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Governança e Cultura Cívica:desenvolvimento de valores autoexpressivos em contextos de decisão participada

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Academic year: 2021

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Governança e Cultura Cívica:

desenvolvimento de valores

autoexpressivos em contextos de decisão

participada

Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Administração Pública

Aluna: Rita Susana Rosa Freitas (nº218859)

Orientadora: Professora Doutora Sandra Maria Rasteiro Firmino

Lisboa

Setembro de 2016

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“A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” (Albert Einstein)

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Agradecimentos

Obrigada ao ISCSP e ao corpo docente do MPA por me envolverem na cultura académica e na Ciência da Administração, abrindo-me novas janelas e novos horizontes e enriquecendo o meu mundo. Agradeço à Professora Doutora Elisabete Carvalho, pelo seu sentido prático e clarividência que me ajudaram a focalizar e a organizar ideias. Agradeço também aos meus colegas do MPA, que são uma turma fantástica, pelo apoio e incentivo permanentes.

Um agradecimento muito especial à Professora Doutora Sandra Firmino, pelo suporte, pela infinita disponibilidade, pela sua competência, pela enorme capacidade de envolvimento no projeto, pela objetividade e pragmatismo e pela calma, serenidade e tranquilidade constantes. Agradeço ao Dr. Hugo Martins, Presidente da Câmara Municipal de Odivelas, e ao Dr. Bernardino Soares, presidente da Câmara Municipal de Loures a colaboração no presente estudo, que permitiu a concretização da parte empírica. Um obrigada especial ao Dr. Nuno Gomes e ao Dr. José Monteiro pelo interesse, paciência e disponibilidade. Agradeço também a todos os elementos de ambos os municípios que se disponibilizaram para participar no presente estudo, viabilizando-o. Foi muito estimulante trabalhar convosco.

Obrigada à minha família e aos meus amigos por me terem proporcionado as condições, materiais e imateriais, para que pudesse frequentar as aulas, realizar trabalhos e conciliar o inconciliável. Um agradecimento especial ao meu marido, pelo infinito suporte, ao meu filho Fábio e ao Francisco, pela compreensão e paciência, e às minhas amigas Paula, Susana e Marta, pelo afeto e pela ajuda preciosa.

Deixo ainda um agradecimento à DGRSP por me ter dado as condições para poder conciliar o trabalho com a vida académica, e em particular ao meu coordenador, pela empatia, apoio e permanente disponibilidade.

Por fim, não queria deixar de fazer uma ressalva ao protocolo APEX. Não sendo uma pessoa, tem múltiplas pessoas por detrás. Trata-se de uma iniciativa de grande valor, e um forte incentivo à qualificação dos trabalhadores em funções públicas.

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Resumo

Realizada no âmbito do Mestrado em Administração Pública, a presente dissertação cruza duas linhas de investigação: a da Governança (tradicionalmente estudada pela Ciência da Administração) e a da Cultura Cívica (tradicionalmente estudada no âmbito da Ciência Política), através do estudo de valores autoexpressivos em contextos de decisão participada. Pretendeu-se analisar se o desenvolvimento de valores autoexpressivos, próprios de uma Cultura Cívica Assertiva, tem uma relação com a adoção de mecanismos de participação dos cidadãos, em modelos de Governança Democrática. Para a construção do modelo de análise recorreu-se ao modelo de desenvolvimento humano de Welzel, Inglehart e Klingemann (2003), complementando-o com o modelo de Cultura Cívica de Almond e Verba (1972) para avaliação das atitudes políticas, o modelo de Cultura Cívica Assertiva de Dalton e Welzel (2014) para operacionalização do conceito de valores autoexpressivos e o modelo evolucionário de Vigoda (2002) para a análise dos instrumentos de decisão participada. Selecionaram-se dois municípios da área da Grande Lisboa, um que adotou e outro que não adotou o orçamento participativo, que foram comparados relativamente ao desenvolvimento de valores autoexpressivos através da análise de conteúdo das entrevistas. No município em que foi adotado o orçamento participativo, os valores autoexpressivos dos entrevistados surgiram mais desenvolvidos do que no município que não adotou este instrumento, sendo as orientações dos entrevistados do primeiro município predominantemente assertivas (71%), enquanto as do segundo predominantemente participantes (48%). Embora o presente estudo utilize uma metodologia qualitativa, de estudo de caso, que não permite uma análise inferencial, os resultados obtidos são sugestivos da existência de uma relação entre a adoção de instrumentos de decisão participada e o desenvolvimento de valores autoexpressivos que integram a Cultura Cívica Assertiva.

Palavras-chave: governança – participação – Cultura Cívica – valores autoexpressivos – orçamento participativo

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Abstract

This dissertation was conducted for the Master in Public Administration, and crosses two research approaches: Governance (traditionally studied in Public Administration Science) and the Civic Culture (traditionally studied in Political Science), by examining self-expression values in participatory decision contexts. It was intended to understand if the development of self-expression values, as part of an assertive civic culture, is related to the adoption of participatory mechanisms in democratic governance models. The analysis model is based on the human development model proposed by Welzel, Inglehart and Klingemann (2003), complemented with the Almond and Verba (1972) Civic Culture model to assess the political attitudes, the Assertive Civic Culture model of Dalton and Welzel (2014) to operationalize the concept of self-expressive values and the Vigoda (2002) evolutionary model to analyse the participatory instruments. Two counties from the vicinity of Lisbon were selected, one adopting participatory budgeting and the other not adopting it, which were compared regarding self-expressive values development, by using interview content analysis. In the county that has adopted participatory budgeting, the respondents’ self-expressive values were found to be more developed than in the county that has not adopted this instrument. The respondents’ orientation in the first county was

predominantly assertive (71%), and in the second it was predominantly participant (48%). Although this investigation uses a qualitative, case study, methodology, which does not allow an inferential analysis, the results are suggestive of the existence of a relationship between the adoption of participatory decision-making instruments and the development of self-expressive values, which are part of the Assertive Civic Culture.

Keywords: governance - participation - civic culture – self-expressive values - participatory budgeting

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Índice

Introdução ... 1 1. Enquadramento teórico-conceptual ... 3 1.1 Governança ... 3 1.1.1 Conceito ... 5 1.1.2 Governança Democrática ... 8

1.1.3 O modelo evolucionário de Vigoda ... 9

1.1.4 Administração Pública e participação ... 11

1.1.5 Instrumentos de Decisão Participada ... 11

1.1.6 O Orçamento Participativo enquanto instrumento de decisão participada ... 13

1.2 Cultura Cívica ... 15

1.2.1 Evolução do conceito de Cultura Cívica ... 15

1.2.2 Novas linhas de investigação em Cultura Cívica ... 21

1.3 Governança e Cultura Cívica Assertiva ... 26

2. Metodologia ... 27

2.1 Modelo de Análise ... 28

2.1.1 Construção do modelo de análise ... 28

2.1.2 Operacionalização dos conceitos ... 30

2.1.3 Questões de Investigação... 34

2.2 Desenho da pesquisa ... 34

2.2.1 Seleção dos casos de estudo ... 35

2.2.2 Instrumentos de recolha de dados ... 35

2.2.3 Recolha de dados ... 36

2.2.4 Análise dos dados ... 37

3. Resultados ... 39

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3.2 Dimensão Institucional ... 43

3.2.1 Município com orçamento participativo... 43

3.2.2 Município sem orçamento participativo ... 47

3.3 Dimensão cultural ... 52

4. Discussão dos resultados ... 54

4.1 Meios ... 55

4.2 Instrumentos de participação adotados e o modelo de Vigoda (2002) ... 56

4.3 A Cultura Cívica Assertiva de Dalton e Welzel (2014) ... 60

4.4 Valores autoexpressivos e instrumentos de decisão participada... 63

Conclusão ... 66

Bibliografia ... 71 Anexos

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Índice de Figuras

Figura 1 - Continuo evolucionário da interação Administração Pública – Cidadão.. ... 10

Figura 2- Congruência entre cultura política e estrutura.. ... 19

Figura 3 – Síntese do modelo de Welzel, Inglehart e Klingemann (2003). ... 24

Figura 4 – Síntese do modelo de análise. ... 30

Figura 5 – Gráfico ilustrativo da densidade populacional, por freguesias, no Concelho de Odivelas, referente ao ano de 2011. ... 40

Figura 6 - Gráfico ilustrativo da densidade populacional, por freguesias, no Concelho de Loures, referente ao ano de 2011. ... 40

Figura 7 – Esquema resumo da calendarização da recolha e execução de propostas no orçamento participativo de Odivelas.. ... 43

Figura 8 - Orientação dos entrevistados consideradas as três componentes da Cultura Cívica Assertiva em conjunto (Liberdade + Igualdade + “Voz” das Pessoas).. ... 53

Figura 9 – Posicionamento dos municípios no contínuo evolucionário de Vigoda (2002). ... 59

Figura 10 - Posicionamento dos municípios no contínuo evolucionário de Vigoda (2002) e no modelo da Cultura Cívica Assertiva de Dalton e Welzel (2014) ... 64

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Índice de Tabelas

Tabela 1- Conceitos de Governança. ... 7 Tabela 2 – Grelha de análise das orientações dos participantes em relação às três componentes da Cultura Cívica Assertiva (Liberdade, Igualdade e “Voz” das pessoas. ... 33 Tabela 3 – Codificação das entrevistas... 38 Tabela 4 – Dados de caracterização geral dos concelhos de Loures e Odivelas, em 2014. ... 39 Tabela 5 – Dados demográficos da população residente, em 2014, em Loures, em Odivelas e em Portugal. ... 41 Tabela 6 – Dados relativos à qualificação académica, em 2011. ... 41 Tabela 7 – Dados relativos emprego, rendimento, poder de compra e apoios sociais ... 42 Tabela 8 – Fundamentos apontados pelos entrevistados para a adoção do orçamento participativo (em Odivelas) e das sessões de discussão pública (em Loures). ... 45 Tabela 9 – Comparação entre os fundamentos para adoção (Odivelas) e para a não adoção (Loures) do orçamento participativo.. ... 47 Tabela 10 Síntese da análise da dimensão institucional.. ... 51 Tabela 11 – Orientação dos entrevistados em relação às três componentes da Cultura Cívica Assertiva. ... 52

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Introdução

Realizado no âmbito do Mestrado em Administração Pública, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, sob a orientação da Professora Doutora Sandra Maria Rasteiro Firmino, a presente dissertação, com o título “Governança e Cultura Cívica: desenvolvimento de valores autoexpressivos em contextos de decisão participada”, pretende analisar a relação entre Governança e Cultura Cívica através do estudo de valores autoexpressivos em contextos de decisão participada.

A Cultura Cívica é um conceito que tem sido amplamente estudado no âmbito da Ciência Política e que tem vindo a sofrer diversas evoluções. Nos modelos iniciais de Cultura Cívica falava-se em atitudes e orientações participativas como base de suporte para a democracia (Almond e Verba, 1972). Modelos mais recentes dão conta da emergência de uma nova Cultura Cívica, a Cultura Cívica Assertiva, que se centra em valores como a liberdade individual, a igualdade de oportunidades e a crença de que as pessoas devem ter “voz” nas decisões coletivas, nos vários níveis do processo político, de modo a que as decisões possam refletir a vontade da maioria (Dalton e Welzel, 2014).

Este conceito de Cultura Cívica Assertiva parece materializar o conceito de cidadania democrática sugerido por Bilhim (2013, p.40), que descreve o modelo de Governança como um movimento que se apoia numa dimensão humanista do sistema organizacional e nos valores da cidadania democrática e do envolvimento da comunidade e da sociedade civil. Será, então, possível a adoção de mecanismos de participação dos cidadãos e de modelos de Governança Democrática sem ter em atenção o desenvolvimento de valores autoexpressivos, que traduzem a Cultura Cívica Assertiva?

O presente estudo desenvolve uma linha de análise ainda não explorada, que cruza os duas áreas de investigação distintas: a da Governança (tradicionalmente estudada pela Ciência da Administração) e a da Cultura Cívica (tradicionalmente estudada no âmbito da Ciência Política).

Caso se verifique a existência de uma relação entre Governança e Cultura Cívica Assertiva, poderá dar também um contributo empírico, chamando a atenção de formuladores, decisores e implementadores de políticas públicas para a existência de modelos de governação participada

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2 e de instrumentos de participação dos cidadãos que poderão ser potenciadores do desenvolvimento dos valores autoexpressivos e da Cultura Cívica Assertiva.

Parte-se da seguinte questão de investigação:

 Será que existe um maior desenvolvimento de valores autoexpressivos, associados a uma Cultura Cívica Assertiva, nos municípios em que foram implementados instrumentos de decisão participada quando comparados com os que os não implementaram?

O objetivo geral do presente estudo é, então, relacionar o desenvolvimento de uma Cultura Cívica Assertiva com a adoção de instrumentos de decisão participada, concretamente o orçamento participativo, comparando, para esse efeito, municípios onde o instrumento foi ou não implementado.

São ainda objetivos específicos:

 Compreender o processo e contexto de implementação do orçamento participativo num município que tenha implementado este instrumento de decisão participada;

 Conhecer as razões da não implementação deste instrumento por parte de um segundo município que não o tenha adotado;

 Identificar a presença de valores autoexpressivos, associados a uma Cultura Cívica Assertiva, em ambos os municípios;

 Comparar a Cultura Cívica Assertiva nos dois municípios;

 Compreender se a adoção de instrumentos de decisão participada está, ou não, associada ao aumento da presença dos valores autoexpressivos de uma Cultura Cívica Assertiva. Pretende-se responder às seguintes questões de investigação:

 Como decorreram o processo e o contexto de implementação do orçamento participativo num município que tenha implementado este instrumento de decisão participada?  Que motivos estiveram na origem da não implementação deste instrumento por parte do

município que não o tenha adotado?

 Estão presentes valores autoexpressivos associados a uma Cultura Cívica Assertiva em cada um dos municípios?

 Os dois municípios analisados diferem entre si relativamente ao desenvolvimento de uma Cultura Cívica Assertiva?

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3  A adoção do orçamento participativo está, ou não, associada a um maior

desenvolvimento dos valores de uma Cultura Cívica Assertiva?

Na primeira parte do presente trabalho é efetuado o enquadramento teórico-conceptual, explorando-se os desenvolvimentos das duas linhas teóricas que se pretendem cruzar – a Governança e a Cultura Cívica –, e procurando-se, em momento posterior, explorar os elementos de ligação entre as duas abordagens, que serviram de base para o desenho do presente estudo.

Na segunda parte do trabalho são apresentados o modelo de análise, com a operacionalização dos conceitos e as questões de investigação, e as opções metodológicas ao nível do desenho da pesquisa.

Na terceira parte são sistematizados os principais resultados obtidos no estudo empírico. Estes resultados são, na quarta parte, discutidos à luz dos modelos de Governança e de Cultura Cívica utilizados como referência, procurando-se responder à questão de partida e às questões de investigação.

Por último, na conclusão do trabalho, é feita uma análise crítica do presente estudo, abordando os pontos fortes e fracos, e analisando possíveis linhas de investigação futuras.

1. Enquadramento teórico-conceptual

1.1 Governança

Procurando resolver os problemas do “Estado Social”, a reforma administrativa, iniciada no final da década de setenta, tentou responder às críticas apontadas ao modelo clássico, burocrático, através da aproximação dos modelos de administração pública aos modelos de gestão privada (Bilhim, 2013, p.33).

Organizações como o Banco Mundial ou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), promoveram ativamente a introdução generalizada desta visão gestionária da administração pública, a Nova Gestão Pública, com vista à concretização de valores considerados fundamentais como a eficácia, a eficiência e a economia e, posteriormente, a accountability pública (Carvalho, 2007, p.6).

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4 Seguindo os exemplos de Thatcher (em Inglaterra) e Reagan (nos Estados Unidos), estas medidas espalharam-se pelos países ocidentais, tendo as Administrações Públicas perdido muitas das suas funções tradicionais através da privatização, da descentralização e da agencificação (Firmino, 2015, p.29).

É praticamente consensual que, nos últimos anos, na sequência das reformas anteriores e com a introdução do modelo da Nova Gestão Pública, o Estado e a Administração Pública têm vindo a perder o monopólio das funções governativas em três sentidos distintos: 1) para a administração regional e local; 2) para instituições globais e supranacionais e 3) para a sociedade civil, organizações e redes privadas (Moro, citado por Fonseca, 2003, p.309). Também o contexto externo se alterou em consequência da crise financeira, da dependência e da pressão dos mercados externos, das políticas e orientações europeias e mundiais, e das ameaças à segurança à escala mundial. A capacidade dos governos para isolar as suas economias e sociedades da pressão global tem sido diminuída. A soberania dos Estados tem vindo, assim, a ficar diluída na teia global, criando-se a necessidade de se integrarem em estruturas intergovernamentais alternativas de tomada de decisão e de ação coletiva relativamente aos assuntos globais (que integram também o setor privado e as Organizações Não Governamentais), e que são estruturas cada vez mais complexas e em constante mudança (Foreman e Segaar, 2006).

Neste contexto de uma administração pública fragmentada e um sistema político enfraquecido e descredibilizado, tornou-se necessário um reajustamento dos modelos de gestão e também das formas de interação entre público e privado, cedendo progressivamente o lugar a um modelo de estrutura denominado de “rede” e à adoção de modelos mais horizontais de governação (Rocha, 2010, pp.47-48).

Com as alterações na relação do Estado com o setor privado, e dada a complexidade do contexto atual, há um consequente aumento da influência de outros atores na definição das políticas públicas e o enfraquecimento do poder do Estado, falando-se mesmo em sistemas de “governança sem governo”, em redes autónomas e autogeridas, em que o Estado surge apenas como mais um parceiro da rede, numa relação de poder horizontal (Rhodes, 1996).

Esta visão de Estado enfraquecido e das redes como sistemas de “Governance Without Government” não é, contudo, consensual. Para outros autores, o Estado não é um ator em posição de igualdade nas redes e não tem o mesmo poder. Sendo quem concentra os recursos

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5 (impostos e contribuições sociais, redistribuídos através do Orçamento de Estado), e apesar da complexidade dos processos políticos e do elevado número de atores envolvido, o Estado continua a manter a sua posição de controlo, posição que não só não se alterou como tem vindo a ser reforçada (Marinetto, 2003). Como referido por Firmino (2011), é incluída uma dimensão superior à atividade do Estado: no plano horizontal, situa-se o processo de negociação com os atores públicos e privados, mas a validação final obedece a uma dimensão vertical, através do exercício da autoridade do Estado (p.396).

São introduzidos novos conceitos, nomeadamente uma conceção de governação mais abrangente (Rodrigues, 2013, p.103), centrada na promoção da participação pública e no desenvolvimento das políticas públicas através da implementação de diversos mecanismos de participação direta dos cidadãos (Gomes, 2013, p.32).

1.1.1 Conceito

Considerando a governação como forma de ligação entre o governo e a sociedade (Bilhim, 2013, p.54), a Governança surge na tentativa de corrigir as limitações teóricas e práticas dos modelos que têm estado subjacentes às anteriores reformas e que coexistem na Administração Pública, procurando conciliar o que de bom existe em cada um deles com a complexidade atual da governação (Araújo, 2013, p.99).

O conceito de Governança tem vindo a ressurgir na literatura das ciências sociais a partir dos anos 80, inicialmente nos trabalhos de ciência política e sociologia em África, e com maior solidez a partir de 1989, através do Banco Mundial e das Nações Unidas (Gomes, 2003, p.389). Trata-se de um movimento que se apoia numa dimensão humanista do sistema organizacional e nos valores da cidadania democrática e do envolvimento da comunidade e da sociedade civil (Bilhim, 2013, p.40).

Governança é, contudo, um conceito muito lato, utilizado em múltiplos sentidos, referido muitas vezes como um “guarda-chuva” concetual de coisas muito distintas, operando a três níveis: institucional, organizacional e técnico (Bilhim, 2013, pp.54-55). A ambiguidade inerente ao conceito é apontada como uma das razões para a sua popularidade, conferindo-lhe maleabilidade para diferentes aplicações conceptuais, algumas contraditórias entre si (Pierre e Peters, 2000, p.37).

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6 Apesar da multiplicidade de aplicações e de sentidos do conceito de Governança, a interdisciplinaridade e a ideia implícita de mudança são, segundo Levi-Faur (2012), comuns a todas as abordagens. Para este autor, a compreensão dos múltiplos desenvolvimentos teóricos do conceito de Governança decorreu de vários vetores, surgindo como reação (p.39):

 à má reputação dos governos e das hierarquias;  aos resultados frustrantes das reformas anteriores;

 ao esvaziamento do Estado pelas teorias políticas Anglo-Saxónicas;  ao surgimento do neoliberalismo;

 à transformação do modelo burocrático weberiano;

 aos esforços para reformar e expandir a teia democrática através da participação e da deliberação;

 à transnacionalização das políticas civis;  à emergência de novos riscos internacionais;

 à emergência da União Europeia como uma nova ordem transnacional.

Analisando estas diferentes transformações, várias abordagens teóricas têm vindo a influenciar e a ser influenciadas pelas abordagens da Governança (Bevir, 2011, pp.4-7):

 A teoria das redes de políticas públicas, que chama a atenção para a complexidade e pluralidade das redes de políticas públicas;

 A teoria da escolha racional, que apela para a imprevisibilidade das políticas públicas e para a racionalidade própria das escolhas políticas;

 As teorias interpretativas, que enfatizam o facto de as pessoas serem agentes ativos, de intenção, com diferentes crenças e múltiplos “backgrounds”;

 A teoria organizacional, que acomoda a Governança, de forma direta ou indireta, nas diversas teorias organizacionais clássicas;

 A teoria institucional, que analisa e discute as instituições tendo por base a ideia de que a natureza das instituições vai influenciar a capacidade dos sistemas políticos para governar;

 A teoria dos sistemas, que usa a linguagem da teoria geral dos sistemas para estudar as interações, organizações e sociedades;

 O estudo da metagovernação, que analisa a falência das hierarquias e o recurso, em resposta, às redes de metagovernação;

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7  O estudo da relação entre Estado e sociedade, que enfatiza a passagem do estado monolítico para formas de governação com e através dos atores sociais, quebrando-se a dicotomia Estado-sociedade;

 O estudo dos instrumentos políticos, que debate os novos desafios que se colocam aos instrumentos de políticas públicas pelas novas racionalidades e tecnologias, implicando novas práticas;

 A teoria do desenvolvimento, que posiciona a Governança como emergindo da falência dos modelos anteriormente usados.

São, assim, descritas na literatura várias formas de ver a Governança, de que são exemplos as sistematizações de Pierre e Peters (2000) e de Rhodes (2000), sintetizadas na tabela 1.

Governança

Pierre e Peters (2000, pp.15-24) Rhodes (2000, pp.55-61)

 Estrutura o Hierarquias o Mercado o Redes o Comunidades  Processo  Matriz de análise  Governança Corporativa  Nova Gestão Pública  “Boa Governação”

 Interdependência Internacional  Sistema Sociocibernético  Nova Economia Política  Redes

Tabela 1- Conceitos de Governança. Fonte: adaptado de Pierre e Peters (2000, pp.15-24) e de Rhodes (2000, pp.55-61)

Estas várias abordagens contrapõem Estado e sociedade civil, procurando o melhor equilíbrio entre ambos que possa garantir o interesse público. Esta dicotomização é, contudo, artificial, uma vez que o Estado e os vários intervenientes da sociedade civil sempre exerceram um papel fundamental no processo das políticas públicas (Peters, 2014, p.302).

Em qualquer das diferentes abordagens da Governança, há uma mudança de enfoque, de uma abordagem intraorganizacional para uma mais interorganizacional, passando a tónica a estar colocada no processo e nas relações (Firmino, 2011, p.395). Procura-se identificar que

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8 intervenientes e que interações conduzem aos melhores resultados, centrando-se a Governança na forma como os atores interagem entre si (Peters, 2014, p.302).

1.1.2 Governança Democrática

A Governança Democrática, descrita como o envolvimento de novos atores sociais nos processos de decisão que tradicionalmente eram confinados às estruturas hierárquicas, top-down, do Estado, é apontada, não apenas como um tipo de Governança, mas como a essência do próprio modelo da Governança (Chhotray e Stoker, 2009, p.179).

Durante muito tempo a posição dominante foi a de que nas democracias representativas o cidadão comum não seria competente para decidir, por razões diversas, sendo por isso representado por elementos mais neutros e capacitados para o efeito (Gomes, 2013, p.30). Neste modelo, quem governa e quem decide as políticas públicas ganha essa legitimidade através do voto do cidadão comum, a quem representa, num processo de legitimidade democrática. O voto maioritário traduz a vontade da maioria dos cidadãos (Pereira, 2012, p.64).

Paralelamente ao movimento que argumenta que o cidadão comum não tem capacidade para tomar decisões corretas, devendo a sua influência nas políticas públicas ser restrita, tem vindo a desenvolver-se um outro movimento. Este centra-se na promoção da participação pública no desenvolvimento das políticas públicas através da implementação de diversos mecanismos de participação (Roberts, 2013, p.43).

A descrença no sistema político é frequentemente referida na literatura, verificando-se progressivamente uma participação mais reduzida dos cidadãos nos processos democráticos formais. Mas apesar deste desligamento dos processos democráticos formais, os cidadãos são cada vez mais exigentes e críticos relativamente aos serviços públicos, com cada vez maiores capacidades de participação cívica e de influência sobre as políticas públicas (Fonseca, 2003, p.311).

Mozzicafreddo (2003, p.2) identifica três dimensões de responsabilidade nas organizações públicas:

 A responsabilidade organizacional, do sistema administrativo e respetiva prestação de contas;

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9  A responsabilidade institucional e normativa, traduzida na responsabilidade

política e administrativa face aos direitos dos cidadãos;

 A dimensão contratual das responsabilidades políticas, tendo em conta a crescente complexidade e incerteza do contexto decisório político.

Para o autor, a prestação de contas (accountability) e a regulação, embora sendo responsabilidades fundamentais, não são suficientes para garantir a satisfação do interesse público, sendo imprescindível uma dimensão contratual da responsabilidade dos políticos. A cidadania e a ética são os elos de ligação entre as três dimensões de responsabilidade, havendo necessidade de abertura da Administração Pública e de criação de estruturas de inserção dos cidadãos, através da construção de espaços de participação ativa (Mozzicafreddo, 2003, p.2).

1.1.3 O modelo evolucionário de Vigoda

Partindo do pressuposto de que existe um contínuo evolucionário na forma como o Estado e os cidadãos vão interagindo, Vigoda (2002) propõe um modelo que sistematiza essa evolução, desde a génese (geração antiga) até às gerações futuras. Reconhecendo-se a necessidade da participação da sociedade civil na definição das políticas públicas, o Estado e o cidadão vão progressivamente tomando o papel de parceiros, estabelecendo uma relação de colaboração, sendo esta a base dos modelos de Governança.

Neste modelo, nas primeiras gerações, a relação entre o Estado e o cidadão era de coercividade, sendo o cidadão visto como sujeito. Com a instauração do Estado Social e da Burocracia, o cidadão eleitor delega na Administração Pública a responsabilidade de administrador. Com a introdução dos modelos da gestão privada através da Nova Gestão Pública, surge o conceito de cidadão-cliente e do Estado-gestor, estabelecendo entre si uma relação de responsividade (melhoria contínua da qualidade do serviço prestado ao cliente) (Vigoda, 2002, p.531). Projetando este contínuo da interação entre Administração Pública e cidadãos no futuro, nas próximas gerações os papéis iniciais seriam invertidos, passando os cidadãos a ser os donos do Estado, mantendo para com o Estado uma relação de coercividade (Vigoda, 2002, p.531) (veja-se a figura 1).

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10 Geração Antiga Geração Futura

Cidadãos Sujeito Eleitor Cliente Parceiro Cidadão Dono

Governo e Administração

Pública

Regulador Administrador Gestor Parceiro Sujeito

Tipos de interação

Coercividade Delegação Responsividade Colaboração Coercividade do cidadão

Figura 1 - Contínuo evolucionário da interação Administração Pública – Cidadão. Fonte: autoria própria, baseado em Vigoda (2002, p.531).

Na relação entre o Estado e o cidadão, há que fazer a distinção entre o cidadão-cliente e o cidadão-cidadão, que diferem no tipo de relação. O conceito de cidadão é mais abrangente do que o de cliente, por englobar uma dimensão individual e uma dimensão coletiva que o segundo não engloba (Mozzicafreddo, 2001, p.148).

Segundo Vigoda (2002), no momento atual vive-se uma tensão entre a responsividade (introduzida pela Nova Gestão Pública) e a colaboração (base em que assenta o modelo da Governança). A Nova Gestão Pública tem colocado a tónica na melhoria dos serviços em função do cidadão-cliente, numa lógica de melhor ajustamento das respostas às necessidades deste. Esta interação baseada na responsividade é unidirecional, tendo por base a passividade do cidadão e, como consequência, a diminuição da vontade de partilhar, participar ou colaborar (pp.527-528).

Já a colaboração, centrada no cidadão-cidadão (que inclui os vários papéis, de sujeito, eleitor, cliente, parceiro e, no extremo, de “dono”) implica um valor moral mais genuíno, sendo

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11 bilateral, centrando-se na cooperação e implicando uma relação de igualdade. É nos princípios da colaboração e da participação que se centra o modelo da Governança. No entanto, cooperação e responsividade não são mutuamente exclusivas, devendo ser conjugadas. Elas traduzem um continuum, em que a colaboração contém a responsividade, mas vai mais além, envolvendo também a participação (Vigoda, 2002, p.531).

1.1.4 Administração Pública e participação

A participação surge intimamente ligada à legitimidade dos sistemas políticos. Inclui a participação direta dos cidadãos na tomada de decisão coletiva, mas também a competição pacífica pelo poder. Para além de legitimar a ação dos políticos e dos governantes, contribui ainda para a realização do cidadão na comunidade política em que se insere (Martins, 2010, pp.103-104).

Numa ótica de responsabilidade e de legitimação da sua ação, cabe aos governos e aos políticos a função de promover a abertura da administração pública e do espaço político à cidadania ativa. Tal abertura realiza-se através da criação de estruturas que permitam a escuta ativa do cidadão e a sua efetiva participação, nomeadamente na discussão e avaliação das políticas públicas, bem como promover nos serviços públicos a ideia de que a participação dos cidadãos pode ser um contributo importante para a melhoria contínua dos serviços (Mozzicafreddo, 2001, p.152). Não é, no entanto, de descurar a importância da qualidade da participação civil. Quanto mais forte for a sociedade civil, mais efetiva é a Governança Democrática, sendo que diferentes contextos sociais determinam diferenças nas estruturas e nos processos de governação (Putnam, 1993, pp.181-182).

1.1.5 Instrumentos de Decisão Participada

A promoção de mecanismos de governação participada tem sido uma prática crescente nos países ocidentais nos últimos 20 anos. Os mecanismos de decisão participada são definidos como arranjos institucionais que permitem o enquadramento dos cidadãos no processo político, podendo incidir sobre processos de decisão relativamente à distribuição de recursos, sobre o

(26)

12 desenho das políticas públicas ou ainda sobre a avaliação dos gastos públicos (Speer, 2012, p.2379).

Irving e Stansbury (2004, p.56) apresentam uma reflexão sobre os custos e benefícios da participação direta dos cidadãos na tomada de decisão. Segundo estes autores, os processos de decisão participada têm vantagens para ambas as partes (cidadãos e governantes) na medida em que permitem a troca de experiências e perspetivas e a aprendizagem. Promovem a quebra de barreiras e são conseguidos melhores resultados, havendo melhoria nas políticas e nas decisões de implementação. Os cidadãos têm oportunidade de persuadir e influenciar, ganhando controlo sobre o processo político. O governo consegue persuadir os cidadãos, conquistar a sua confiança e dirimir ansiedades e hostilidades, construindo alianças estratégicas. Reduz, assim, custos de litigação e ganha legitimidade nas decisões.

Todos estes ganhos ocorrem se o processo correr bem e ambas as partes saírem a ganhar. As decisões participadas são, contudo, mais morosas e implicam um maior custo, diminuindo os recursos disponíveis para a concretização dos projetos que fazem parte do programa eleitoral. O processo pode despoletar conflitos e criar hostilidades em relação ao governo. Este tem menor controlo no processo de tomada de decisão, sendo possível serem tomadas más decisões, com custos políticos para o governo. As decisões tomadas podem não ser implementadas ou mesmo ser ignoradas, tornando inútil o esforço (Irving e Stansbury, 2004, p.58).

Speer (2012, p.2381), fazendo uma sistematização da literatura sobre governação participada, identifica quatro abordagens teóricas distintas:

1. a abordagem da descentralização democrática, que vê a governação participada como forma de aumentar a legitimidade do governo, tendo como finalidade melhorar a governabilidade dos serviços públicos, promovendo a responsividade e a accountability;

2. a abordagem da democracia deliberativa, para quem a governação participada é uma forma de agregar preferências, tornando as decisões mais democráticas e promovendo a deliberação e também a contestação;

3. a abordagem do empowerment, que considera que a governação participada dá a possibilidade aos menos influentes e mais desfavorecidos de poderem participar e interferir nas decisões, permitindo ultrapassar condições estruturais para o subdesenvolvimento, promovendo a capacitação;

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13 4. a abordagem do autogoverno, que entende a governação participada como uma forma flexível de tomada de decisão coletiva que conduz a soluções ajustadas na provisão dos serviços públicos, permitindo a adaptabilidade das soluções encontradas e a resiliência e durabilidade das mesmas.

Os motivos para a implementação de mecanismos de governação participada mais frequentemente apontados na literatura são os seguintes (Speer, 2012, p.2379):

 A melhoria dos serviços;  O empowerment dos cidadãos;

 A melhoria da qualidade da democracia;  A responsividade;

 A accountability;

 O encontro entre servidores e beneficiários dos serviços públicos;  A promoção da cidadania.

1.1.6 O Orçamento Participativo enquanto instrumento de decisão participada

O Orçamento Participativo foi realçado pelo Banco Mundial e pela Organização das Nações Unidas como um instrumento de governação participada inovador (Banco Mundial, 2003, p.124; ONU, 2006, p.80). É um instrumento de decisão participada criado inicialmente no Brasil, na Cidade de Porto Alegre, em 1989, e que foi depois reproduzido em outras cidades (Santos, 2003, p.377).

Trata-se de uma “iniciativa urbana orientada para a redistribuição dos recursos da cidade a favor dos grupos sociais mais vulneráveis através da democracia participativa” (Santos, 2003, p.377). Tem como objetivo principal o estabelecimento de um mecanismo sustentado de gestão conjunta dos recursos do município, através, por um lado, do recurso a processos de decisão partilhada relativamente à distribuição dos recursos orçamentais do município, e, por outro, da responsabilização dos governantes relativamente à implementação e execução das decisões (Santos, 2003, p.389).

Recorrendo às assembleias comunitárias e a reuniões preparatórias e intermédias com a comunidade, o orçamento participativo consiste na hierarquização de prioridades orçamentais, por áreas de intervenção e por territórios, obedecendo a um conjunto de regras e critérios

(28)

pré-14 definidos, com a finalidade de estabelecer o conjunto de ações consideradas pela população como prioritárias (Santos, 2003, pp.389-390).

O processo é coorganizado entre a sociedade civil e o município. Para o efeito, há diversas estruturas administrativas do município envolvidas no orçamento participativo que fazem a ligação com a população e colaboram na organização e estruturação do processo. Não participam, contudo, na tomada de decisão (Santos, 2003, p.388).

Cabe ao executivo municipal definir qual o montante orçamental disponível, deduzindo as despesas e encargos fixos. A identificação das necessidades é efetuada nas assembleias comunitárias abertas à participação individual de qualquer habitante da cidade e também aos representantes de grupos organizados da população civil. A hierarquização das áreas e ações, bem como a votação final, são efetuadas pelo Conselho do Orçamento Participativo, que é composto por conselheiros das várias regiões, eleitos nas assembleias comunitárias, e por delegados dos sindicatos dos trabalhadores e da união das associações de moradores. Fazem também parte deste conselho dois elementos da estrutura camarária (um da área do planeamento e outro das relações com a comunidade), mas que não têm poder de voto (Santos, 2003, pp.397-399).

O orçamento final, aprovado pelo Conselho do Orçamento Participativo, pode ser vetado pelo Prefeito desde que fundamentado com questões técnicas ou orçamentais (o que não acontece habitualmente, uma vez que estas questões já foram devidamente ultrapassadas nas instâncias anteriores). Em caso de veto, retorna novamente ao Conselho para revisão. A versão final do orçamento participativo é levada à Assembleia Municipal para legitimação (Santos, 2003, p.447).

O orçamento participativo adotado em Porto Alegre obedece, assim, a um processo complexo de procura de consensos para a tomada de decisão, estando envolvidas matérias políticas, técnicas e orçamentais, matérias essas que muitas vezes conflituam entre si, tratando-se de um processo político muito dinâmico que tem conduzido a um aprofundamento da cultura participativa (Santos, 2003, pp 453).

O modelo do orçamento participativo aqui exposto é o modelo original, criado em 1989 em Porto Alegre, no Brasil, num contexto social e político específico. Este instrumento tem, entretanto, vindo a ser adotado em diferentes países, nomeadamente em Portugal, a nível local,

(29)

15 com múltiplos ajustamentos e adaptações do instrumento por parte dos diferentes municípios que o implementaram.

1.2 Cultura Cívica

1.2.1 Evolução do conceito de Cultura Cívica

1.2.1.1 O modelo de Almond e Verba (1972)

O conceito de Cultura Cívica foi desenvolvido por Almond e Verba, em 19631, com base num

estudo da cultura política de cinco países (Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Itália e México). Os autores desenvolveram um modelo conceptual próprio que tem servido de base para diversos estudos e investigações (Dalton e Welzel, 2014, p.29).

O estudo de Almond e Verba foi desenvolvido logo após a Segunda Guerra Mundial, surgindo na sequência do colapso das democracias da Alemanha e da Itália, subvertidas em “manias destrutivas participantes”, e ainda na instabilidade da Terceira República Francesa (Almond e Verba, 1989, p.16), passando a estabilidade das democracias e sua relação com a cultura política a ser temas de particular relevância para a investigação.

Para a construção do seu modelo, os autores foram buscar contributos de diversas áreas do saber, nomeadamente da sociologia, da psicologia social e da psicoantropologia, adotando conceitos como o de cultura, de socialização, de aculturação e acomodação, ou ainda os conceitos de atitudes e orientações, mas aplicando-os e adaptando-os em relação ao sistema político (Almond e Verba, 1989, pp.16-17).

O conceito de cultura é utilizado como orientação psicológica para os objetos sociais. As pessoas são induzidas para uma dada cultura política do mesmo modo que são socializadas pelos pais e sistemas sociais não políticos, no que se pode designar de socialização política. Através dos processos de aculturação política manifestam resistência, fusão ou incorporação da cultura política (Almond e Verba, 1989, pp.6-17).

1Embora o estudo inicial tenha sido realizado em 1963, neste trabalho foi utilizada uma edição do mesmo estudo

publicada em 1972, pela Princeton University Press, pelo que se optou por identificar a obra como Almond & Verba (1972).

(30)

16

1.2.1.2 Atitudes ou orientações

O sistema político é internalizado pelo indivíduo que passa a ter cognições, sentimentos e avaliações em relação àquele. Assim, o termo “cultura política” engloba as orientações políticas (que traduzem as atitudes em relação ao sistema político e às suas várias partes) e também as atitudes em relação ao papel do próprio no sistema. São distinguidos três tipos de orientação (Almond e Verba, 1972, pp.14-15):

• A orientação cognitiva – que engloba os conhecimentos e as crenças sobre o sistema político, os seus papéis e as incumbências desses papéis, os seus inputs e os seus outputs; • A orientação afetiva – que engloba os sentimentos sobre o sistema político, seus atores

e respetivo desempenho;

• A orientação avaliativa – que traduz o julgamento e opiniões sobre os objetos políticos, que habitualmente envolvem a combinação de valores, informação e sentimentos.

1.2.1.3 Componentes do sistema político

Os autores distinguem três componentes do sistema político: os papéis ou estruturas específicas como corpos legislativos, executivos ou burocráticos; os atores que estão incumbidos dos papéis como legisladores ou administradores específicos; e as políticas públicas, decisões ou esforços de decisão concretos (Almond e Verba, 1972, p.15).

As estruturas, incumbências e decisões podem ainda ser classificados como inputs, que traduzem o fluxo de conversão das exigências da sociedade através do processo político, ou como outputs, que consistem na aplicação das políticas, habitualmente através da burocracia e dos Tribunais (Almond e Verba, 1972, p.15).

A cultura política, para Almond e Verba (1972, p. 16), é a distribuição particular de padrões de orientação para o objeto político entre os membros de uma nação. Materializa-se na frequência dos diferentes tipos de orientações cognitivas, afetivas e avaliativas dentro de um sistema político, em relação:

(31)

17 • À própria estrutura política – conhecimento que o sujeito tem da sua nação e do sistema político como um todo, os seus sentimentos em relação ao sistema e as suas opiniões e julgamentos sobre o sistema;

• Aos seus inputs – que conhecimento tem das estruturas e dos papéis das várias elites políticas e das propostas que estão envolvidas no fluxo das políticas públicas e quais são os seus sentimentos e opiniões sobre as estruturas, líderes e propostas de políticas; • Aos outputs – que conhecimento tem do fluxo descendente, das forças políticas, suas estruturas, indivíduos e decisões envolvidas no processo e quais os seus sentimentos e avaliações sobre os mesmos;

• Ao próprio como ator político – forma como se vê a si próprio como ator no sistema político, que conhecimento tem dos seus direitos, poderes, obrigações e estratégias para participar ou mesmo influenciar, como se sente sobre as suas capacidades e ainda como formula os seus julgamentos políticos e como formula as suas opiniões (que indicadores utiliza).

1.2.1.4 Tipos de cultura

A partir desta matriz de análise, os autores identificaram três tipos de cultura política (Almond e Verba, 1972, pp.17-19):

• Cultura política paroquial (Parochial culture) – em que as orientações em relação aos quatro elementos (estrutura política como um todo, inputs, outputs e próprio como ator) são próximas de zero. O sistema político tem estruturas difusas, com papéis pouco diferenciados e os cidadãos não esperam nada do sistema político;

• Cultura política subordinada (Subject culture) – em que há uma elevada frequência de orientações para um sistema político diferenciado e para os aspetos de output do sistema, mas as orientações para os objetos de input e para o próprio como ator são próximas de zero;

• Cultura política participante (participant culture) – quando há uma orientação explícita dos membros da sociedade para o sistema como um todo e para os processos administrativo e político, podendo ter uma orientação favorável ou desfavorável em relação aos vários objetos políticos. Tendem a ser orientados para um papel ativo do próprio na política, embora a sua avaliação possa ser de aceitação ou rejeição.

(32)

18 Estes três tipos de cultura política não são mutuamente exclusivos, sendo que a segunda contém a primeira e a terceira contém as outras duas. O mesmo sujeito pode ser ativo na política, mas está também sujeito à lei e à autoridade e é membro de grupos mais difusos (Almond e Verba, 1972, p.20).

Os três tipos de cultura política identificados são puros. Contudo, a cultura política não é homogénea, coexistindo mais do que uma orientação. Assim, os autores identificam três tipos de subculturas mistas (Almond e Verba, 1972, pp.23-26):

• A subcultura paroquial-subordinada – em que uma parte substancial da população rejeita as exigências exclusivas da autoridade difusa e desenvolve um sistema político mais complexo, com estruturas governamentais centrais especializadas;

• A subcultura subordinada-participante – em que uma parte substancial da população adquiriu orientações especializadas para os inputs e um conjunto de auto-orientações, enquanto a restante população continua a ser orientada para uma estrutura governamental centralizada e autoritária e apresenta uma auto-orientação passiva; • A subcultura paroquial-participante – Sistema que oscila entre o autoritarismo e a

democracia.

1.2.1.5 Congruência entre cultura política e sistema político

Pode ou não haver congruência entre a cultura política e a estrutura do sistema político. Quando há congruência, a estrutura do sistema político é a apropriada para a cultura, havendo uma correspondência entre o conhecimento que as pessoas têm da estrutura política e a própria estrutura política e tendendo o afeto e a avaliação da estrutura a serem favoráveis (Almond e Verba, 1972, p.21).

Os autores sugerem que a cultura paroquial é congruente com uma estrutura política tradicional, difusa, enquanto a cultura subordinada é congruente como uma estrutura centralizada autoritária e a cultura participante é coerente com a democracia. Contudo, os sistemas evoluem, gerando-se tensões e conflitos que podem resultar em congruências ou em incongruências (Almond e Verba, 1972, p.21).

(33)

19 Uma mudança consistente de uma cultura subordinada para uma participante envolve a difusão de orientações positivas em relação às estruturas democráticas, a aceitação de normas de obrigação cívica e o desenvolvimento de um sentimento de competência cívica numa parte significativa da população. Estas orientações participantes podem combinar-se com as orientações subordinada ou paroquial, mantendo-se a congruência do sistema; ou podem chocar, o que poderá levar ao fracionamento e ao conflito (Almond e Verba, 1972, p.21). Quando há congruência entre a cultura política e o sistema político, há uma fidelidade ao sistema. Se a congruência é fraca, há apatia e indiferença em relação ao sistema e a incongruência tende a gerar alienação, com afetos e avaliações negativos em relação ao sistema (veja-se a figura 2) (Almond e Verba, 1972, p.22).

Fidelização Apatia Alienação Orientação Cognitiva + + + Orientação Afetiva + 0 - Orientação Avaliativa + 0 - Congruência Forte Congruência Fraca Incongruência

Figura 2- Congruência entre cultura política e estrutura. Fonte: Almond e Verba, 1972, p.22.

(Legenda: + = elevada frequência de conhecimento, sentimento positivo ou avaliação positiva; 0 = elevada frequência de indiferença; - = elevada frequência de sentimentos ou avaliações negativas).

As culturas políticas dos vários grupos de uma nação podem ser comparadas e distinguidas de acordo com a sua coerência interna. As informações, crenças, sentimentos e julgamentos morais estão interrelacionados. Havendo coerência, ao analisar as atitudes de uma dada população em relação a uma dada política pode ser possível predizer a atitude em relação a outra. Pode, no entanto, haver incoerência e, nesse caso, as atitudes podem ser independentes (Almond e Verba, 1989, p.18).

1.2.1.6 A Cultura Cívica

A Cultura Cívica traduz um padrão ideal de distribuição da cultura política que é o propício para a sustentação de uma democracia e para o seu florescimento (Dalton e Welzel, 2014, p.30).

(34)

20 Para Almond e Verba (1972, p.31) a Cultura Cívica é uma cultura política participante e em que a cultura política e a estrutura política são congruentes.

Na crítica que formulam relativamente ao modelo de Almond e Verba (1972), Dalton e Welzel (2014, p.32) defendem que, na Cultura Cívica, os indivíduos obedecem à lei e respeitam a autoridade política legítima. Mesmo como cidadãos participantes, têm consciência do seu papel limitado nas democracias representativas que se focalizam nos eleitos e nos detentores de cargos públicos. Assim, a participação e o envolvimento direto na formulação e na implementação das políticas não traduzem o comportamento típico ou mais frequente, podendo ser apenas potencial.

A orientação política participante combina-se com as orientações paroquial e subordinada, mas não as substitui. Estabelece-se um equilíbrio ótimo entre a passividade e a apatia (orientação paroquial), o respeito pelas regras e pela autoridade (orientação subordinada) e a participação efetiva (orientação participante), que se traduz principalmente na confiança nas instituições e atores políticos. É este equilíbrio que sustenta a democracia (Almond e Verba, 1972, pp.31-32). Uma democracia estável e bem-sucedida requer que o público tenha valores democráticos e afetos positivos em relação às estruturas e atores políticos, de modo a suportar o processo democrático, assente na confiança nos eleitos. Assim, nas democracias mais desenvolvidas, a maioria tem orientação participante, uma parte substancial da população tem orientação subordinada e um pequeno grupo tem orientação paroquial. Esta distribuição permite suficiente atividade política e competição entre partidos, um número representativo de votos e audiências atentas ao debate político (Almond e Verba, 1972, p.32).

Nas democracias menos desenvolvidas, em que a consciência política é menor, há um divórcio entre a política e a vida dos indivíduos, criando-se uma cultura paroquial. Uma sociedade que é simultaneamente moderna e tradicional, como acontece em muitas democracias em desenvolvimento, provavelmente tem uma cultura paroquial-subordinada. Nestas democracias menos desenvolvidas, a orientação participante é menos frequente (Almond e Verba, 1972, p.35).

(35)

21 1.2.1.7 Importância da socialização e das experiências políticas

A Cultura Cívica de Almond e Verba (1972) foi um dos primeiros estudos a evidenciar a importância das experiências e da socialização política dos adultos e a demonstrar a relativa fraqueza da socialização na infância. Segundo os autores, para a formação de uma Cultura Cívica são fundamentais as experiências democráticas e o processo de socialização política dos adultos, que difere da socialização da infância, centrada em valores de sobrevivência. As crenças, sentimentos e valores influenciam o comportamento político, sendo este o produto das experiências e da socialização políticas na idade adulta (Almond e Verba, 1972, p.34).

1.2.2 Novas linhas de investigação em Cultura Cívica

1.2.2.1 Cultura Cívica e desenvolvimento socioeconómico

Várias outras investigações identificaram uma relação entre a democratização e a modernização socioeconómica, apontando o desenvolvimento socioeconómico como um requisito imprescindível para a transformação da sociedade e a sua cultura no sentido democrático (Dalton e Welzel, 2014, p.32).

Inspirado no conceito de desenvolvimento humano desenvolvido por Amartya Sen2, Welzel (2013, pp.27-28) analisou a relação entre Cultura Cívica e desenvolvimento socioeconómico, relacionando a liberdade com o desenvolvimento e a pobreza com a privação da liberdade. Nesta perspetiva, quanto maior o desenvolvimento de um país, maior a liberdade de escolha dos cidadãos e maior o potencial para poderem exercer a sua cidadania.

1.2.2.2 Modernização e emergência de valores pós-materialistas

O modelo de Almond e Verba (1972, pp.37-40) foi desenvolvido no rescaldo da II Guerra Mundial, tendo partido da comparação de três tipos de democracias: duas democracias consideradas como já estabelecidas e consolidadas (Estados Unidos da América e Reino Unido), duas democracias que passaram por processos regressivos complexos e que estavam, à

(36)

22 data do estudo, em fase de reorganização (Alemanha e Itália) e uma democracia em processo de formação, ainda em transição de um regime totalitário (México).

Desde este estudo inicial, ocorreram várias transformações históricas, como a unificação da Alemanha e a queda dos grandes blocos socialistas como a União Soviética ou a Jugoslávia. Simultaneamente têm sido desenvolvidos sistemas cada vez mais sofisticados de recolha e sistematização de dados sobre valores e crenças a nível mundial, como a comunidade científica internacional World Values Survey (WVS), que vieram facilitar os estudos comparativos mais recentes (Dalton e Welzel, 2014, p.29).

Os próprios autores do estudo inicial, na revisão que fizeram, identificaram mudanças nos padrões de cultura dos cinco países observados. Confirmam, assim, a importância da socialização política na formação da Cultura Cívica (Dalton e Welzel, 2014, p.36).

Inglehart, inspirado nas teorias da modernização, explicou a emergência de valores pós-materialistas como sendo consequência da segurança existencial e da mobilização cognitiva que surgiram nas gerações pós-guerra, nas democracias ocidentais (Inglehart citado por Dalton e Welzel, 2014, p.37). O autor defende a cultura política como fator determinante do comportamento político, mais do que os fatores socioeconómicos por si só. As sociedades caraterizam-se por um conjunto relativamente estável de atitudes políticas que têm consequências políticas importantes para a viabilidade das instituições democráticas (Inglehart citado por Martins, 2010, p.75).

1.2.2.3 Mudança cultural e desenvolvimento humano

Analisando o impacto do desenvolvimento socioeconómico nas mudanças culturais, Inglehart e Welzel (2005a, p.30) identificam duas fases distintas em que as mudanças de cultura operam. A industrialização dá lugar a um grande processo de mudança cultural, trazendo a burocratização e a secularização. A chegada da era pós-industrial conduz a um segundo grande processo de mudança, no qual, em vez da racionalização, da centralização e da burocratização, a ênfase é colocada na autonomia individual e em valores de autoexpressão.

Para estes autores, a cultura não é determinada apenas pela cognição e pelas escolhas racionais, mas pela exposição a diferentes condições existenciais. Defendem um contínuo evolutivo entre

(37)

23 a era pré-industrial e a pós-industrial no qual as pessoas foram adotando os valores que melhor encaixavam numa determinada condição existencial (Inglehart e Welzel, 2005a, p.30):

• Na era pré-industrial, o indivíduo tem reduzido controlo sobre a natureza, apelando ao metafísico. O indivíduo procura a sobrevivência e a educação centra-se nas elites; • Com a industrialização, aumenta o controlo do indivíduo sobre o mundo, ordenado por

regras, pela disciplina e pela ordem, dando-se a secularização da autoridade. O indivíduo procura uma melhor condição económica e a educação passa a ser universal; • No estádio pós-industrial, dá-se a emancipação do cidadão em relação à autoridade. As

condições existenciais são mais favoráveis, com maior segurança económica, maior autonomia intelectual e maior independência social. O indivíduo passa a ter um nível de segurança existencial suficiente para, através da mobilização cognitiva, poder assumir a sua sobrevivência como garantida e priorizar a autonomia, a escolha individual e a autoexpressão.

A emergência dos valores de autoexpressão traduz um processo, não apenas de modernização, mas de desenvolvimento humano, dando lugar a uma sociedade mais humanista, que promove a emancipação em muitas frentes, como os direitos humanos em geral ou a igualdade de direitos para mulheres, deficientes e para as diferentes orientações sexuais (Inglehart e Welzel, 2005b, p.102).

O desenvolvimento socioeconómico, o florescimento de valores emancipativos e a democracia efetiva operam em conjunto para promover a autodeterminação dentro das sociedades (Welzel, Inglehart e Klingemann, 2003).

Welzel, Inglehart e Klingemann (2003, p.346) propõem assim uma teoria do desenvolvimento humano assente em três componentes que dão ao indivíduo mais meios, motivações mais fortes e garantias efetivas para que possa fazer uso do seu potencial individual.

 O desenvolvimento socioeconómico (dimensão económica: recursos individuais – meios), que inclui um conjunto de processos que aumentam a complexidade e multiplicidade das interações sociais e que tendem a promover a emancipação, enfraquecendo as relações de autoridade e reforçando as relações horizontais;

(38)

24  A segunda componente é a mudança cultural emancipativa (dimensão cultural: valores emancipativos - motivação), que direciona as orientações subjetivas para a escolha humana;

 A democracia (dimensão institucional: direitos efetivos – garantias) é a terceira componente, que institucionaliza os direitos e garantias das escolhas na atividade pública e privada, devendo distinguir-se a democracia formal, que traduz os direitos formais, da democracia efetiva, que promove o direito à escolha, promovendo oportunidades reais para o desenvolvimento do indivíduo.

Figura 3 – Síntese do modelo de Welzel, Inglehart e Klingemann (2003). Fonte: autoria própria, com base em Welzel, Inglehart e Klingemann (2003, pp.345-346).

Esta abordagem foi expandida por Welzel (2013), que propõe a ideia do desenvolvimento como empowerment do indivíduo para o exercício da liberdade, identificando a democracia liberal como a componente formal deste empowerment, que garante os direitos das pessoas e lhes permite exercer a sua liberdade pessoal (dimensão institucional). Contudo, para que a democracia liberal se torne efetiva, é necessário que o cidadão comum tenha adquirido os recursos que o tornam capaz de praticar a liberdade (dimensão económica) e, ainda, que tenha internalizado os valores que o fazem ter vontade de praticar a liberdade (dimensão cultural) (Welzel, 2014, p.34). Dimensão económica Desenvolvimento socioeconómico (meios) Dimensão institucional Democracia efetiva (garantias) Dimensão cultural Valores emancipativos e auto-expressivos (motivação)

(39)

25 1.2.2.4 Valores emancipativos e autoexpressivos

Partindo dos dados recolhidos no World Values Survey, Inglehart e Baker (2001, p.18) identificaram duas dimensões em relação às quais as culturas políticas dos vários países estudados variavam e que lhes permitiram construir os mapas de cultura (que podem ser consultados em http://www.worldvaluessurvey.org):

 valores tradicionais vs. valores seculares – nos valores tradicionais há uma maior ênfase na religião, na obediência, no respeito pela autoridade, no orgulho nacional, enquanto os valores seculares enfatizam o oposto;

 valores de sobrevivência vs. valores autoexpressivos – nos valores de sobrevivência há uma maior ênfase na segurança económica e física, havendo desconfiança em relação ao outro, sentimentos de felicidade diminuídos e reduzida tolerância em relação à diferença, enquanto os valores autoexpressivos enfatizam o oposto.

Numa replicação do estudo de Inglehart e Baker (2001) relativamente aos valores autoexpressivos, Welzel, Inglehart e Klingemann (2003, p.18) encontraram correlações fortes em seis valores, que designaram de valores emancipativos: tolerância em relação à diversidade humana; inclinação para o protesto cívico; aspirações de liberdade; confiança nas pessoas; elevada satisfação com a vida; baixa religiosidade.

Num outro estudo, Inglehart e Welzel (2003, pp.64-65) identificam cinco atitudes/comportamentos que traduzem os valores autoexpressivos: a tolerância em relação à diversidade; a autoexpressão pública; a liberdade e participação; a confiança interpessoal e a satisfação com a vida. Os autores definem os valores autoexpressivos como síndroma das atitudes de massa que assentam sobre uma dimensão comum, refletindo a enfâse na liberdade, na tolerância em relação à diversidade e na participação.

1.2.2.5 Da Cultura Cívica à Cultura Cívica Assertiva

Dalton e Welzel (2014, p.38) procuraram expandir o modelo inicial de Almond e Verba (1972), introduzindo a ideia da Cultura Cívica Assertiva assente em valores emancipativos e de autoexpressão, que vai para além da Cultura Cívica defendida no modelo inicial.

(40)

26 O modelo de Almond e Verba (1972) centrava-se num modelo de participação limitado à lealdade e à confiança no sistema político e nos eleitos, associado aos conceitos de democracia representativa. Contudo, os dados recolhidos ao longo dos últimos anos evidenciam a orientação assertiva como prevalente nas democracias estabelecidas, havendo também evidência da sua emergência nos países em desenvolvimento (Dalton e Welzel, 2014, p.30). A Cultura Cívica Assertiva encoraja as pessoas a serem críticas e a dar voz às suas participações partilhadas, traduzindo os valores emancipativos de Welzel (2013). Combina uma visão libertária, com ênfase na liberdade individual, com uma visão igualitária, centrada na igualdade de oportunidades, e também com a expressividade, traduzida na “voz” das pessoas. Estas três prioridades da Cultura Cívica Assertiva tornam as pessoas sensíveis aos seus direitos e aos direitos dos outros, fomentam a indignação quando os seus direitos são violados e dão voz à sua indignação através da ação coletiva (Dalton e Welzel, 2014, p.319).

1.3 Governança e Cultura Cívica Assertiva

Embora as linhas de investigação da Cultura Cívica e da Governança tenham seguido trajetos diferentes – estando a primeira integrada no âmbito da Ciência Política e a segunda no âmbito da Ciência da Administração – parece-nos que o conceito da Cultura Cívica Assertiva é inerente ao modelo de Governança, constituindo um dos pilares onde o modelo assenta.

A ideia do cidadão democrático assertivo, envolvido na defesa dos direitos individuais dos cidadãos através da participação direta, que procura influenciar as decisões políticas (Dalton e Welzel, 2014), parece traduzir a ideia do cidadão parceiro, que estabelece com o Estado uma relação de colaboração (Vigoda, 2002).

Por sua vez, o modelo evolutivo proposto por Vigoda (2002), que estabelece um contínuo evolutivo na relação entre o Estado e o cidadão, segue uma lógica idêntica ao modelo de desenvolvimento humano proposto por Inglehart e Welzel (2005a) e ao desenvolvimento de valores emancipativos e autoexpressivos sugerido por Inglehart e Welzel (2003). No último estádio proposto por Vigoda (2002), o processo emancipativo estaria plenamente desenvolvido, estando acautelados plenamente os meios e recursos necessários, as estruturas e os valores autoexpressivos, o que poderia corresponder a um último estádio de desenvolvimento humano,

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Tabela 1- Conceitos de Governança. Fonte: adaptado de Pierre e  Peters (2000, pp.15-24) e de Rhodes (2000,  pp.55-61)
Figura  1  -  Contínuo  evolucionário  da  interação  Administração  Pública  –  Cidadão
Figura 2- Congruência entre cultura política e estrutura. Fonte: Almond e Verba, 1972, p.22
Figura 3 – Síntese do modelo de  Welzel, Inglehart e Klingemann (2003). Fonte: autoria própria, com base em  Welzel, Inglehart e Klingemann (2003, pp.345-346)
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Referências

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