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EUROPEIA DE INVESTIGAÇÃO (ENQUANTO AUTORIDADE JUDICIÁRIA DE EMISSÃO E DE EXECUÇÃO) ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL

I. Introdução I Objectivos

2. Decisão Europeia de Investigação – o Interrogatório do Arguido 1 Introdução

Aqui chegados, e feita uma muito breve abordagem teórica ao regime jurídico da Decisão Europeia de Investigação, passemos ao tema do nosso Guia: as regras aplicáveis ao interrogatório de arguidos no âmbito da Decisão Europeia de Investigação, enquanto autoridade judiciária de emissão e de execução. Para o efeito, recorremos às normas do Código de Processo Penal (artigos 140.º a 144.º, do Código de Processo Penal), respeitante às declarações do arguido, como meio de prova, bem como às regras e formalidades processuais que devem presidir o seu interrogatório. Ademais, faremos uma referência das Directivas publicadas no tocante ao reforço dos direitos e garantias de defesa que assistem ao arguido no espaço da União Europeia. Finalmente, focaremos a nossa atenção aos procedimentos a ter em atenção, enquanto autoridade judiciária de emissão (artigos 11.º a 17.º da Lei n.º 88/20017) e de execução (artigos 18.º a 27.º do referido diploma), assim como os meios de impugnação de uma Decisão Europeia de Investigação (artigo 45.º do referido diploma). 2.2. As declarações do Arguido como meio de prova

“Quem cala consente” Será assim?

“A prova, entendida como actividade probatória, é também garantia de realização de

um processo justo, de eliminação de arbítrio, quer enquanto a demonstração da realidade dos factos não há-de procurar-se a qualquer preço, mas apenas por meios lícitos...”21. O artigo 124.º, n.º 1, do Código de Processo Penal define a prova como: “Constituem objecto da prova

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a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;

b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;

c) Ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade; d) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar;

e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor;

f) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele;

g) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias;

h) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem;

i) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis”.

todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”. Optando pela formulação negativa, o Código de Processo Penal

prescreve que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”22, desde que não sejam obtidas por métodos proibidos de prova (artigo 126.º do Código de Processo Penal e artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa).

Nos termos do artigo 60º, do Código de Processo Penal, “Desde o momento em que uma

pessoa adquirir a qualidade de arguido é-lhe assegurado o exercício de direitos e de deveres processuais, sem prejuízo da aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e da efectivação de diligências probatórias, nos termos especificados na lei”. Assim, nos termos do

artigo 61.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o arguido passa a gozar os direitos de:

Ora, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, Correndo

inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, tem que ser obrigatoriamente constituída arguida, através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal, sendo lhe

indicados e explicados os direitos elencados no artigo 61.º do Código de Processo Penal (n.º 2 da disposição legal supra indicada). Caso não sejam cumpridas as formalidades anteriormente expostas, as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova (n.º 5 da disposição supra indicada). Temos, no presente preceito, a primeira limitação quanto a utilização das declarações do arguido como meio de prova.

Com efeito, um dos direitos, acima elencados, que assiste ao arguido, é o direito ao silencio quando instado para se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados. Se, por um lado, o processo penal visa a realização da justiça e a descoberta da verdade material, por outro lado, o processo penal tem como obrigação proteger os direitos fundamentais das pessoas, “in

casu” do arguido, contra a ingerência do Estado na esfera dos cidadãos. Sempre diremos que o

legislador teve, na construção do processo penal, uma tarefa árdua para conciliar finalidades, à primeira vista de percepção contraditória. Nesse compromisso de equilíbrio das finalidades

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fixadas, foi consagrado no nosso processo penal, entre outos princípios, o princípio nemo

tenetur ispsum accusare (direito a não auto-incriminação), protegendo nomeadamente a

dignidade da pessoa e os seus direitos fundamentais, como os direitos à integridade pessoal e à privacidade. Sendo certo que o direito ao silêncio, que assiste ao arguido no processo penal, é a manifestação clara de tal princípio, plasmado no Código de Processo Penal (artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 132.º, n.º 2, 141.º, n.º 4, alínea a), 343.º n.º 1, todos do Código de Processo Penal), a verdade é que o mesmo não encontra previsão expressa na Constituição da República Portuguesa. Tal facto não constituirá, na nossa óptica, qualquer obstáculo, uma vez que, quer a jurisprudência23, quer a doutrina24 defendem que o referido princípio tem natureza constitucional implícita. “Pelo que não acompanhamos a necessidade de alteração da

Constituição da República Portuguesa a incluir a prerrogativa contra a auto-incriminação, como defende Vânia Costa Ramos (…). Na verdade, o princípio tem consagração expressa em diplomas internacionais, como é o caso do artigo 14º do Pacto Internacional dobre Direitos Civis e Políticos, entrando, no nosso ordenamento por via do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa”2526, posição que partilhamos e que sai reforçada com a aprovação da Directiva 2012/13/EU, relativa ao direito de informação em processo penal, no seu artigo n.º 3, n.º 1, alínea c).27

Nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 1/2006, a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre e sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, consubstanciando uma nulidade sanável, a mesma deverá ser arguida nos termos e prazos fixados no artigo 121.º do Código de Processo Penal. No entanto, não deixaremos de salientar que o interrogatório do arguido, nos termos, ora defendidos, é considerado uma diligência legalmente obrigatória. Mais do que um meio de prova, a referida diligência é um direito e uma garantia de defesa do arguido, podendo o mesmo apresentar a sua defesa, apresentando a sua versão dos factos, ou remeter-se ao silêncio. Ora vejamos, de forma esquemática, quais os procedimentos a respeitar no interrogatório do arguido, na fase de inquérito, os direitos que lhe assiste, mas também de que forma as declarações do arguido, resultante de tal diligência, podem constituir um meio de prova.

Nos termos do artigo 140.º, nº 1, do Código de Processo Penal, sempre que o arguido prestar declarações, e ainda que se encontre detido ou preso, deve encontrar-se livre na sua pessoa, não sendo admissível o uso de algemas durante a diligência, salvo se forem necessárias cautelas para prevenir o perigo de fuga ou actos de violência, sendo aplicáveis as regras fixadas para a inquirição de testemunhas (artigo 128.º a 138.º), se em contrário a Lei nada

23Ac. Trib Constitucional 155/2007, Ac. Trib Constitucional 695/95, Ac. Trib. Const. 181/2005, Ac. Trib. Const.

304/2004.

24 Vide “o Direito à não auto-inculpação no processo penal e contra-ordenacional português, Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, Coimbra editora, ano 2009, página 14 e 15; no mesmo sentido Costa Andrade, sobre proibições

de prova, página 125.

25 Joana Boaventura Martins, “Da valoração das declarações do arguido prestadas em fase anterior ao julgamento”, Coimbra Editora, ano 2014, página 36

26PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS , artigo 14.º, n.º 3, alínea g).

27 Directiva 2012/13/UE , Portugal não procedeu ao processo de transposição da Directiva, uma vez que o ordenamento jurídico português já consagrava as normas da Directiva.

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/NIM/?uri=CELEX%3A32012L0013

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7. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

dispuser, e, finalmente, não presta juramento. Fixadas as regras gerais aplicáveis a qualquer tipo de interrogatório, vejamos agora quais as especificidades aplicáveis aos diferentes tipos de interrogatórios previstos no nosso Código de Processo Penal:

Artigo 141.º

Primeiro interrogatório judicial de arguido detido

Artigo 143.º

Primeiro interrogatório não judicial de arguido detido

Artigo 144.º Outros interrogatórios 1 - O arguido detido que não deva ser de

imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção

2 - O interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz, com assistência do Ministério Público e do defensor e estando presente o funcionário de justiça.

3 - O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho, sendo-lhe exigida, se necessário, a exibição de documento oficial bastante de identificação. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das respostas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal. 4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido: a) Dos direitos referidos no n.º 1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário; b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova;

c) Dos motivos da detenção;

d) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; e

e) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;

ficando todas as informações, à excepção das previstas na alínea a), a constar do auto de interrogatório.

5 - Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção. 6 - Durante o interrogatório, o Ministério Público e o defensor, sem prejuízo do direito

1 - O arguido detido que não for interrogado pelo juiz de instrução em acto seguido à detenção é apresentado ao Ministério Público competente na área em que a detenção se tiver operado, podendo este ouvi-lo sumariamente.

2 - O interrogatório obedece, na parte aplicável, às disposições relativas ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

3 - Após o interrogatório sumário, o Ministério Público, se não libertar o detido, providencia para que ele seja presente ao juiz de instrução nos termos dos artigos 141.º e 142.º

4 - Nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, o Ministério Público pode determinar que o detido não comunique com pessoa alguma, salvo o defensor, antes do primeiro interrogatório judicial.

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