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O CONTEXTO INTERNACIONAL ENTRE ESTOCOLMO E RIO DE JANEIRO: SAI O DESENVOLVIMENTISMO E ENTRA O DESENVOLVIMENTO

PARTE IV AS CONFERÊNCIAS DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE: PARTICIPAÇÃO E PERSPECTIVAS DA SOCIEDADE CIVIL

CAPÍTULO 7 – A PARTICIPAÇÃO DAS ORGANIZAÇOES DA SOCIEDADE

9.1. O CONTEXTO INTERNACIONAL ENTRE ESTOCOLMO E RIO DE JANEIRO: SAI O DESENVOLVIMENTISMO E ENTRA O DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

O contexto vivido ao final da década de 1970 e ao longo dos anos 1980 explica, em grande parte, a cisão no discurso do desenvolvimento que levará à elaboração do conceito de desenvolvimento sustentável. O segundo choque do petróleo e a política antiinflacionária dos EUA que levaram a economia mundial a uma nova crise econômica no inicio dos anos 1980, provocaram uma maior liberação econômica por parte dos países industrializados e dificultaram a recuperação dos países em desenvolvimento.

Nos países industrializados, a inviabilidade da manutenção dos mecanismos financiadores do Estado de Bem-Estar Social era latente, assim como também o era a preocupação com os problemas e as catástrofes ambientais. Nos países pobres o crescimento da degradação social e os entraves estruturais históricos acentuavam as dificuldades para a retomada de um crescimento econômico, numa ordem mundial que se torna cada vez mais globalizada.

Além das questões de cunho econômico, também ocorreu neste período o aprimoramento da coleta de dados e informações sobre a questão ambiental o que ampliou a consciência de que alguns destes problemas tinham caráter transnacional, ou mesmo global, e produziu iniciativas importantes no sentido do seu enfrentamento. Exemplos disto são: a elaboração do relatório da Secretaria de Estado Americano “The Global 2000 Report”, o lançamento da Estratégia de Conservação Mundial elaborada pela União Internacional para Conservação da Natureza em 1980, a aprovação da Carta Mundial da Natureza, pela ONU, em 1982, e a avaliação realizada pelo PNUMA após os dez anos da Conferência de Estocolmo.

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Em que pese estes estudos, o processo de Globalização se intensifica arraigado fortemente em diretrizes econômicas neoliberais. Ganham força no cenário internacional as estruturas do GATT e perde visibilidade o sistema das Nações Unidas, o que dificulta ainda mais a participação dos países em desenvolvimento no cenário internacional, sobretudo em função das estratégias adotadas pela administração de Reagan (EUA) e Thatcher (Reino Unido).

Diante da pressão dos movimentos ambientalista nos países desenvolvidos, em especial das organizações americanas, somada à dos países periféricos - que viam no sistema da ONU um espaço estratégico para as discussões sobre o desenvolvimento e a questão ambiental - por iniciativa do PNUMA e com aprovação do ECOSOC, foi solicitada à Assembléia Geral a composição de um comitê intergovernamental para elaborar um documento, marco de referência na adoção de medidas voltada para a promoção de um desenvolvimento adequado do ponto de vista ambiental, e que servisse de guia para a preparação de futuros programas de médio prazo do PNUD e do PNUMA e demais organizações do sistema ONU. Estava criada a CMMAD, presidida pela primeira ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland, que tinha como objetivo apontar caminhos para o agravamento do processo de degradação ambiental e para a estagnação do desenvolvimento nos países em desenvolvimento, com a conseqüente intensificação dos problemas sociais e ambientais.

Em março de 1987, é apresentado à Assembléia Geral da ONU o que ficou conhecido como Relatório Brundtland (ou Relatório “Nosso Futuro Comum”) que até hoje é considerado um dos mais importantes e significativos esforços em conciliar desenvolvimento e meio ambiente. A questão ambiental passa a ser o núcleo central do conceito de desenvolvimento sustentável constante no Relatório e, em que pese não descartar a necessidade do desenvolvimento, questiona o modelo adotado, propondo medidas que vão na contra mão das reformas econômicas neoliberais assistidas ao longo da década de 1980.

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A agenda do relatório volta-se para a construção de um crescimento econômico, principalmente nos países em desenvolvimento, como meio de equacionar as causas da degradação ambiental advindas da pobreza, do atraso tecnológico e do crescimento populacional. Este círculo vicioso que alimentou o discurso desenvolvimentista, agora é colocado sobre a perspectiva da degradação ambiental. A associação entre pobreza e degradação ambiental se converte em novo instrumento de pressão sobre os países desenvolvidos e as agências e organismos de financiamento ou desenvolvimento, no sentido de implantar uma agenda e medidas voltadas ao crescimento econômico, mas também no sentido de adotar-se um modelo distinto de desenvolvimento para o planeta - já que o padrão dos países industrializados se mostra insustentável no longo prazo, e, portanto, constitui um risco para a sociedade como um todo.

A nação de desenvolvimento sustentável construída pela CMMAD/Relatório Brundtland procura absorver e encaminhar, em termos de proposição de agendas e na perspectiva dos países periféricos, as critica sociais que apontavam os limites do modelo de desenvolvimento capitalista industrial em realizar as promessas de emancipação que sustentaram e conduziram à expansão desse modelo, de forma acelerada, no período da pós-Segunda Guerra. Tais críticas também eram compartilhadas pelos diversos atores da sociedade civil, especialmente o ambientalista, pleiteando uma nova ordem econômica mundial, desejosos de que se implantassem modelos que possuíssem uma visão conjunta das complexidades afeitas à temática ambiental e aos contextos sociais, culturais, políticos e econômicos dos países em desenvolvimento, inclusive os da América Latina.

O relatório Brundtland representou uma significativa mudança de paradigma em relação à visão preponderante na UNCHE, ao associar as questões ambientais, não apenas à ausência de crescimento econômico, mas também à existência de uma situação social excludente e negativa. Define assim o desenvolvimento sustentável e a preocupação com a manutenção e a sobrevivência das gerações

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futuras. Ainda assim, é importante reconhecer alguns aspectos críticos acerca desses componentes.

Como já mencionado no capítulo 6 dessa tese, é importante reconhecer a existência do processo de Globalização em suas mais diversas dimensões para que, a partir delas, soluções para a crise ecoambiental sejam encontradas e para que haja o enfrentamento dos desafios de um processo assimétrico, e de um modelo de desenvolvimento preponderante baseado no crescimento econômico, no uso insustentável de recursos, e que põe em risco a sustentabilidade do planeta. O conceito de desenvolvimento sustentável ainda é bastante restrito na adoção de uma nova perspectiva ecopolítica, mesmo tendo estabelecido uma relação entre a vida natural e a vida social; entre as temáticas sociais, econômicas e ambientais.

Pouco avança no estabelecimento de medidas concretas e eficazes de promover novos e necessários arranjos institucionais e de fomentar a criação de tais arranjos nas esferas nacionais e regionais internacionais – mesmo com a posterior criação CDS durante a Rio 92. Também é bastante tímido em relação aos princípios de transparência e participação (que detém um caráter voluntário e não-vinculante nos textos e documentos produzidos durante a preparação e a realização da Conferência do Rio), ainda que considerados imprescindíveis para a participação dos diferentes atores no processo decisório e na implantação de políticas voltadas à sustentabilidade. Ao manter tal perspectiva, perpetua o modelo e os padrões vigentes de produção e desenvolvimento, baseados no uso e a apropriação dos recursos (sociais e ambientais) de forma insustentável e na formulação de políticas pautadas por visões particulares acerca do desenvolvimento e da sustentabilidade.

No que diz respeito ao contexto e à visão latino-americana, o relatório Brundtland e o desenvolvimento sustentável são condizentes com um processo vivido nos países do continente, iniciado a partir da retomada de regimes democráticos, quando, diferentes setores sociais passam a ter maior articulação

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entre eles e a participar da discussão sobre os modelos de desenvolvimento e sobre a sustentabilidade, formando a compreensão de que a degradação dos recursos naturais piora o quadro social na região.

Ainda que os conceitos e os princípios elaborados no Relatório Brundtland e o desenvolvimento sustentável tenham sido incorporados pela sociedade civil latino-americana, assim como acontecia na esfera internacional, desafios ainda deveriam ser enfrentados no subcontinente: aprimorar e fortalecer as estruturas institucionais enfraquecidas e distantes da complexidade atual dos debates envolvendo o meio ambiente, a sustentabilidade e o desenvolvimento; reconhecer e enfrentar a miríade de interesses presentes nesse debate; fomentar e efetivar as inter-relações entre os atores sociais com vistas a buscar as soluções integradas e transversais para os diferentes temas relacionados aos conflitos socioambientais, Sobretudo porque tais conflitos são caracterizados pela complexidade, interdependência, especificidade, continuidade e evolução, que envolve grandes riscos naturais e sociais, abarcam temas de relevância pública e, portanto, demandam grande quantidade de informação.

O Relatório Brundtland coloca um desafio global para as nações: reverter o quadro de pobreza dos países em desenvolvimento e propor um novo modelo de crescimento e desenvolvimento para os países industrializados. A proposição de um novo modelo sustentável, apesar de distanciar-se do desenvolvimentismo dominante, não coloca em questão o desenvolvimento como eixo das promessas essenciais da modernidade e, mais uma vez, reafirma-se o pressuposto de que o conhecimento técnico e cientifico é capaz de alimentar um progresso constante rumo ao bem estar e à emancipação social podendo garantir “(...) a satisfação das necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também as suas” Os recursos naturais e a biodiversidade do planeta mais uma vez são vistos com um reservatório de futuros recursos que podem oferecer ao desenvolvimento e à satisfação das necessidades humanas (CMMAD, 1991, p. 09).

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A Comissão afirma que a solução dos problemas ambientais locais, nacionais ou globais passa pela construção de um desenvolvimento mais justo e menos desigual, capaz de garantir a todos o acesso eqüitativo aos recursos e às riquezas produzidas a partir deles, chegando a estabelecer medidas e orientações tanto em âmbito nacional quanto no plano internacional.44 Apesar da CMMAD apontar tais caminhos para que uma nova ordem se concretizasse, eles dependiam da criação de instrumentos regulatórios em diferentes níveis – local nacional e internacional – o que envolvia fortalecer a capacidade regulatória dos Estados (CMMAD, 1991).

No bojo da discussão desencadeada com a publicação do Relatório Brundtland, encontrava-se o debate sobre o desenvolvimento sustentável, e nesse sentido, outras acepções desse conceito foram formuladas45. Para a CMMAD, os problemas ligados ao subdesenvolvimento e à pobreza só seriam resolvidos à medida que ocorresse um novo período de crescimento, capaz de gerar benefícios aos países em desenvolvimento, e que esse modelo de desenvolvimento não viria através de um único padrão - uma vez que os sistemas econômicos e sociais diferem de país para país – e demandaria uma reformulação nas relações internacionais – posto que nenhum país pode desenvolver-se isoladamente dos demais.

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Para efeitos deste trabalho não é necessário o detalhamento destas medidas e orientações do Relatório Brundtland, objeto de inúmeras produções acadêmicas, uma vez que o objetivo aqui é apresentar o contexto existente no cenário internacional das conferências da ONU. Para maiores informações ver CMMAD, 1991 e MACHADO, 2005.

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Outras agências e organismos internacionais e multilaterais, empresas e OSC elaboraram conceitos e diretrizes para a implantação de ações voltadas ao desenvolvimento sustentável, como por exemplo, a FAO, o PNUMA , o Banco Mundial, o FMI, o BID, a UICN, a WWF (BORN, 1999).

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Os setores empresariais congregados na ICC apresentaram, às vésperas da Conferência do Rio, sua interpretação sobre o desenvolvimento sustentável, bastante próxima da formulação básica do Relatório Brundtland, mas agregando a afirmação de que o crescimento econômico é o que traz as condições necessárias para a proteção do meio ambiente, em equilíbrio com outros objetivos humanos. Para tanto, seria necessário garantir a força motriz desse crescimento, representada pela existência de um sistema de mercado capaz de produzir empreendimentos dinâmicos e lucrativos, que proveriam os recursos financeiros, tecnológicos e administrativos para a resolução dos desafios ambientais que se apresentavam ao mundo naquele momento. Posteriormente, durante a conferência, foi formada uma coalizão de empresas transnacionais, denominada Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD) que, nas discussões sobre o desenvolvimento sustentável e nas ações necessárias para atingir-se sua implantação, incorporou elementos levantados pelos ambientalistas. Posteriormente, o BCSD se expandiu e constituiu representações nacionais, inclusive na América Latina, sendo um ator representativo das grandes corporações transnacionais e nacionais, privadas e estatais, durante a conferência do Rio de Janeiro, sem eliminar as pressões individuais ou setoriais das empresas (BORN, 1998)

Esses são apenas alguns exemplos das várias formulações sobre o desenvolvimento sustentável e as estratégias necessárias para a sua consecução, surgidas na fase preparatória e durante a realização da UNCED. Eles denotam as contradições e diferentes posições de países e grupos de interesse, que marcam o processo de construção e realização desse encontro mundial. Esse debate permanece até os dias de hoje, gerando inúmeras concepções e definições sobre o desenvolvimento sustentável, não sendo possível afirmar, de modo algum, uma unanimidade acerca do desenvolvimento sustentável, ou mesmo de sua inevitabilidade.

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Como bem afirma Born (1999), apenas a história e o tempo serão capazes de responder qual dessas formulações será consagrada ou implantada de fato, e se surgirão outras reformulações distintas, a partir da incorporação dos conceitos de desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade em outras arenas (empresas, universidades, escolas, governos, associações profissionais, entre outros), ainda que não diretamente envolvidas na temática ambiental e no debate acerca do conceito e da aplicação do desenvolvimento sustentável, principalmente quando esse processo vem ocorrendo tanto nas relações internacionais, quanto os âmbitos nacionais, regionais e locais.

A discussão sobre o conceito e a implantação do desenvolvimento sustentável é importante no sentido de trazer consigo os debates acerca do processo de desenvolvimento, do modelo de sociedade, dos padrões de consumo praticados e desejados por cada uma das sociedades existentes, além da importância acerca da responsabilidade dos atores no sentido de construir-se uma sociedade mais sustentável.