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CAPÍTULO 3 O IDEC – INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

3.1. Idec e a defesa dos usuários de serviços públicos

Quanto às duas últimas atividades citadas, constituem foco privilegiado na atuação do Idec as causas relativas aos serviços públicos essenciais como os de fornecimento de telefonia, de energia elétrica e de água e saneamento, além das áreas de alimentos, medicamentos e de planos de saúde, em razão da dimensão dos seus impactos. São assuntos que dizem respeito a todos os consumidores de uma determinada região ou de todo o país, e até mesmo àqueles cidadãos que, por serem pobres e se encontrarem à margem da sociedade de consumo, ainda não podem ser considerados consumidores - pois as ações visam também à inclusão social, como efeito da redução das tarifas e da universalização da prestação dos serviços.

É importante ressaltar, entretanto, que a defesa dos consumidores de serviços públicos essenciais sempre constituiu prioridade para o Idec. Desde que se iniciaram as articulações para fundar a entidade, em meados da década de 1980, era preocupação de Marilena Lazzarini e do grupo que a acompanhava, no Procon-SP, as limitações da

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Para mais detalhes a respeito dos testes realizados pelo Idec e da sua participação nos processos de normatização da qualidade de produtos e serviços, ver Liporace (1996).

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Rios (1998) analisa a atuação do Idec no âmbito judicial através do estudo das 858 ações propostas pela entidade entre 1991 e 1994 (período em que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ainda se encontravam em fase de consolidação), em defesa dos direitos dos consumidores em geral (127 ações civis públicas) e de grupos de associados específicos (731 ações).

capacidade do Estado de regular, com eficiência, as relações de consumo, notadamente quando elas envolviam empresas públicas.

Na época, o serviço de telefonia era prestado, em São Paulo, pela Telesp, e no Rio de Janeiro, pela Telerj (então estatais). O mesmo ocorria no restante do país. Da mesma forma, o fornecimento de energia elétrica cabia às estatais Eletropaulo, na cidade de São Paulo, e Light, no município do Rio de Janeiro, e assim também nos outros estados e cidades.

Ocorre que o Procon era também estatal e, por isso, era natural que sua atuação priorizasse a defesa dos consumidores contra empresas privadas. Assim, seu foco era dirigido à melhoria da qualidade dos produtos e serviços em geral, à garantia da segurança de produtos industrializados e comercializados em larga escala, à ética na publicidade veiculada, à boa-fé nos contratos em geral, à garantia de informação adequada e clara nos rótulos dos produtos, etc. Mas na luta contra os problemas das empresas públicas o trabalho do Procon não obtinha a mesma eficácia.

Contudo, no final da década de 1980, a estatal Telesp já estava entre as campeãs de reclamações do Procon, consistindo em uma demanda propícia para a atuação de uma associação como o Idec, independente e desvinculada de partidos políticos. O problema mais comum, na época, era referente aos planos de expansão: após anos pagando as prestações para obter a instalação de suas linhas telefônicas, o consumidor não tinha a linha instalada.

Após tentativas de dialogar com a direção da empresa, sem sucesso, o Idec lançou a campanha “Telesp, cadê meu telefone?”, levando multidões à sede da empresa, no Centro de São Paulo, e despertando a atenção da imprensa. A empresa viu-se compelida, então, a abrir um canal de diálogo com o Idec e a acelerar a instalação das linhas telefônicas (LÍRIO, 2004). Também no âmbito judicial, uma das primeiras ações do Idec foi contra a Telesp51. O ajuizamento se deu em janeiro de 1990, após a empresa anunciar pela imprensa,

em dezembro de 1989, que os pagamentos das contas telefônicas que vencessem em fins de semana e feriados teriam seus prazos antecipados para o dia anterior. Na ocasião, o juiz de 1ª instância concedeu liminar, determinando que a Telesp aceitasse o pagamento das contas telefônicas em questão no primeiro dia útil subseqüente à data de vencimento. Determinou, ainda, que a empresa providenciasse publicação no sentido da liminar, nos mesmos jornais que divulgaram seus avisos de cobrança antecipada. Além disso, o juiz fixou multa diária de NCz$ 5.000,00 (cinco mil cruzados novos), ou cerca de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), em valores atuais, aplicável caso a liminar fosse descumprida.

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A ordem judicial foi cumprida pela empresa sem que ela tenha apresentado recurso ou defesa, encerrando-se nessa fase o processo. Com isso, foram beneficiados cerca de 2.932.000 (dois milhões e novecentos e trinta e dois mil) consumidores, número de assinantes (pessoas físicas e jurídicas) da empresa na época (RIOS, 1998, p. 111).

No contexto delineado acima, em razão da credibilidade que vem conquistando com seu trabalho e do apoio recebido, desde a sua origem, de juristas e especialistas nas áreas técnicas em que atua, o Idec vem exercendo a representação da voz dos consumidores em diversos órgãos governamentais que disponibilizam instâncias administrativas que permitam a participação de organizações da sociedade civil.

O Idec é um dos três representantes de organizações da sociedade civil no Conselho Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (fundo constituído dos valores pagos em razão de condenações em ações coletivas), do Ministério da Justiça (CALIL e GRZYBOWSKI, 2003). Participa também dos seguintes comitês, fóruns e órgãos governamentais: Comitê do Codex Alimentarius do Brasil; Comitê Brasileiro de Certificação; Conselho do Fundo Federal de Direitos Difusos; CONMETRO – Conselho Nacional de Normalização, Metrologia e Qualidade Industrial; ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas - alguns grupos temáticos; Conselho Consultivo da ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Grupo de Trabalho do CONAMA - EIA para transgênicos; Comitê de Preservativos da ISO - International Standardization Organization; e Câmara de Saúde Suplementar - CSS da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS; entre outros. Além disso, acompanha de forma sistemática as consultas públicas realizadas nas suas áreas de atenção prioritárias, encaminhando críticas e sugestões aos respectivos órgãos reguladores52.

Essa experiência, no entanto, tem se mostrado de eficácia relativa, na medida em que a abertura dos agentes públicos às propostas e interesses da sociedade civil é também relativa, e muitas vezes não corresponde às expectativas geradas pelas diversas normas legais que prevêem expressamente a existência de mecanismos eficientes de participação dos consumidores - os conselhos e audiências públicas da Aneel e Anatel, previstos nas próprias leis que as criaram, são um exemplo. Conforme será abordado no Capítulo 4, a despeito de existir legislação estabelecendo mecanismos de accountability, participação e controle social no âmbito dessas agências, até o presente a sua efetividade tem se mostrado reduzida, devido, entre outros aspectos, ao desequilíbrio presente entre a representatividade dos setores empresariais e os consumidores nos foros de participação social oferecidos pelas agências. De

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maneira geral, estudos anteriores indicam que as agências reguladoras têm dado mais atenção aos interesses das empresas do que aos dos consumidores (PÓ, 2004; OUVIDORIA DA ANATEL, 2003).

Por isso, além das atividades de representação do consumidor internamente aos órgãos públicos, em relação aos órgãos que ainda não oferecem abertura para tanto, ou o fazem de forma deficiente, o Idec trabalha no sentido de pressioná-los para que promovam a accountability necessária ao exercício de um efetivo controle social, pelos consumidores. Um exemplo desse trabalho é o “Ranking de avaliação das agências e órgãos públicos”, realizado pela primeira vez entre 2002 e 2003, ocasião em que se constataram deficiências graves nos mecanismos de accountability das agências pesquisadas (IDEC, 2003), mas que, em sua segunda edição (baseada em avaliação realizada entre 2003 e 2004), constatou melhorias significativas no sentido da promoção de accountability, pelas mesmas agências (IDEC, 2004).

É certo que a atividade de representação extrajudicial promovida pelo Idec já trouxe alguns resultados em termos de políticas públicas relativas à segurança e saúde do consumidor e do meio ambiente (com uma maior fiscalização e controle do governo em relação a determinados produtos), à economia popular (com o controle de preços e tarifas), além da pressão exercida sobre as agências reguladoras para uma maior transparência em suas atividades.53

São atividades de inegável importância, apesar de muitas vezes ocorrerem “nos bastidores”, em meio a pressões de outras forças e interesses, sendo difícil identificar precisamente quando e em que medida as atitudes do governo decorrem de algum trabalho do Idec. Talvez por isso o fato de não se poder identificar, na mídia, as ações do Idec na área de representação extrajudicial, que assim não chegam ao conhecimento público, tal como ocorre com as liminares e ações judiciais, que causam impactos mais imediatos e efeitos específicos mais facilmente verificáveis.

Contudo, uma pesquisa realizada pelo Idec com sete das principais agências (Aneel, Anatel, Anvisa, ANS, Inmetro, Banco Central e Secretaria de Defesa Agropecuária)54

verificou que mesmo os órgãos governamentais que oferecem alguma abertura para a

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A pressão exercida sobre as agências reguladoras através de ações extrajudiciais, embora certamente produza efeitos (por ora difíceis de serem dimensionados) e mereça melhores estudos, não constitui objeto desta pesquisa. Aqui, nos detivemos, especificamente, na análise relativa às ações judiciais de natureza coletiva e seu efeitos sobre as agências reguladoras.

54 A pesquisa foi realizada no âmbito do projeto “Ranking de avaliação das agências e órgãos públicos”, entre

participação dos consumidores apresentam problemas como a falta de transparência, falta de respeito à independência dos representantes dos consumidores, desequilíbrio entre os segmentos representados, assimetria de informações, falta de apoio ao custeio das despesas de participação dos consumidores e falta de capacitação dos representantes dos consumidores e de divulgação da cultura da participação (ligada ao grau de conscientização da população sobre seus direitos, que leva as pessoas a se associarem em ONGs e a fortalecer a atuação destas)55.

Nesse contexto de fragilidade dos mecanismos institucionais de controle social disponibilizados pelo Executivo, o Poder Judiciário mostra-se atraente como uma alternativa para o alcance dos mesmos fins. De fato, o Idec já obteve vitórias significativas na arena judicial, quando os meios administrativos não se mostraram satisfatórios. Tais vitórias incluem a proibição dos alimentos transgênicos no Brasil, a suspensão de aumentos das tarifas de serviços públicos e das mensalidades de planos de saúde, entre outras.

3.2. O papel do Estado e o da sociedade civil na defesa dos