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CAPÍTULO 2 AS ASSOCIAÇÕES DE CONSUMIDORES COMO INSTRUMENTOS DE

2.1. A defesa dos direitos coletivos pelas ONGs

Como visto, no contexto retratado no capítulo anterior, surgem entre os diversos tipos de associações aquelas dedicadas à defesa de interesses ou direitos coletivos lato sensu.

Pela configuração coletiva de tais direitos, firmou-se na legislação brasileira a possibilidade de se exercer a sua defesa de forma coletiva, inclusive judicialmente. E na medida em que nossa legislação vem se modernizando, as associações ampliam sua legitimidade legal para agir como importantes atores de conflitos coletivos.

Para a definição do conceito teórico inspirador desta pesquisa, e notadamente da importância das entidades associativas para as ações coletivas, valemo-nos das palavras de Ada Pellegrini Grinover (1993, p. 215-7):

O primeiro e o mais importante detentor, em juízo, da titularidade das ações coletivas é a própria sociedade.

Os interesses metaindividuais não são interesses públicos, nem privados: são interesses sociais. E isso vale não apenas para os interesses difusos e coletivos, mas também quanto aos direitos individuais, coletivamente tratados, por duas razões: a) a relevância social que adquirem, em virtude mesmo de seu tratamento coletivo [...]; b) o fato de que, na sistemática brasileira, a defesa processual dos interesses (ou direitos) individuais homogêneos é feita de forma indivisível no processo de conhecimento, levando a uma sentença condenatória genérica que reconhece a existência do dano geral e fixa o dever de indenizar [...].

Trata-se de interesses de massa, de configuração coletiva, caracterizados por uma conflituosidade, também de massa, que não se coloca no clássico contraste indivíduo versus indivíduo, nem indivíduo versus autoridade, mas que é típica das escolhas políticas.

Por isso afirmava eu, em estudo anterior: “Novos grupos, novas categorias, novas classes de indivíduos, conscientes de sua comunhão de interesses, de suas necessidades e de sua fraqueza individual, unem-se contra as tiranias da nossa

época, que não é mais exclusivamente a tirania dos governantes: a opressão das maiorias, os interesses dos grandes grupos econômicos, a indiferença dos poluidores, a inércia, a incompetência ou a corrupção dos burocratas. E multiplicam-se as associações para a defesa dos direitos civis, as associações de consumidores, de defesa da ecologia, de amigos de bairros, de pequenos investidores.”

“Nesse enfoque, também a pessoa física se insere em contexto diverso, situando-se no grupo social. É evidente que diante de violações de massa, o indivíduo, singularmente lesado, se encontra em situação inadequada para reclamar contra o prejuízo pessoalmente sofrido. As razões óbvias: em primeiro lugar, pode até ignorar seus direitos, por tratar-se de campo novo e praticamente desconhecido; sua pretensão individual pode, ainda, ser por demais limitada; e as custas do processo podem ser desproporcionais a seu prejuízo econômico. Não se pode olvidar, de outro lado, o aspecto psicológico de quem se sente desarmado e em condições de inferioridade perante adversários poderosos, cujas retorsões pode temer; nem se pode deixar de lado a preocupação para com possíveis transações econômicas, inoportunas exatamente na medida em que o conflito é ‘pseudo- individual’, envolvendo interesses de grupo e categorias” (Tutela Jurisdicional, cit., pp. 33 e 34).

Daí porque surgem, como titulares naturais, em juízo, dos interesses metaindividuais, os corpos intermediários, as formações sociais, os entes associativos, privilegiando-se sua legitimidade para a causa.

Grinover vai mais além: vislumbra que a titularidade das ações coletivas por parte de órgãos públicos, inclusive do Ministério Público, é meramente subsidiária. Para a autora, a defesa dos direitos coletivos por órgãos do Poder Público é necessária enquanto a sociedade não se organiza, mas é destinada a retroceder “quando as formações sociais assumirem plenamente seu papel, numa democracia verdadeiramente participativa” (idem, p. 217).

A questão torna-se ainda mais interessante quando se percebe, diante do histórico e do contexto em que surgiram as ONGs (marcado pela ditadura e pela impermeabilidade do Poder Público às influências legalmente legitimadas dos movimentos sociais de base), que os órgãos governamentais não se mostraram, tradicionalmente, como aliados naturais da organizações da sociedade civil. Pelo contrário, em muitos países (entre os quais o Brasil) as ONGs surgiram e se fortaleceram à margem e à revelia do governo, adotando uma nítida postura de oposição ao poder constituído.

Dessa forma, ainda que atualmente já existam canais institucionais a legitimar e favorecer o diálogo entre ONGs e governo é natural que, diferentemente daquelas entidades de cunho assistencialista, as ONGs tenham entre seus objetivos fundamentais cobrar do Estado políticas que favoreçam os interesses sociais que defendem, além de fiscalizar os órgãos estatais a fim de impedir desvios em suas condutas e pressioná-los para que não esqueçam ou menosprezem os interesses coletivos dos cidadãos que ajudaram a eleger os governantes – bem como dos cidadãos que eventualmente não tenham ajudado a eleger os atuais governantes, mas que também têm interesse na defesa dos direitos coletivos reconhecidos constitucionalmente.

Este trabalho se dedica ao estudo do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, uma associação de consumidores que se insere nesse panorama formado pelas ONGs oriundas dos movimentos sociais, dedicadas à defesa de direitos e interesses difusos e coletivos, que têm entre seus métodos e objetivos principais o exercício do controle social do governo – no caso das associações de consumidores, visando à defesa dos seus direitos (hoje consagrados pelo Código de Defesa do Consumidor). A modalidade de atuação examinada é a via judicial, acionada por meio das ações coletivas.

Sobre a importância da legitimação de associações como o Idec para defender coletivamente os direitos dos consumidores contra violações causadas por particulares ou pelo Poder Público, compartilhamos do entendimento de Rodolfo de Camargo Mancuso (1994, p. 26), para quem a legitimação das associações de defesa do consumidor advém da sua própria destinação estatutária, mas também do fato de a Constituição Federal ter instituído uma democracia participativa, onde deve prevalecer o interesse do Estado no sentido de que os cidadãos se organizem para participar da gestão da coisa pública, para promoção da qualidade de vida e para a defesa do bem comum.