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CAPÍTULO II Da Política de Línguas Estrangeiras à Linguística Aplicada

1. Política de Língua e Planeamento Linguístico

1.2. A definição

Na obra atrás referida de Cooper, é-nos proposto um percurso para a definição deste domínio científico, a começar pelo próprio termo: Planeamento Linguístico.

Assim, segundo este autor, uma das primeiras referências a esta área situa-se em 1950, embora propondo uma denominação diferente: language engineering(Miller, 1950). Não é contudo a única proposta divergente da actual nomenclatura. Pouco depois, surge uma nova denominação: Glottopolitics (Hall Jr., 1951), outra e outra se seguiriam: language development (Noss, 1967), language regulation (Gorman., 1973) e, mais recentemente, language management

(Jernudd & Neustupný, 1986).

Para a literatura da área, o termo Planeamento Linguístico é proposto por Einar Haugen (Einar Haugen, 1959), apesar deste autor referir que Uriel Weinreich havia já proposto este mesmo termo num seminário na Columbia University em 1957 (Einar Haugen, 1965).

A evolução acabou por consagrar o termo Planeamento Linguístico, em inglês Language Planning, assim como Language Policy ou Política de Língua, em Português.

Curiosamente, em Portugal já se afirmou o termo (e a área) de Política de Língua, como, por exemplo, na publicação Uma Política de Língua para o Português (Mateus, 2002). Também esta denominação e a sua problemática foram adoptadas no debate público assinalado na imprensa por diversas ocasiões e em inúmeros registos.

No entanto, é importante assinalar que o termo Planeamento Linguístico e, sobretudo, a diferença e a interacção entre os conceitos de Planeamento e de Política têm sido muito menos evidentes, parecendo mesmo não existir, sobretudo a nível mais alargado, a consciência de que as Políticas se consubstanciam num leque de múltiplas actividades, processos, métodos, agentes, etc. e que o seu Planeamento constitui a prossecução das Políticas.

Uma contribuição excelente, na clarificação destes dois conceitos, e da íntima relação entre os dois, é feita por Djité (1994:64), partindo de uma proposta anterior de Haugen (1983:275). Apresenta-se de seguida, na Fig. 3, o referido quadro de Djité.

Naturalmente, a esta formulação estão subjacentes conceitos organizadores, como os de “Status Planning” ou “Corpus Planing”, um e outro correspondendo às actividades próprias deste domínio científico.

Igualmente, quando atrás acompanhámos Sue Wright na evolução da disciplina e na sua caracterização em três fases distintas, estas actividades constituem realmente a base da direcção da investigação feita neste domínio científico e, muito naturalmente, constituem um objecto facilmente identificável e analisável para chegarmos a uma definição de áreas – ou sub domínios – que são próprias do Planeamento Linguístico e que igualmente o caracterizam.

Regressando a Cooper, após enumerar 12 definições de Planeamento Linguístico propostas por diversos autores, propõe a discussão dessas definições de acordo com a forma como abordam os termos sublinhados da famosa questão: “Who plans what for whom and how?”.

Como é óbvio, trata-se de um questionamento, aliás largamente usado desde então por diversos autores, para definir os objectos e as metodologias próprias do Planeamento Linguístico, de forma a chegar a uma definição que possa abranger a variedade extrema de pesquisas.

A definição proposta por este autor, a 13ª, depois de feita a análise das definições anteriores e das questões que se encontram na investigação corrente, segundo a identificação dos agentes do planeamento, teremos, como temas, o seu objecto, os seus destinatários e os seus processos.

“Language planning refers to deliberate efforts to influence the behaviour of others with respect to the acquisition, structure, or functional allocation of their language codes.” (R. L. Cooper, 1989:45)

No entanto, tão importante como esta definição geral do domínio científico de PLPL, é a proposta de Cooper para uma definição tipológica dos sub domínios da área, três, a saber: “Status Planning, Corpus Planning e Acquisition Planning”.

A concepção do domínio do Planeamento Linguístico, abrangendo as áreas de Status Planning e Corpus Planning, havia sido já proposto por Heinz Kloss (Heinz Kloss, 1969), cerca de vinte anos antes e, aparentemente, consagrava dois campos de trabalho relativamente claros.

Corpus Planning é brevemente descrito por Cooper como referente a actividades, como por exemplo, a proposta de novos termos, as reformas ortográficas, etc., ou seja, as diferentes actividades de modernização ou de adequação às novas realidades que se colocam a uma língua, ou, como Einar Haugen (Einar Haugen, 1967) define: “the normative work of language academies and committees, all forms of what is commonly known as language cultivation (…) and all proposals for language reform or standardization”.

Pode dizer-se que este tipo de actividades de PLPL é aquele que há mais tempo se regista, e dele demos exemplos anteriormente.

Status Planning, tem como objecto, tal como Kloss o concebia, o reconhecimento oficial do governo do estatuto de uma língua em relação a outras.

Entretanto, este tema foi conhecendo posteriores alargamentos no sentido mais lato da definição de línguas, ou de variedades, para determinadas funções, existindo mesmo quem, como (Gorman, 1973) defendesse a designação “Language Allocation”, em vez de “Status Planning”, definindo o seu objecto como “authoritative decisions to maintain, extend or restrict the range of uses (functional ranges) of a language in particular settings.”

A verdade é que Status Planning se manteve e se popularizou, tornando-se um objecto mais alargado do que aquele que inicialmente foi concebido.

Também aqui, não faltam exemplos históricos de decisões deste tipo, tal, como, por exemplo, a famosa posição de Lutero, defendendo a tradução da bíblia nas diferentes línguas maternas – e não apenas o uso do latim, decisão que há apenas algumas dezenas de anos atrás se veio a implementar na Igreja Católica. Foi uma evolução que levou cerca de cinco séculos a consolidar-se.

No entanto, se repararmos bem, existe, na prática, uma certa dificuldade em destrinçar, com exactidão, a fronteira entre estas duas áreas de intervenção. Tomando o exemplo, já referido, da Gramática de Nebrija, a fixação do castelhano, não só constituiu um esforço destinado a consolidar a língua vernácula, falada por todos, dotando-a dos elementos necessários à sua padronização, embora, pelas mesmas razões, tivesse o objectivo de alterar a distribuição de funções sociais das línguas então presentes no reino,

É exactamente o que salienta (J. Fishman, 1983), ao referir que as distinções entre Corpus Planning e Status Planning são mais claras na teoria do que na prática.

Finalmente, temos a terceira área proposta por Cooper, Acquisition Planning, área que é defendida pelo seu proponente, tendo em conta a constatação da importância do ensino de línguas como instrumento de PLPL e baseando-se em duas ordens de objectivos frequentes em PLPL:

Language Spread – ou seja, o aumento de utilizadores de uma determinada língua, marcando a diferença com o aumento de usos, próprio do Status Planning.

As alterações de forma ou de funções de uma determinada língua, objecto do Corpus Planning e do Status Planning respectivamente, são influenciadas pelo número de falantes dessa língua. Os novos usos atribuídos a uma língua podem atrair novos falantes, os quais a podem influenciar, nomeadamente por fenómenos próprios de línguas em contacto.

Apesar desta visão tripartida - Corpus Planning, Status Planning e Acquisition Planning - se ter gradualmente generalizado, naturalmente, outras perspectivas se apresentaram, defendendo a acentuação de outro tópico, por exemplo, com Herbert Christ (Christ, 1997), que coloca as questões de aquisição como componente de um outro quadro analítico: Language in Education.

Como veremos mais à frente, estas diferenças de enquadramento são fulcrais na discussão da filiação da Política de Línguas Estrangeiras no âmbito mais geral da PLPL, e mesmo, como esta mudança de topicalização na perspectiva escolhida, aproxima, ou distancia, esta disciplina da área da Linguística Aplicada.

Neste momento continuaremos a tarefa de descrever as orientações gerais que têm definido o objecto e as metodologias da investigação no domínio científico da PLPL

Muito recentemente, esta mesma questão fundamental, de definição de objectos de estudo e de metodologias, foi abordada de uma forma integradora por Thomas Ricento (Ricento, 2006:29), que propôs um quadro classificativo em que procura abranger as múltiplas tipologias e perspectivas dos trabalhos de PLPL.

Segundo o referido autor, este quadro, que apresentamos na Figura 4, representa uma integração de diversos estudos anteriores: (R. L. Cooper, 1989), (C.A. Ferguson, 1968), (E. Haugen, 1983), (Hornberger, 1994), (H. Kloss, 1968), (Nahir, 1984), (Neustupný, 1974), (Rabin, 1971) e (Stewart, 1968).

Figura 4 - Quadro Integrativo de Ricento (2006: 29)

Não podemos deixar de salientar que Ricento coloca claramente a questão das Línguas Estrangeiras, reflectindo a abordagem anteriormente

proposta por Cooper, como um dos objectos de investigação – e acção - da PLPL.

Este facto é especialmente relevante, uma vez que esta proposta tenta sintetizar as linhas de força organizadoras mais geralmente aceites pela comunidade e pela obra dos investigadores deste domínio científico, além de que se trata de uma publicação de 2006, reflectindo assim uma perspectiva actual, tendo vindo a ser sedimentada até ao presente.

No entanto, constata-se que esta tentativa – como qualquer outra - não deixa de levantar questões. Desde logo, a decisão de incluir o “Language Spread” no pano de fundo do Status Planning.

De facto, se abordarmos esta questão num âmbito nacional, ou, pelo contrário, num âmbito internacional, a proximidade com as questões de estatuto alteram-se tão profundamente que podem pôr em causa a objectividade desta decisão de Ricento.

No entanto, relativamente às Línguas Estrangeiras, elas estão claramente enquadradas na categoria de Acquisition Planning, classificando-as também no que denomina de Cultivation planning approach (on function), em oposição a Policy planning approach (on form).

Apesar do conceito original de Cultivation estar relacionado com a Escola de Praga, (Prague School, 1973), o autor refere ter seguido as definições de J. V. Neustupný (Neustupný, 1974).

Mas regressemos aos nossos propósitos de uma descrição mais geral. Como em tantas outras disciplinas, a discussão não se centra apenas na definição do seu objecto e de metodologias próprias, neste caso, da PLPL.

Questões como a própria possibilidade de planear uma língua, ou aspectos dela, são levantados por diversos investigadores, como, por exemplo, (Djité, 1994), que põe inclusivamente em causa se se pode realmente planear algum aspecto da vida das línguas ou que parte delas virá a ser possível planear.

Por outro lado, e é sempre importante reconhecê-lo, independentemente da PLPL, tenham ou não lugar actividades de planeamento, exista ou não uma estratégia política, as mudanças nas línguas e nas relações entre elas acontecem, acompanhando as mudanças da realidade dos seus utilizadores.