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4. Discussão dos resultados

4.3 A Cultura Cívica Assertiva de Dalton e Welzel (2014)

A dimensão cultural do modelo de análise corresponde à componente normativa do modelo de Welzel, Inglehart e Klingemann (2003, p.346), que inclui a mudança cultural resultante do desenvolvimento de valores emancipativos e autoexpressivos. Daqui resulta a Cultura Cívica Assertiva de Dalton e Welzel (2014), que vai mais além do que a cultura participante de Almond e Verba (1972).

Almond e Verba (1972) avaliaram as atitudes políticas da população de cinco países, através da avaliação das suas orientações em relação ao sistema político, nas suas várias componentes (estruturas, inputs, outputs e o próprio como ator). Da combinação destas orientações individuais surge a cultura política de um determinado país (Almond e Verba, 1972, pp.17-32). A cultura participante traduz o envolvimento do cidadão no processo político, mas a participação traduz-se no voto e na escolha dos eleitos.

Na Cultura Cívica Assertiva, o cidadão envolve-se e participa ativamente nas decisões políticas, quer através do protesto, quer através da participação direta. A Cultura Cívica Assertiva, na perspetiva de Dalton e Welzel (2014), combina três componentes: a Igualdade de Oportunidades, a Liberdade Individual e a expressividade, traduzida na “Voz” das Pessoas (Dalton e Welzel, 2014, p.319).

Foi a partir do estudo destas três componentes da Cultura Cívica que foi avaliada a dimensão cultural. Avaliou-se a orientação dos entrevistados em relação a cada uma das três componentes, recorrendo à discussão de temas pré-definidos (a multiculturalidade e a liberdade religiosa para avaliação da Liberdade; a igualdade de género para avaliação da Igualdade; e os instrumentos de decisão participada e os mecanismos de auscultação da população para avaliar a “Voz” das Pessoas). Às três orientações do modelo de Almond e Verba (1972), paroquial, subordinada e participante, foi acrescentada uma quarta orientação, a orientação assertiva, que traduz o envolvimento direto do entrevistado, de forma pró-ativa, no tema analisado, através da implementação de ações ou da mobilização e envolvimento de outros.

Nos dados recolhidos, consideradas as três componentes em conjunto (Liberdade + Igualdade + “Voz” das Pessoas), a orientação assertiva é a predominante no município que adotou o orçamento participativo (71%), enquanto no município que não adotou o orçamento participativo predomina a orientação participante (48%), havendo 29% de orientações assertivas.

61 Ao nível da componente Liberdade, os dois municípios não divergem. Tal poderá estar relacionado com o facto de ambos os municípios terem uma percentagem elevada de população estrangeira (8,1% em Loures e 8,7% em Odivelas, relativamente ao ano de 2014, conforme dados da PORDATA apresentados na tabela 5), tendo representadas mais de cem nacionalidades diferentes e múltiplas religiões. As orientações em relação a esta componente são predominantemente assertivas em ambos os municípios (cinco em sete entrevistados). A diferença maior fez-se sentir em relação à Igualdade. A igualdade do género é um tema relativamente ao qual a Câmara Municipal de Odivelas apresenta um grande investimento, com envolvimento, quer da comunidade, quer da própria Câmara, internamente. É um tema que faz parte do quotidiano dos trabalhadores pela adoção da linguagem inclusiva (oral e escrita), pelas diversas ações de sensibilização e formação dinamizadas internamente e para o exterior, e ainda por várias práticas instituídas (como a paridade nas listas do partido nas eleições e também na composição do executivo, a implementação de um sistema de paridade, por exemplo, no jornal municipal e nas várias iniciativas realizadas internamente, incluindo-se sempre elementos do sexo masculino e feminino em igual número). As orientações dos entrevistados foram maioritariamente assertivas (cinco em sete entrevistados).

Na Câmara Municipal de Loures, as questões da igualdade de género foram consideradas como pouco relevantes para o município, considerando os entrevistados que há uma diferenciação dos funcionários pela competência, independentemente do género. Embora alguns entrevistados reconheçam o problema da igualdade, a um nível mais abrangente (da sociedade em geral), não identificam que seja um problema naquela Câmara.

A ação da Câmara Municipal de Loures relativamente a este tema tem-se focalizado, segundo informação recolhida nas entrevistas, nas questões da violência de género e na comemoração do Dia da Mulher, considerando todos os entrevistados que a área da competência do município se traduz, nesta matéria, na promoção dos direitos legais das trabalhadoras (como por exemplo permitindo às mães a laboração em jornada contínua), dando-lhes condições para que possam participar ativamente na vida social e política do país. As orientações dos entrevistados relativamente a este tema distribuíram-se entre as orientações paroquial, subordinada e participante.

Teria sido importante incluir na Igualdade outros temas para além da igualdade de género, como por exemplo as questões da acessibilidade, conforme sugerido por um dos entrevistados, para perceber se também se verifica esta diferença entre municípios.

62 Quanto à “Voz” das Pessoas, as orientações dos entrevistados traduzem a sua posição relativamente às questões da participação dos cidadãos, quer em relação à auscultação, quer em relação à participação na decisão, posição que se espelha também nos fundamentos apontados para a adoção (ou não) do orçamento participativo, avaliada na Dimensão Institucional. No município com orçamento participativo, há um predomínio da orientação assertiva, que reflete a ideia, defendida pela maioria dos entrevistados, da importância de os cidadãos se poderem manifestar e participar diretamente nas decisões relativas à vida do Concelho, contribuindo para melhorar a qualidade de vida.

No município sem orçamento participativo, predomina a orientação participante, que reflete a ideia de que a participação é importante, mas a decisão cabe sempre aos eleitos, os quais têm a responsabilidade e a legitimidade que lhes foram conferidas pelo voto. Apenas um entrevistado considera como válida a possibilidade de participação dos cidadãos na decisão sobre a distribuição de recursos, desde que sob regras muito bem definidas e o montante a afetar a essa decisão seja no máximo de 1 ou 2% do orçamento global (um com orientação assertiva). De referir ainda que, em ambos os municípios, as orientações predominantes foram a assertiva e a participante, sendo reduzido o número de orientações paroquial e subordinada. Almond e Verba (1972) referem que nas democracias estabelecidas, embora coexistam os três tipos de orientação (paroquial, subordinada e participante), há um predomínio da orientação participante (pp.23-26). Tal também se verificou no presente estudo.

A orientação paroquial verificou-se apenas relativamente à componente Igualdade e em três entrevistados do sexo masculino do Município de Loures. Embora em Odivelas tivesse sido referido por diversos entrevistados que há uma grande adesão das mulheres ao tema, sendo reduzida a adesão dos homens, tal não se refletiu nas orientações dos entrevistados daquela Câmara. Apenas um dos entrevistados, que era do sexo masculino, mostrou ser conhecedor dos projetos em curso sem que neles estivesse envolvido (orientação subordinada).

Para Almond e Verba (1972, p.22) a congruência entre as orientações e o sistema em si mesmo é apontada como um aspeto importante para a consistência e para a estabilidade do sistema. Para análise da congruência, tentou-se incluir no presente estudo representantes das diferentes forças políticas com mais peso em cada um dos concelhos, o que não foi possível, por não ter sido obtida a colaboração dos participantes. Foram apenas incluídos, no estudo, técnicos e dirigentes de cada município e eleitos do partido com maioria, do executivo e da Assembleia

63 Municipal (apenas em Loures, já que não foi possível realizar atempadamente a entrevista com o Presidente da Assembleia Municipal de Odivelas). As orientações dos entrevistados eram congruentes, divergindo os entrevistados no grau de envolvimento e de ação em relação aos temas avaliados, mas com perceções e posições relativamente uniformes. Apenas um entrevistado em cada um dos municípios manifestou uma posição divergente das restantes.