• Nenhum resultado encontrado

COACÇÃO ENQUADRAMENTO JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL

I. Introdução I Objetivos

2. Prática e gestão processual 1 Emissão em Portugal

2.3. O incumprimento das medidas e as suas consequências IV Hiperligações e referências bibliográficas

I. Introdução

O desenvolvimento de um tema tão actual quanto a cooperação judiciária europeia requer sempre o detalhe próprio do tratamento de problemas cuja solução nunca poderemos prever, por se encontrar dependente das correntes políticas internas dos Estados e das reacções destas aos problemas suscitados pela inconstante realidade social.

A evolução da humanidade, com as complexas relações sociais, políticas e económicas, fez surgir novos fenómenos, exigindo atenção redobrada do legislador. Não obstante, a prática legislativa não reflectia o espelho da vida pós-moderna. A resposta era sempre esparsa e, muitas vezes, desproporcional e desrazoável. Assim, a política criminal europeia surgiu com o objectivo de equilibrar, por um lado, o respeito pelas liberdades públicas e, por outro, a segurança pública para assegurar aos cidadãos europeus democracia, dignidade e nível elevado de segurança.

RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE DECISÕES EUROPEIAS QUE APLICAM MEDIDAS DE COAÇÃO

2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

No âmbito da administração da justiça penal, atentos os fundamentos do ius puniendi do Estado, poder-se-á dizer que a eficácia do procedimento criminal é a primeira condição a respeitar em prol das finalidades da aplicação de uma pena. Uma justiça ineficaz ou tardia não concorre para a reafirmação da validade das normas violadas nem para a reintegração do delinquente na sociedade. É, assim, nesta ideia de eficácia do procedimento criminal que assentam as necessidades cautelares, de que as medidas de coacção são instrumento. A sociedade actual espera, como de tudo o resto, uma resposta pronta, imediata e bastante. Acresce às dificuldades inerentes da própria configuração das medidas de coacção a dinâmica transfronteiriça existente nos tempos modernos. Ora, face à livre circulação de cidadãos no espaço europeu e ao aumento da criminalidade transfronteiriça, sendo elevado o número de detidos em Estados-Membros diferentes do Estado de residência, impôs-se a criação de medidas para o tratamento igual de residentes e não residentes no processo penal.

Neste sentido, a União Europeia adoptou três decisões-quadro complementares:

1. a Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho, relativa à aplicação do reconhecimento mútuo de sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas da liberdade;

2. a Decisão-Quadro 2008/947/JAI do Conselho, respeitante à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo de sentenças e decisões relativas à liberdade condicional e sanções alternativas; e

3. a Decisão-Quadro 2009/829/JAI do Conselho, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo de decisões sobre medidas de controlo, em alternativa à prisão preventiva.

É relativamente a esta última que debruçaremos a nossa atenção.

As leis internas decorrentes das supra referidas Decisões-Quadro surgiram como instrumento de cooperação judiciária europeia, em matéria penal, que se quis dotado de particular funcionalidade. Tal funcionalidade deriva de uma muito maior rapidez de execução e de uma patente simplificação de procedimentos, em que avultam os contactos directos entre as autoridades judiciárias. A exigência de maior funcionalidade responde a uma diferente conjuntura no espaço europeu, de que se destaca, para o que nos interessa, uma livre circulação, potenciada pelo desaparecimento, como regra, de controlo fronteiriço no espaço Schengen.

Em obediência ao princípio da proporcionalidade e da ultima ratio da prisão preventiva, esta medida, que é a mais gravosa medida de coacção, apenas deve ser aplicada excepcionalmente, quando não seja possível acautelar as suas finalidades processuais através de medida alternativa menos restritiva da liberdade. A aprovação da Decisão-Quadro 2009/829/JAI, relativa ao reconhecimento mútuo das decisões sobre as medidas de controlo, em alternativa à prisão preventiva, atendeu à necessidade de proteger os direitos dos arguidos, garantindo a justiça penal e a protecção da sociedade. De facto, tornou-se possível realizar o controlo

RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE DECISÕES EUROPEIAS QUE APLICAM MEDIDAS DE COAÇÃO

2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

transnacional dos movimentos de determinado arguido que praticou factos susceptíveis de integrarem um crime num Estado diferente do da sua residência habitual.

Assim, e de acordo com o artigo 2.º, parágrafo 1, da referida Decisão-Quadro, esta teve como objectivo promover a utilização, durante o processo penal, de medidas não privativas da liberdade a pessoas que não residam no Estado-Membro em que o processo é realizado, protegendo também a liberdade de circulação de um cidadão e a sua presunção de inocência. Mais significativamente, pretendeu-se assegurar uma redução na aplicação da prisão preventiva a não residentes, simplesmente como consequência desta sua condição, mitigando os efeitos negativos que um processo criminal tem sobre um indivíduo, tornando possível a manutenção da sua estabilidade social, familiar, económica e cultural.

II. Objectivos

O presente trabalho – cuja pertinência se prende, desde logo, com o aumento da circulação de pessoas por toda a União Europeia – tem como escopo proceder a uma análise dogmática da cooperação europeia, do princípio do reconhecimento mútuo entre os Estados Membros e da Decisão-Quadro 2009/829/JAI, do Conselho, bem como a uma abordagem, de pendor mais prático, da Lei n.º 36/2015, de 4 de Maio, que transpôs a referida Decisão-Quadro para a ordem jurídica interna, procedendo-se, neste particular, a uma análise dos meios de emissão, reconhecimento e execução de uma decisão de aplicação de medida de coacção, respectivos requisitos e as dificuldades que o emprego desta lei, ainda pouco aplicada, pode suscitar. É, assim, nosso objectivo que este trabalho traga para a discussão as principais questões que se colocam hoje no âmbito da cooperação judiciária, do reconhecimento mútuo, da harmonização e da tutela dos direitos fundamentais na União Europeia, particularmente no que respeita à articulação entre Estados-Membros para reconhecer e fiscalizar medidas de coacção.

Esperamos ter criado, deste modo, uma útil e facilitadora ferramenta de trabalho, não só destinada a Auditores de Justiça, como também a todos os Magistrados em exercício de funções.

III. Resumo

A livre circulação de pessoas por toda a União Europeia exige uma acção coordenada e coerente a nível europeu, com uma base comum, para articular a eficiência do processo penal na fase anterior à do julgamento. Inexistindo necessidade de aplicar uma medida detentiva nesta fase, impôs-se a articulação de procedimentos entre Estados-Membros, de forma a garantir que os suspeitos fossem sujeitos a julgamento sem que para isso tivessem de aguardar privados da liberdade. Com o presente trabalho pretendemos clarificar a origem do mecanismo do reconhecimento e execução das decisões que apliquem medidas de coacção, a

RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE DECISÕES EUROPEIAS QUE APLICAM MEDIDAS DE COAÇÃO

2. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Decisão-Quadro originadora do referido mecanismo, a lei interna que a transpôs e os meios de emissão e execução dessas decisões.

Torna-se, assim, evidente, a necessidade de impulsionar a criação de boas práticas judiciárias observadas na emissão, reconhecimento e fiscalização de decisões sobre medidas de coacção, promovendo-se uma aplicação convergente e coerente do seu regime, à luz da experiência nacional e comparada no espaço da União Europeia. O interesse no reconhecimento das medidas de coacção, naquele âmbito, é evidente. Permite-se que uma pessoa residente num Estado-Membro, sendo sujeita a um processo penal noutro Estado-Membro, seja supervisionada pelas autoridades do Estado onde reside enquanto aguarda o julgamento. A existência efectiva de alternativa pode reforçar a aptidão das medidas de coacção não privativas da liberdade para evitar os perigos que as ditas medidas visam evitar. Deste modo, poderá contribuir para a diminuição da aplicação da prisão preventiva, em Portugal, a nacionais de outros Estados-Membros, e, bem assim, para a diminuição da aplicação da mesma medida a cidadãos portugueses nesses Estados. Assegurando o controlo dos movimentos do arguido, ficam também reforçadas as garantias de segurança da sociedade em geral.

Este trabalho visa o estudo do tratamento de medidas penais cautelares no espaço europeu de justiça. As duas ideias fundamentais que nos levaram a orientar este estudo são a construção gradual de um espaço europeu de justiça a partir da perspectiva das medidas de coacção, anteriores ao julgamento, e a utilização de medidas alternativas à prisão preventiva como uma opção, mais justa do que aquela, a fim de obter o mesmo objectivo, mas dentro de um regime mais aceitável em termos de restrição dos direitos humanos. Assim, começaremos por abordar a cooperação europeia e o princípio do reconhecimento mútuo, passando à análise da Decisão-Quadro 2009/829/JAI e da Lei n.º 36/2015, de 4 de Maio, onde efectuaremos uma abordagem mais prática, de forma a orientar a articulação entre Estados-Membros no reconhecimento e fiscalização de decisões sobre medidas de coacção.

1. Enquadramento jurídico

Documentos relacionados