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Instrumentos de participação adotados e o modelo de Vigoda (2002)

4. Discussão dos resultados

4.2 Instrumentos de participação adotados e o modelo de Vigoda (2002)

A Dimensão Institucional do modelo de Welzel, Inglehart e Klingemann (2003, p.345) corresponde à democracia efetiva. Funcionando os municípios em democracia representativa, a existência de estruturas e mecanismos que permitem aos cidadãos participar nas decisões do município são, neste modelo, aquilo que garante que efetivamente podem participar. Mesmo tendo os recursos (dimensão económica) e os valores (dimensão cultural), só é possível haver uma Cultura Cívica Assertiva se existirem estruturas que garantam a possibilidade de participar. Estes mecanismos não podem, contudo, ser apenas formais, devendo ser efetivos.

A Governança Democrática é descrita como o envolvimento de novos atores sociais nos processos de decisão que tradicionalmente eram confinados às estruturas hierárquicas, top- down, do Estado e também a adoção de instrumentos de participação na decisão (Chhotray e Stoker, 2009, p.179). Indo além da ideia subjacente às democracias representativas, de que o cidadão comum não seria competente para decidir, por razões diversas, sendo por isso representado por elementos mais neutros e capacitados para o efeito (Gomes, 2013, p.30), a Governança Democrática centra-se na promoção da participação pública no desenvolvimento das políticas públicas através da implementação de diversos mecanismos de participação (Roberts, 2013, p.43).

A adoção de um modelo de Governança Democrática, na lógica do modelo de Welzel, Inglehart e Klingemann (2003), pode ser considerada como garantia da democracia efetiva, por se considerarem o cidadão como um ator na decisão política. Os mecanismos de participação do cidadão, no entanto, podem ser muito diferenciados, envolvendo diferentes graus de participação e de decisão.

57 No modelo evolucionário de Vigoda (2002), que descreve um contínuo evolucionário na interação entre o Estado e o cidadão, a hierarquia na relação vai-se invertendo com o passar das gerações, evoluindo-se da coercividade do Estado (em que o Estado é soberano e exerce poder coercivo sobre o cidadão) até à coercividade do cidadão (em que é a decisão do cidadão que prevalece sobre o Estado).

Fazendo um paralelismo entre este modelo e o desenvolvimento da Cultura Cívica de Almond e Verba (1972), então a coercividade do Estado corresponderia à cultura paroquial, a delegação corresponderia à cultura subordinada e a responsividade à cultura participante. A colaboração e a coercividade do cidadão implicam já uma participação direta dos cidadãos, compatível com a Cultura Cívica Assertiva descrita por Dalton e Welzel (2014).

Para a presente análise, importava localizar cada um dos municípios estudados no contínuo evolucionário de Vigoda (2002). Para esse efeito, foram analisados os instrumentos de decisão participada utilizados por cada um dos municípios. Procurou-se esclarecer quais os fundamentos para a sua adoção, de modo a perceber se os mesmos eram vistos efetivamente como garantias. Seguidamente, foi efetuada uma análise do tipo de comunicação utilizado, procurando perceber se a comunicação é unilateral (informativo) ou se há bilateralidade (bilateral), se o cidadão colabora na decisão (colaborativo), ou ainda se lhe é dado poder para decidir (deliberativo). Por último, procurou-se perceber a relação estabelecida com o município, de acordo com o contínuo do modelo.

A Câmara Municipal de Odivelas tem implementado um modelo de orçamento participativo deliberativo, em que os cidadãos apresentam propostas (presencialmente, em assembleia, ou online, através de uma plataforma própria) e votam (o voto é online), escolhendo as propostas vencedoras, que terão obrigatoriamente de ser executadas pela Câmara no prazo de dois anos. Tinha anteriormente implementado um modelo colaborativo, centrado apenas na recolha de propostas da população, que eram depois escolhidas pela Câmara.

Ambos os municípios reconhecem a importância da participação e do envolvimento dos cidadãos na vida do concelho e nas decisões, por melhorar a qualidade da democracia e fortalecer as decisões, aumentar a transparência, melhorar a qualidade das respostas e dos serviços e permitir uma aproximação entre eleitos e eleitores, indo de encontro aos fundamentos para a adoção de mecanismos de participação apontados por Speer (2012), na revisão de literatura que faz sobre esta matéria. Os fundamentos para a adoção do orçamento participativo por parte de Odivelas e para a não adoção por parte de Loures são consonantes com a reflexão

58 de Irving e Stansbury (2004) sobre os custos e benefícios da participação direta dos cidadãos na tomada de decisão.

Em ambos os municípios é referida uma boa adesão da população: em Odivelas, ao orçamento participativo deliberativo, com envolvimento de cerca de 6000 cidadãos na última edição; em Loures, às sessões públicas, tendo este executivo já realizado mais de cem sessões públicas. Os dois instrumentos adotados, contudo, divergem entre si em relação ao tipo de comunicação e à relação estabelecida com o cidadão.

Tal como o orçamento participativo de Porto Alegre, no Brasil, descrito por Santos (2003), o orçamento participativo adotado por Odivelas permite a decisão direta do cidadão, sendo deliberativo.

No orçamento participativo de Porto Alegre, todos os concelhos são compostos por representantes dos cidadãos, havendo também representantes do município, mas estes não têm poder de voto (Santos, 2003, pp.397-399).

Em Odivelas, o cidadão tem o poder de decidir quais são as propostas vencedoras (através do voto digital), sendo a comunicação estabelecida deliberativa. Contudo, após apresentação das propostas por parte do cidadão, estas são validadas por uma comissão de análise de acordo com a pertinência, exequibilidade e custo (que não pode ser superior a €100 000,00) antes de irem a votação. Esta comissão é composta exclusivamente por técnicos camarários que têm o poder de excluir propostas, sendo que, das 217 propostas apresentadas pelos cidadãos em 2015, apenas 58 foram a votação (dados da entrevista O-E6-OP). Assim, embora o tipo de comunicação seja deliberativo, na relação com o cidadão não há uma coercividade do cidadão, havendo interferência na decisão. A relação com o cidadão situa-se, assim, ao nível da colaboração. Relativamente ao instrumento adotado pelo município de Loures, a responsabilidade pela elaboração das propostas e pela decisão é do executivo. Os cidadãos podem participar na discussão do projeto, podendo fazer sugestões de melhoria que são registadas. As sugestões são analisadas pelo executivo, o qual poderá tê-las em atenção e reformular o projeto, desde que não seja alterada a filosofia global do projeto. A comunicação é bilateral, não sendo o cidadão visto numa posição de igualdade em relação ao município que tem a legitimidade, a responsabilidade e o know how (dos técnicos). Pretende-se, com os contributos do cidadão, melhorar a decisão do executivo e promover a aproximação entre eleitos e eleitores. Trata-se, assim, de uma relação de responsividade.

59 Em ambos os municípios, o atendimento ao público tem vindo a ganhar progressivamente maior pertinência, com reorganização da orgânica interna a fim de melhorar a resposta. Este enfoque traduz, em ambos os municípios, uma relação com o munícipe de responsividade.

Ambos os municípios adotam, em algumas áreas de intervenção (nomeadamente a área social), uma metodologia de trabalho em rede com os parceiros locais, sendo as decisões tomadas em conjunto e sendo a Câmara mais um parceiro da rede, que participa na decisão e colabora na sua implementação. Aqui, a relação estabelecida é de colaboração.

Feita esta análise da dimensão institucional, tentando situar ambos os municípios no contínuo evolucionário de Vigoda (2002, p. 534), tendo em referência a ideia do autor de que cada estádio contém o anterior e vai mais além, procurou-se, na figura 9, representar graficamente o posicionamento de cada um dos municípios no contínuo.

Ambos os municípios mantêm uma relação com o cidadão de responsividade através do enfoque na melhoria da qualidade do atendimento a público.

A Câmara Municipal de Loures, nas sessões públicas, estabelece com o cidadão uma relação também de responsividade, mas vai mais longe no contínuo através do trabalho em rede, em que a relação é de colaboração. Não permite, no entanto, que o cidadão decida, não reconhecendo legitimidade à coercividade do cidadão.

A Câmara Municipal de Odivelas, através do orçamento participativo, vai mais além no contínuo. Estabelece com os cidadãos uma relação de colaboração, admitindo já alguma coercividade do cidadão quando lhes permite decidir, comprometendo-se com a execução das propostas vencedoras. Não realiza de forma plena a coercividade do cidadão, uma vez que o cidadão não é completamente responsável pelo processo de decisão.

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