• Nenhum resultado encontrado

A dádiva e a comunidade de software livre no ecossistema de DGA

5 RESULTADOS E ANÁLISES

5.4 A DÁDIVA E SUAS INFLUÊNCIAS NO ECOSSISTEMA DE DGA

5.4.1 A dádiva e a comunidade de software livre no ecossistema de DGA

No quadro 28 estão expostas as respostas dos entrevistados cujas entrevistas tinham como objetivo identificar que motivos poderiam explicar ou justificar a relação entre dados abertos, dados governamentais abertos e as comunidades de software livre envolvidas com o tema. Também optou-se por separar as respostas por entrevistado, visando identificar a respectiva atividade deste junto a DGA. Para manter o anonimato dos entrevistados e organizações, eventuais referencias a nomes foram substituídas por XY ou outras siglas. No quadro 28, estão transcritos trechos das respostas dos entrevistados, onde os tópicos alvo das questões foram mencionados.

Quadro 28 – Respostas atores técnica “bola de neve” – relação entre dados abertos/DGA X software livre.

E14 Nossa empresa tem aposta num ecossistema de parceiros. Assim eventualmente utiliza ferramentas de terceiros. Isto acontece com algumas ferramentas de dados abertos.

A empresa julga que dados abertos ainda tem uma pequena demanda e existe uma facilidade para formar parcerias para desenvolver em cima disto. A empresa tem uma série de parceiros, desenvolvendo produtos em código aberto, sobre a nossa plataforma, ou seja, se necessário utilizamos software aberto (livre) em nossas atividades, especialmente quando julgamos que o mercado ainda não comporta um esforço de investimento, caso atualmente de dados abertos. Considera bastante diferentes as demandas (entre diversos países) para dados abertos.

Empresa de software proprietário enfrenta preconceitos quando tentam atuar com dados abertos, em todos os setores, especialmente junto a alguns governos.

Reconheço que este fato nos afasta um pouco deste ambiente.

E15 Disseminador do tema e de qualquer iniciativa que venha a promover mais democratização no acesso a tecnologia e conhecimento.

A grande relação entre software livre e dados abertos, pode ser explicada em grande parte pelas diversas ferramentas já existentes em formato de software livre para atuarem com plataformas de dados abertos, pela grande utilização destes dados com ferramentas padrões da internet, que atualmente estão rodando sobre software livre.

O pessoal do software livre tem alguns grandes incentivos que são a transferência de tecnologia, disseminação do conhecimento, incentivo a colaboração e a inclusão social, estes estão relacionados com dados abertos.

A possibilidade de usar ferramentas livres para fazer um trabalho apenas pelo interesse de colaborar com a sociedade.

O software não precisa estar com o código fechado para gerar um modelo econômico, hoje em dia um software pode ser facilmente copiado (mesmo fechado). O que faz o sucesso de um software é o ambiente (rede) que ele consegue formar, número de usuários e para isto existem diversas estratégias diferentes que podem ser usadas. Uma das estratégias é a formação de comunidades, bastante utilizada no software livre, que faz com que muitas pessoas trabalhem pelo reconhecimento, a partir de suas contribuições com esta comunidade.

Acredito que a relação entre dados abertos e software livre, não impede o desenvolvimento de modelos econômicos com relação a dados abertos.

Quadro 28 – Respostas atores técnica “bola de neve” – relação entre dados abertos/DGA X software livre.

E16 Represento a comunidade XY do estado XY, junto ao comitê estadual de dados abertos, esta tem sido minha atuação com dados abertos, fui a algumas reuniões e eventos.

Os princípios do movimento pelos dados abertos estão fortemente relacionados com outros movimentos que pregam a liberdade do conhecimento, como o software livre, o conteúdo livre, o hardware livre e o acesso livre.

Entendo que esta relação acontece pela proximidade entre estes conceitos com relação à liberdade (acesso a dados) e princípios de compartilhamento dos conhecimentos, necessidade de colaboração para o desenvolvimento de serviços.

O pessoal do software livre está mais acostumado com esta filosofia.

No software livre a recompensa financeira é indireta, porque o cara vai desenvolver uma funcionalidade para atender seus clientes e lucrar com isso, mas também vai contribuir com a comunidade com esse desenvolvimento patrocinado e dessa forma tem bastante reconhecimento técnico e status perante as comunidades.

Vivemos em uma sociedade capitalista... e trabalhamos para ganhar dinheiro para poder viver melhor, ou pelo menos tentar. Mas também podemos trabalhar pelo reconhecimento que bem por agregar conhecimento ao ciclo.

No meu trabalho ajudando pessoas e times a conhecer e utilizar melhor o XY sinto uma *responsabilidade* em ajudar o projeto, devido alguns motivos: é através dele que "coloco comida na mesa", a questão liberdade do software livre atualmente me dá mais segurança, pois se tiver alguma questão de trabalho estranha a respeito do funcionamento do banco eu vou lá, abro os fontes e procuro por indícios do problema, colaboração com comunidades, reconhecimento pelo trabalho comunitário e meritocracia (acho fantástico).

Isso que acabei de citar é um trabalho totalmente voluntário e SEM retorno financeiro... pelo menos direto... porque pelo reconhecimento nas comunidades as pessoas/empresas acabam te conhecendo e te procuram para executar serviços... então existe SIM (e quem disser que não está mentindo) um retorno financeiro indireto. Mas sempre tenho em mente que o objetivo do trabalho voluntário é "ajudar a comunidade e o projeto"... é aquela história que aprendemos desde pequenos que não devemos fazer algo esperando receber algo em troca...

E17 Meu contato com dados abertos é apenas conceitual, sei do que se trata e já presenciei palestras sobre o mesmo, só isto.

Acho que o pessoal do software livre está mais acostumado a batalhar em ambientes desconhecidos, onde não se sabe que resultado esperar, tipo “vamos lá”, vamos trabalhar e depois ver o que da para fazer.

A galera do software livre está mais acostumada com este trabalho tipo “formiguinha”, cada um faz um pouco e com muita colaboração, no final se consegue um resultado legal.

Fonte: Autor do trabalho, conteúdo transcrito das entrevistas.

A primeira análise deve ser realizada com relação à atuação destes profissionais entrevistados junto a dados abertos. Três entrevistados foram explícitos ao mencionar que não atuam tecnicamente junto ao tema. Possuem uma aproximação conceitual com o mesmo, seja participando de eventos ou por se dizerem simpáticos ao tema e as causas relacionadas ao mesmo.

O primeiro entrevistado (E14) atua junto ao tema, pois esta atividade faz parte de suas funções na organização onde trabalha. Reconhece dificuldades para “transitar” junto a DGA, cita que sua organização enfrenta “preconceitos” por parte de diferentes atores. Este ator, a partir do entendimento de sua organização, julga que o mercado de dados

abertos ainda é incipiente, este fato não justifica a demanda de esforços próprios para atuar neste segmento. Desta forma a empresa, embora sendo fornecedora de software proprietário, forma parcerias com desenvolvedores de software livre para atuar em dados abertos.

A afirmação deste entrevistado que sua organização, ainda não visualiza em dados abertos, uma justificativa para investir esforços próprios para o desenvolvimento de soluções, pode oferecer oportunidade para uma reflexão. Esta “falta de interesse” de organizações que atuam com software proprietário, talvez, possa estar abrindo caminho para uma maior presença do software livre junto a dados abertos.

A partir das respostas dos entrevistados (E15, E16 e E17), pode-se identificar nestas algumas características que tornam próximas as características da dádiva, com a forma de atuação dos atores do software livre e até mesmo das comunidades oriundas do software livre, entre estas pode-se citar

Característica da dádiva =>não deve ser realizada por obrigação, quando realizada por obrigação caracteriza-se como uma obediência, portanto não é uma ação intencional. È correspondida nas seguintes repostas

E16 – “proximidade entre estes conceitos com relação à liberdade ... e princípios de

compartilhamento dos conhecimentos, necessidade de colaboração para o

desenvolvimento de serviços”;

E16 – “também podemos trabalhar pelo reconhecimento que bem por agregar

conhecimento ao ciclo”;

Característica da dádiva => pode supor o engajamento de uma coletividade como um todo. È correspondida nas seguintes repostas

E15 – “possibilidade de usar ferramentas livres (sem custo) para fazer um trabalho

apenas pelo interesse de colaborar com a sociedade”;

E16 – “mas também vai contribuir com a comunidade com esse desenvolvimento

patrocinado e dessa forma tem bastante reconhecimento técnico e status perante as comunidades”;

E16 – “abro os fontes e procuro por indícios do problema, colaboração com

comunidades, reconhecimento pelo trabalho comunitário e meritocracia (acho fantástico)”;

E17 – “a galera do software livre está mais acostumada com este trabalho tipo

“formiguinha”, cada um faz um pouco e com muita colaboração, no final se consegue um resultado legal”;

Característica da dádiva => ação não tem o objetivo de receber uma retribuição, embora isto muitas vezes aconteça e esta (retribuição) possa ser até maior que a ação que caracterizou a dádiva. É correspondida nas seguintes repostas

E15 - “O pessoal do software livre tem alguns grandes incentivos que são a transferência de tecnologia, disseminação do conhecimento, incentivo a colaboração e a inclusão social”;

E16 – “isso que acabei de citar é um trabalho totalmente voluntário e SEM retorno

financeiro... pelo menos direto... porque pelo reconhecimento nas comunidades as pessoas/empresas acabam te conhecendo e te procuram para executar serviços... então existe SIM (e quem disser que não está mentindo) um retorno financeiro indireto. Mas sempre tenho em mente que o objetivo do trabalho voluntário é "ajudar a comunidade e o projeto"... é aquela história que aprendemos desde pequenos que não devemos fazer algo esperando receber algo em troca...”;

Característica da dádiva =>quem recebe a dádiva não fica com a obrigação de retribuir esta ação, visto que a mesma foi intencional e não por obrigação ou para fins de reconhecimento moral, ou de outra natureza. É correspondida nas seguintes repostas E17 – “o pessoal do software livre está mais acostumado a batalhar em ambientes

desconhecidos, onde não se sabe que resultado esperar, tipo “vamos lá”, vamos trabalhar e depois ver o que da para fazer”;

A partir das afirmações acima, entende-se ser pertinente a utilização da teoria da dádiva para tentar explicar as relações que se estabelecem entre DGA e a forte atuação de profissionais e ferramentas do software livre neste contexto.

A forma de trabalho das comunidades do software livre rompe de certa forma com a lógica tradicional das teorias, especialmente as clássicas, da Administração. O trabalho nestas comunidades não está atrelado a recompensas imediatas, econômicas ou reguladas por contratos. Segundo Benkler (2002) estas atividades não dependem de mercados, contratos, hierarquias para serem organizadas e produzirem. Seus membros participam de um projeto mesmo sem a existência de um comando e sem a perspectiva de uma recompensa financeira ou contratual.

Para Raymond (1999) os hackers são estimulados a atuarem nas comunidades, pelo interesse do reconhecimento individual, numa comunidade de pares, formadas pelo interesse em determinada ferramenta tecnológica. A função empreendedora dos hackers pode ser motivada pela intangível satisfação de obter reputação entre seus pares. Para Godbout (1998) o trabalho voluntário (ou as trocas na forma de dádiva), é uma das características das sociedades modernas, das sociedades em redes. Talvez o trabalho remunerado não seja suficiente para caracterizar e abranger a heterogeneidade das sociedades atuais.