, militar, comunicacionais – apenas para citar os mais significativos - o discurso do desenvolvimento vai incorporando esta nova realidade e nova complexidade advindas da Globalização.

Um ponto importante no processo de construção do desenvolvimento sustentável foi a discussão sobre os estilos de desenvolvimento, iniciada no final dos anos 1960, quando as orientações emanadas da Segunda Estratégia Internacional de Desenvolvimento buscavam promover um desenvolvimento integral das nações. As comissões regionais, entre elas a CEPAL, também participam deste processo ocorrido no âmbito da ONU e, em meados de 1970, essa Comissão elabora o informe “Avaliação de Quito”, que enfatiza a necessidade da construção de um novo tipo de sociedade, que priorize a igualdade e a dignidade dos homens e a expressão cultural, considerando fundamental uma efetiva participação social neste processo. Ainda que o crescimento econômico fosse prioritário, este não deveria dissociar-se da temática social, manifestando assim seu desacordo com o conceito de desenvolvimento integrado, proposto pelas Nações Unidas.

Para a ONU, o desenvolvimento integrado era sinônimo de um estilo de desenvolvimento unificado, que poderia levar a um consenso tácito de que bastava traçar estratégias adequadas e qualquer sociedade poderia atingir com sucesso a condição de desenvolvida, desconsiderando assim outros fatores que deveriam ser levados em conta na formulação de políticas - como aqueles salientados pela CEPAL. Esta concepção unificada de desenvolvimento estava falida, como demonstravam os reiterados fracassos de programas e políticas voltadas ao desenvolvimento implantadas pela ONU nos países do denominado Terceiro Mundo.

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As práticas discursivas e as propostas de ação das Nações Unidas e suas agências – e também de outros organismos internacionais - sofreram alterações a partir da crise econômica iniciada com o Choque do Petróleo, pois as causas e análises desenvolvidas desde os anos de 1950 não foram capazes de superar a crise e, ao contrário, agravaram o quadro social dos países em desenvolvimento. No que diz respeito à América Latina, este processo foi capitaneado pela CEPAL e enriquecido pelas reflexões produzidas pelo Instituto Latino Americano de Planejamento Econômico e Social (ILPES). É neste período que o discurso do desenvolvimento econômico desloca-se para o campo social, buscando a construção de um desenvolvimento capaz de promover uma reversão do quadro de concentração de renda e desigualdades no continente. É no interior da discussão sobre os estilos de desenvolvimento que a questão ambiental é inserida, o que provoca uma aproximação entre a questão ambiental e a questão social também na esfera das comissões econômicas pertencentes ao sistema da ONU.

Após a realização da Conferência de Estocolmo, a prioridade da ONU e de seus membros era implantar o Plano de Ação. Para isto, a estratégia adotada foi a de dar ao PNUMA a coordenação de ações e programas desenvolvidos no seio das Nações Unidas, que estivessem relacionados com a temática ambiental, mais do que criar uma superestrutura mundial para tratar da questão. O novo programa atendia assim às reivindicações dos países em desenvolvimento, ao estabelecer novos mecanismos de financiamento de projetos voltados para a problemática ambiental. As Comissões Regionais das Nações Unidas foram chamadas a participar do processo. A fim de atender a esta determinação, a CEPAL inicia discussões sobre seu redesenho institucional, que posteriormente leva à criação de uma divisão responsável pela coordenação de estudos e programas referentes ao meio ambiente.

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O trabalho da CEPAL caminhou em dois sentidos. De um lado, a incorporação da problemática ambiental em discussões já desenvolvidas pela comissão, inclusive com sugestão de temas como: desenvolvimento e meio ambiente, avaliação da situação do meio ambiente, desenvolvimento regional e meio ambiente, urbanização e meio ambiente, aspectos ambientais no uso de recursos, relações internacionais e o meio ambiente. De outro, a necessidade de ampliar o conhecimento acerca dos problemas ambientais da região, uma vez que a incorporação desta temática esbarrava no desconhecimento e na falta de informações sobre o tema (MACHADO, 2005).

Deste movimento surge o projeto “Informação sobre o meio ambiente: América Latina”, desenvolvido em parceria com o PNUMA, e que forneceu as diretrizes gerais da atuação da CEPAL na implantação do Plano de Ação formulado em Estocolmo. O pressuposto geral de que o meio ambiente e o desenvolvimento não devem ser considerados de maneira desvinculada foi orientador desta pesquisa – seguindo a mesma linha dos documentos elaborados durante a fase preparatória para a Conferência de Estocolmo. Para a CEPAL, o sentido de qualquer política ambiental deveria ser o de melhorar a qualidade de vida das pessoas na região.

A partir da segunda metade de 1970, intensificam-se as discussões na América Latina acerca da reorientação do modelo de desenvolvimento, incorporando a questão ambiental. Na busca de novos estilos de desenvolvimento, a Comissão realiza, em parceria com o PNUMA, o projeto “Estilos de Desenvolvimento e Meio Ambiente na América Latina”, com objetivo de estudar problemas conceituais e teóricos na relação entre os vários estilos de desenvolvimento e o meio ambiente, e compreender melhor as manifestações concretas destas relações na região.

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O resultado foi a elaboração de um informe com o mesmo título que estabeleceu as diretrizes para os programas e ações voltadas para a América Latina. O documento, além de salientar a necessidade de produção de conhecimento, também apontava a necessidade de melhoria das técnicas de planejamento. Dentre elas, a inserção da questão ambiental no âmbito do desenvolvimento, pois, para os países latino-americanos, o encaminhamento da questão ambiental não significava a adoção de políticas e medidas de restrição ao crescimento econômico, mas sim o reconhecimento de que o processo de crescimento tanto condicionava, com estava condicionado pelo meio ambiente, em nível local, nacional e global.

8.3. ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS – ANOS DE 1960 E 1970