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PARTE IV AS CONFERÊNCIAS DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE: PARTICIPAÇÃO E PERSPECTIVAS DA SOCIEDADE CIVIL

CAPÍTULO 10 DOS ANOS DE 1990 AO INÍCIO DO SÉCULO

10.1. O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A PREPARAÇÃO PARA A RIO

Desde a Conferência de Estocolmo, estava prevista a realização de uma segunda conferência para discutir a temática ambiental. A sugestão da UNCED foi apresentada no relatório “Nosso Futuro Comum” da Comissão Brundtland, que, entre suas atribuições, tinha a de promover a cooperação internacional e propor e orientar políticas, no sentido de provocar as mudanças necessárias ao desenvolvimento sustentável. Daí porque haver a sugestão de que o relatório fosse transformado em um programa de ação para o desenvolvimento sustentável, que seria objeto de reflexão e aprimoramento posteriores.

Os debates sobre a realização de uma nova conferência sobre meio ambiente se iniciaram logo após a publicação do Relatório Brundtland, em 1987, e culminaram na aprovação da Resolução 44/228 da Assembléia Geral das Nações Unidas, realizada em dezembro de 1989, convocando a UNCED para o ano de 1992. A Resolução também estabeleceu os objetivos, os temas ambientais a serem discutidos e os demais assuntos relevantes para as relações internacionais (endividamento externo, financiamento internacional, integração de aspectos ambientais e econômicos, etc.) que fariam parte da agenda da conferência, além de constituir um Comitê Preparatório e definir a época e a duração da conferência.

A fase preparatória da conferência se iniciou em 1990 e foi composta por quatro encontros: um em Nairóbi, dois em Genebra e um em Nova Iorque, e tinha como objetivos: elaborar um programa de ações; elaborar os esboços de três convenções-quadro para tratar de diretrizes, medidas e ações relacionadas à mudança de clima, biodiversidade e floresta; e estabelecer um mecanismo de acompanhamento do progresso e da implantação dos resultados – todos estes produtos, ainda que objeto de negociação e análise já na fase preparatória, deveriam estar concluídos até junho de 1992, época da realização da UNCED.

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Em relação ao mecanismo de acompanhamento, era consenso entre a maioria dos países que se estabelecessem compromissos de ordem política para que não se repetisse a falta de ação das propostas formuladas, como ocorrera com os documentos produzidos durante a Conferência de Estocolmo. Entretanto, a proposta de uma autoridade internacional em meio ambiente – proposta durante a Conferência de Haia de 1989 – foi rechaçada, principalmente pelos Estados Unidos e Reino Unido, que também lideraram a mobilização de alguns países industrializados, contrários a assumir compromissos para a mobilização de recursos financeiros, novos e a fundo-perdido, para os países em desenvolvimento.

Os motivos dessa oposição dizem respeito aos governos conservadores dos Estados Unidos e Inglaterra, contrários a uma maior intervenção estatal na economia, e representava uma reação à posição dos países em desenvolvimento (G-77), que vinham pressionando os países industrializados para que houvesse progressos nas discussões e decisões sobre as ações voltadas à eliminação da pobreza, além dos debates referentes à cooperação ao desenvolvimento e ao respeito da soberania, mesmo em relação à agenda ambiental. Por fim, o acompanhamento dos compromissos firmados no Rio de Janeiro, ficou a cargo da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU (CDS) e dos relatórios nacionais.

Do ponto de vista do financiamento da cooperação internacional, foi criado em 1990 o “Global Environment Facility” (GEF), que numa fase inicial, entre 1991 e 1994, deveria financiar projetos que pudessem gerar benefícios globais em temas ambientais mundiais (mudança climática, biodiversidade, ozônio e águas internacionais). Mais uma vez caracteriza-se a polarização Norte – Sul, tão presente no cenário internacional nessa época, havendo pressão por parte dos países em desenvolvimento por novos recursos, e dos países industrializados por impor condições e definir prioridades para a aplicação dos recursos.

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Nessa fase piloto, o GEF era administrado pelo BIRD, tendo a participação técnica do PNUD e do PNUMA, e copiava o sistema decisório de Bretton Woods, onde o voto era proporcional ao capital investido no GEF, o que causou enorme tensão entre o G 77 e os países desenvolvidos. Para responder às reclamações dos países em desenvolvimento quanto à participação nos processos decisórios, declarou-se o fundo como um instrumento provisório, cuja permanência dependeria de confirmação posterior e de mudanças em relação a sua.

Os documentos sem vinculação jurídica foram negociados principalmente durante a fase preparatória da UNCED, em cada uma das quatro sessões do Comitê Preparatório (PrepCom), enquanto as Convenções foram articuladas em comitês internacionais de negociação específicos, segundo o tema a ser tratado. Em seu trabalho, o Comitê Preparatório, além de utilizar-se da produção resultante desses comitês internacionais e das sessões realizadas, também utilizou o aporte e contribuições das conferências regionais ocorridas na Ásia, Europa, África e América Latina de junho de 1989 a março de 1991, seguindo as recomendações constantes do Relatório Brundtland.

O contexto da realização da Rio 92 também era totalmente diverso daquele visto durante Estocolmo. O mundo encontrava-se num momento de franca expansão, regida pelo pensamento econômico neoliberal e o esforço dos países em desenvolvimento voltava-se para encontrar formas de participação mais efetiva e satisfatória no processo de retomada de crescimento.

A noção de desenvolvimento sustentável foi sendo reformulada – considerando- se a perspectiva colocada no Relatório Brundtland – no sentido de não mais procurar-se um modelo alternativo para o desenvolvimento tido como insustentável, na década de 1980, mas sim no sentido de manterem-se as políticas desenvolvimentistas e a retomada do crescimento econômico. Assim, para os países desenvolvidos, tratava-se de negociar estratégias para minimizar as pressões sobre o meio ambiente global de forma que não afetasse a expansão econômica vivida no início da década de 1990. Por sua vez, os países

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em desenvolvimento mantinham as antigas questões vinculadas à dificuldade de manutenção do ritmo de crescimento econômico, aliados ao agravamento da degradação ambiental que se intensificara em virtude do desgaste dos recursos naturais pela indústria agro-exportadora e da ampliação do próprio processo de industrialização nestes países.

No processo de preparação para a Conferência do Rio de Janeiro, os países da América Latina procuraram firmar suas posições históricas: a de que as medidas de conservação do meio ambiente não significassem a imposição de condicionantes, embargos ou barreiras tarifárias que prejudicassem o crescimento de suas economias; reiteraram o aspecto da soberania sobre o controle dos recursos naturais sob sua jurisdição, e buscaram melhores condições em torno de aportes financeiros e tecnológicos advindos da exploração sustentável de seus recursos. Mais uma vez reafirmam que a solução da problemática ambiental no continente estaria associada à retomada do crescimento econômico, em bases mais eqüitativas e mais justas do ponto de vista social.

No debate durante a fase preparatória da Rio 92, também houve o envolvimento da CEPAL e da Comissão de Desenvolvimento e Meio Ambiente da América Latina (CDMAALC), esta última composta por representantes do PNUD, PNUMA e BID. A partir destas duas iniciativas, foram produzidos, respectivamente, os seguintes documentos: “O desenvolvimento sustentável: transformação produtiva, equidade e meio ambiente” e “Nossa própria agenda”, ambos publicados em 1991.

A CEPAL afirma que as políticas em prol da conservação do meio ambiente têm como objetivo primordial a melhoria das condições do ser humano, pois o desenvolvimento sustentável resulta de uma combinação adequada de fatores de produção que variam segundo as condições físicas, sociais e estruturais de cada sociedade. A sustentabilidade viria, então, de uma correta alocação dos capitais humanos, naturais, físicos, financeiros, bem como do acervo

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institucional e cultural. Daí a Comissão advogar em prol de relações mais favoráveis no que se refere ao acesso a tecnologias limpas, ao financiamento do desenvolvimento sustentável, à capacitação de agentes, à conservação dos recursos e proteção da biodiversidade e a um regime de monitoramento e prevenção de ameaças ao meio ambiente (MACHADO, 2005)

Por sua vez, as discussões e recomendações contidas no relatório “Nossa própria Agenda”, elaborado pela CDMAALC, caminham no mesmo sentido das constantes no Relatório Brundtland, ou seja: para a construção de um desenvolvimento sustentável seriam necessárias relações econômicas mais justas e equânimes entre os países no âmbito das relações internacionais, pois a questão ambiental tem um caráter interdependente e complementar, que afeta todas as nações do planeta. A interdependência crescente do mundo globalizado intensifica a complementaridade entre os recursos para o desenvolvimento disponíveis nos países industrializados e aqueles disponíveis nos países em desenvolvimento, e a sustentabilidade advém de uma relação de equilíbrio no uso dos recursos e no acesso aos benefícios decorrentes de seu uso. O desejo da CDMMALC era a construção do conceito de desenvolvimento sustentável, na perspectiva dos países em desenvolvimento, o de uma posição comum dos países da região, de forma a melhor enfrentar os debates e os conflitos que viriam durante a Rio 92.

“Por desenvolvimento sustentável entendemos um processo de mudança social em que a exploração dos recursos, as opções de investimento, o progresso tecnológico e as reformas institucionais se realizam de maneira coordenada, ampliando as atuais e futuras possibilidades de satisfazer as necessidades e aspirações humanas.”

“O desenvolvimento sustentável só se tornará realidade na América Latina e no Caribe se for concebido como um processo de profundas mudanças na ordem política, social, econômica, institucional e tecnológica, bem como em nossas relações com os países

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desenvolvidos, a fim de que possamos reafirmar nosso controle sobre os recursos naturais e o meio ambiente. Isto é muito mais do que simplesmente dar uma feição ambiental a formas e procedimentos e métodos tradicionais. É, sobretudo um esforço por modernizar nossas sociedades, para transformar os fatores internos e externos que impedem a consecução de nossos objetivos.” (CDMAALC, 1990 p. 117 e 119)

10.2. A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE