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Artigo 26.º Entrada em vigor

1.1. A Decisão-Quadro 2009/829/JA

Cumprindo as orientações enunciadas a propósito da criação e desenvolvimento de um Espaço de Liberdade, Segurança e justiça na UE (Conselho de Tampere e Programa de Haia), que elegeu o princípio do reconhecimento mútuo como pilar fundamental da cooperação fundamental, e no âmbito mais lato do movimento legislativo que se lhe seguiu, foi aprovada a

Decisão-Quadro 2009/829/JAI, de 23 de Outubro, relativa à aplicação, entre os Estados-

Membros da União Europeia, do princípio do reconhecimento mútuo às decisões sobre medidas de controlo, em alternativa à prisão preventiva.

Como anteriormente se explicou, o objectivo do Conselho era – e continua a ser – fazer aplicar o princípio do reconhecimento mútuo a todas as decisões susceptíveis de afectar os direitos, liberdade e garantias dos cidadãos da União Europeia contra quem é instaurado um procedimento criminal. Como bem refere PEDRO CAEIRO, “(…) a cooperação deve transcender as

suas formas tradicionais, de maneira a possibilitar uma resposta comum a problemas comum. A união já não é só, como em Maastricht, o ambiente catalisador da cooperação interestadual: passa a ser também um sujeito com responsabilidades e competências político-criminais”.8 Surge agora a oportunidade para nos determos com maior detalhe sobre os objectivos, a razão de ser e as disposições normativas da Decisão-Quadro 200/829/JAI, que, no nosso entendimento, revestem maior relevância e interesse prático.

1.1.1. Objectivos da Decisão-Quadro

Segundo percebemos, a aprovação desta Decisão-Quadro é presidida por três objectivos essenciais.9

Em primeiro lugar, com esta Decisão-Quadro, torna-se claro que também as decisões sobre

medidas de controlo (leia-se, medidas de coacção) são susceptíveis de ser emitidas num determinado Estado-Membro, reconhecidas por outro Estado-Membro e ali fiscalizadas.

8 Cfr. C

AEIRO, Pedro, Cooperação Judiciária na União Europeia, in Direito Penal Económico e Europeu: textos doutrinários, vol. III, Instituto de Direito Penal e Económico Europeu, Faculdade de Direito da Universidade

de Coimbra, pp. 69-81.

9 Diferentes destes serão os objectivos do diploma em si mesmo, que serão objecto de análise infra.

RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE DECISÕES EUROPEIAS QUE APLICAM MEDIDAS DE COAÇÃO

4. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Trata-se, pois, de permitir que um cidadão, sujeito a um processo criminal num Estado- Membro, diferente do da sua residência habitual, possa cumprir medidas de coacção no Estado da sua residência, em função do reconhecimento e supervisão por este das medidas aplicadas pelo Estado-Membro onde corre o processo.10

Este instrumento legislativo europeu fazer parte integrante da execução de política legislativa e criminal de construção e desenvolvimento do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça assente na cooperação internacional e no princípio do reconhecimento mútuo.

A livre circulação de pessoas e bens no seio da União Europeia foi acompanhada pela livre circulação de decisões da justiça. Essa livre circulação é levada a cabo pelo princípio do reconhecimento mútuo.

Neste circunstancialismo, o juiz nacional do EM de execução, não deverá analisar a conformidade da decisão estrangeira com a sua ordem legal, pois, pressupõe-se que tal controle já foi feito pelo EM de emissão, mas sim assegurar unicamente que tal decisão respeita os valores comuns dos EM, erigidos como regras do espaço penal europeu11.

Em segundo lugar, para além da aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às decisões

sobre medidas de coacção alternativas à prisão, como é bom de ver, apareceu aos olhos das instâncias comunitárias uma evidente desigualdade de aplicação do Direito interno de cada um dos Estados-Membros entre um cidadão natural de determinado País, e um cidadão estrangeiro. Senão, vejamos. Tal como resulta claramente do considerando 5 da Decisão- Quadro, e sem necessidade de nos alongarmos mais sobre tal temática, “No que diz respeito à

detenção de pessoas sujeitas a processo penal, existe o risco de tratamento desigual entre residentes e não residentes no Estado onde se realiza o julgamento: o não residente corre o risco de ser sujeito a prisão preventiva enquanto aguarda o julgamento, mesmo quando, em condições análogas, tal não seria o caso do residente. Num espaço europeu comum de justiça sem fronteiras internas, é necessário tomar medidas para garantir que uma pessoa sujeita a processo penal e não residente no Estado onde se realiza o julgamento não seja tratada de maneira diferente de um residente sujeito a processo penal”.

Relativamente a este aspecto acompanhamos de muito perto o entendimento de JORGE COSTA,

para quem “Em todos os Estados Membros da União Europeia a prisão preventiva é,

porventura com diferentes pressupostos, uma das medidas de coacção aplicadas aos suspeitos/arguidos de forma a evitar que, fundamentalmente, fujam à acção da justiça ou que cometam novos crimes, sem prejuízo de, tendo em conta princípios como o da necessidade, adequação e proporcionalidade, poder ser aplicável outra medida, não

10 O fundamento assenta essencialmente na consideração de que se deve proporcionar ao suspeito/arguido a possibilidade de aguardar o desenrolar do processo cumprindo as medidas de coacção inserido no seu meio social, familiar, laboral e cultural habitual, e não em meio que, em princípio, lhe será adverso, como o será o do EM onde não reside habitualmente mas onde cometeu o crime. Cf. COSTA,Jorge, Decisão Quadro 2009/829/JAI, do Conselho, de 23 de Outubro de 2009, relativa à aplicação, entre os Estados-Membros da União Europeia, do princípio do reconhecimento mútuo às decisões sobre medidas de controlo, em alternativa à prisão preventiva, in Julgar, n.º 17, 2012, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 167-193.

11 T

RIUNFANTE, Luís de Lemos, O Juiz nacional, europeu, internacional e o Direito Penal, in Data Venia, Ano 4, n.º 6,

Novembro de 2016, p. 273.

RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE DECISÕES EUROPEIAS QUE APLICAM MEDIDAS DE COAÇÃO

4. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

preventiva da liberdade, desde que não se verifique, nomeadamente, o risco de fuga ou de perturbação da investigação”.12

Em terceiro lugar, e numa estrita perspectiva da protecção dos direitos, liberdade e garantias

dos cidadãos visados com o processo penal13, trata-se de garantir o respeito pelo princípio da presunção de inocência e do direito à liberdade que a todos é reconhecido pela ordem jurídica. Pretende-se, deste modo, contribuir para a reinserção social da pessoa, reforçar o exercício, em liberdade, das obrigações processuais, considerar, numa dimensão real, a presunção de inocência, e, finalmente, garantir o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade (igualdade de tratamento).

1.1.2. Disposições normativas – análise sumária

Passando, agora, para o conteúdo normativo presente neste diploma, importa desde logo dar conta de que este vem regular um importante aspecto, que até agora se mostrava lacunoso, dando cumprimento – repetimo-lo – aos objectivos comunitários anunciados referentes ao incremento da cooperação judiciária internacional.

Artigo 2.º - Objectivos

No artigo 2.º da Decisão-Quadro 2009/829/JAI estabelece-se que os seus objectivos são três, nomeadamente:

1) o reconhecimento de uma decisão sobre medidas de coacção proferida noutro Estado-Membro;

2) a fiscalização das decisões sobre medidas de coacção proferidas noutro Estado- Membro;

3) a entrega de pessoa sujeita a medidas de coacção ao Estado-Membro em que tenham sido emitidas, no caso de incumprimento das obrigações respectivas.

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