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SITUAÇÃO E DESAFIOS AMBIENTAIS NA AMÉRICA LATINA E SUAS RELAÇÕES COM A ESFERA INTERNACIONAL

PARTE III A QUESTÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO INTERNACIONAL E LATINO AMERICANO E A ABORDAGEM SOCIOAMBIENTAL.

CAPÍTULO 6 SITUAÇÃO E DESAFIOS AMBIENTAIS NA AMÉRICA LATINA E SUAS RELAÇÕES COM A ESFERA INTERNACIONAL

Um balanço global da situação ambiental latino-americana demonstra que há um alto grau de insustentabilidade ambiental nos países da região, apesar do fato de políticas e estratégias específicas terem contribuído para reverter e mitigar essa situação (HERCULANO, 1992; GUIMARÃES, 1992a, 1992c, 2003 e 2006; GALLOPÍN, 1999 e GLIGO, 2001). Se não vejamos.

Numa região onde a maioria das economias está historicamente baseada na agricultura e no agronegócio, a erosão é um processo com impactos negativos significativos em diversos países. Este processo é resultado, de modo geral, da expansão da fronteira agropecuária e da exploração do solo, que deterioram ecossistemas extremamente frágeis e geram a perda de grande parte da cobertura vegetal. O processo de expansão agrícola, causador do desmatamento das florestas – especialmente as tropicais – causa a expulsão dos camponeses de áreas onde havia agricultura tradicional e é produto da modernização do campo, de programas de colonização orientados à produção agrícola, e de programas de estímulo a ampliação do rebanho bovino, sobretudo na região da chamada Amazônia Legal. Do ponto de vista ecológico, esta expansão também é causadora do esgotamento do solo e da contaminação pelo uso de fertilizantes e pesticidas (ALMANAQUE SOCIOAMBIENTAL, 2007). Além da expansão agrícola, contribuem em menor grau para o desflorestamento e agravamento do processo erosivo, a extração de madeira para fins industriais e domésticos e a expansão da malha rodoviária, indutores espontâneos de ocupação.

Um dos fatores que diferencia a complexa realidade latino-americana – e que joga grande peso na construção de uma perspectiva socioambiental – é a sua grande biodiversidade, cujo conhecimento e estudo ainda são bastante limitados, em razão da falta de investimento por parte dos governos, havendo muito por se conhecer e explorar. Apesar de sua importância, nas últimas décadas há grandes perdas da biodiversidade causadas, sobretudo, pelo

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desflorestamento, poluição marítima e fluvial, alteração e drenagem de manguezais, construção de barragens, transposição de rios e bacias hidrográficas, entre outros processos. A América Latina perde seus recursos ambientais antes mesmo de conhecê-los em sua totalidade.

No que se refere aos espaços urbanos, os problemas ambientais estão diretamente ligados à qualidade de vida da população. Aqui deve-se salientar o processo de crescimento espontâneo das áreas marginais das cidades de porte médio e grande, resultado do processo migratório entre o campo e as cidades, e do alto valor do solo urbano. Esses assentamentos recentes carecem de qualquer tipo de infra-estrutura viária, pluvial, elétrica, entre outros, causando a contaminação e a poluição de rios e represas, de lixo e resíduos sólidos, além da ocorrência de catástrofes urbanas, decorrentes da ausência de um planejamento urbano.

Tem importância a poluição atmosférica, que, ainda que seja mais significativa em metrópoles como Cidade do México, Santiago e São Paulo, também aflige cidades de menor porte como é o caso do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Buenos Aires, Bogotá e Caracas, apenas para citar alguns exemplos. Esse processo é resultante, de modo geral, da já mencionada expansão urbana descontrolada e não planejada, do crescimento do parque automotor e do crescimento industrial (GUIMARÃES, 2001c).

Diante desse quadro, vê-se claramente que a reestruturação produtiva e a sustentabilidade ambiental continuam dependentes da exploração e exportação dos produtos naturais, ainda que haja uma maior pressão por parte da população (consumidores) por um ajuste que cumpra e respeite as exigências ambientais. Porém, de modo geral, o continente latino-americano perpetua um modelo de desenvolvimento onde novas tecnologias, a ampliação da exploração de recursos naturais renováveis e não-renováveis, a criação e propagação de novas variedades biológicas e a emissão de novas substâncias, entre outros, têm grande impacto ambiental e mantêm um cenário onde há um alto índice de

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pobreza, infra-estrutura inadequada, exclusão socioeconômica, além do já mencionado deterioro ambiental. Essa situação é agravada, se considerarmos a insuficiência do desenvolvimento institucional e da capacidade de gestão dos países da região, incapazes de fazer frente às questões ambientais que se apresentam, e pela necessidade de um investimento intenso que viabilize a reversão do presente cenário (CEPAL, 2002). A reversão dessa situação só será possível com a adoção de uma nova concepção de desenvolvimento e de uma perspectiva Ecopolítica que busque articular a agenda econômica e social à ambiental:

“(...) para uma articulação efetiva das agendas econômica e ambiental é imprescindível deixar de aplicar uma agenda reativa para adotar uma positiva a respeito da relação entre sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico. Isto significa identificar as oportunidades que oferece a agenda ambiental global, em particular as relacionadas com o fornecimento de serviços ambientais globais, as criadas pelo mecanismo de desenvolvimento limpo, e as orientadas a acelerar o progresso científico e tecnológico a partir do uso sustentável dos recursos bióticos, do maior conhecimento dos recursos naturais da região e do desenvolvimento de tecnologias próprias a fim de explorá-los em forma sustentável (Cepal, 2002 p. 34)

A situação e os desafios ambientais na América Latina não estão descolados do contexto internacional e das dimensões do que se convencionou chamar de Globalização 32 e, ao contrário do que comumente ocorre quando se trata desse tema, não se inicia aqui um debate acerca de uma posição político - ideológica acerca desse processo. Isto porque, além de se demonstrar inócuo, esse debate costuma ganhar matizes carregados por posturas extremistas que, no mais das vezes, acarretam problemas quando esse debate político e intelectual tem

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Para maiores informações acerca dos conceitos de Globalização , suas dimensões e suas relações com a questão ambiental ver: HERCULANO, 1992; HURREL E KINGSBURY, 1992, YEARLY, 1996; VIOLA 1996; BORN, 1998; CEPAL 2002; SCHILLING, 2002; GUIMARÃES, 2001c, 2003 e 2004; ZERMEÑO, 2004.

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reverberações no campo das políticas públicas, levando à adoção de posturas irreversíveis acerca das ações tomadas – tanto para os favoráveis, quanto para os desfavoráveis à Globalização. Além disso, as posturas dos agentes e atores sociais em relação às suas diferentes dimensões são bastante mais diversas do que desejam nos fazer crer os extremistas (HURREL e KINGSBURRY, 1992; PRINCEN e FINGUER, 1994; MACDONALD, NEILSON, e STERN, 1997; MALABED, 2000; PALACIO e ULLOA, 2002; CHESTERS, 2003 e 2005 e MARTINS, 2006).

Portanto, a atenção dada às relações internacionais e às dimensões da Globalização tem como objetivo reconhecer os impactos positivos33 e negativos nas esferas social, econômica, política e ambiental. Assim, em que pese os “ajustes” econômicos realizados na América Latina, em decorrência de uma suposta competitividade causada pela Globalização, com impactos negativos como o aumento do desemprego, a informalidade laboral, o crescimento da pobreza, etc., tal fenômeno também nos obriga a compreender que habitamos um planeta rico, porém frágil, colocando em evidência o fato de que a história humana é a história de suas relações com a natureza e que, indistintamente, todos os habitantes do planeta têm sua vida fragilizada quando atingidos por problemas ambientais – mesmo reconhecendo-se que os impactos e as possibilidades de recuperação sejam diferentes entre países em desenvolvimento e países industrializados.

Tendo como referência a temática ambiental, os diferentes atores discutem os modelos de desenvolvimento e a crise da sustentabilidade - entendida como uma crise ambiental, ecológica e também ecopolítica34. A crise ambiental e de sustentabilidade expõe as falhas do modelo de desenvolvimento adotado e faz com que se abandone a idéia de que os recursos naturais são infindáveis e que a humanidade tenha consciência de estar vivendo um período de escassez de

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Íbis idem Nota Rodapé n. 32. 34

Ecopolítica, pois tem relação com os sistemas institucionais e de poder que regulamentam a propriedade e a distribuição e uso dos recursos (GUIMARÃES, 2003).

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recursos e serviços ambientais, de fronteiras, de lugares para eliminar seus resíduos e restos, de instituições e de poder, que possam de maneira adequada regulamentar o acesso à distribuição e ao uso desses recursos.

A isso se somam dois fatores: vivemos um período em que alguns processos ambientais não podem ser substituídos por outros (quer seja pela substituição do capital natural por capital físico, quer pelo aparecimento de novas tecnologias) e que, no contexto bastante complexo da Globalização, a solução para os problemas de desenvolvimento enfrentados por diversos países passa por solucionar não apenas os antigos problemas de pobreza e desigualdade, mas também a necessidade de alcançar um crescimento sustentável e equitativo. Isso significa repensar o paradigma predominante atual, que tem causado maior concentração do poder, e marginalizado os países e as pessoas pobres (CEPAL, 2003).

As discussões e os debates, as ações e as políticas públicas, as proposições e decisões relacionadas à temática ambiental ocupam os atores atuantes na esfera internacional, desde 1960, e praticamente monopolizaram a agenda mundial por mais de uma década (do final da Guerra Fria e da corrida armamentista ao início dos anos 1990), até os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos – quando ganha relevância a temática do combate ao terrorismo.

Nesse período de cerca de 50 anos, o regime internacional se modificou em função do meio ambiente; as Nações Unidas e outros organismos reuniram especialistas, cientistas, chefes de Estado e de governo como nunca antes; as OSC e os movimentos sociais se proliferaram e trans-nacionalizaram sua atuação; conceitos e paradigmas foram reformulados; ações políticas foram tomadas e planos propostos. Portanto, é a partir desse processo, reconhecendo os avanços e os desafios, que se faz a análise das conferências da ONU para discutir o tema do meio ambiente.

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PARTE IV - AS CONFERÊNCIAS DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO