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CAPÍTULO II Da Política de Línguas Estrangeiras à Linguística Aplicada

2. Política de Línguas Estrangeiras

Tal como vimos anteriormente, o objecto da PLPL e, por isso, os métodos adoptados, têm estado profundamente ligados à ideia de estado- nação, como espaço onde se desenrolam as actividades de PLPL e mesmo a sua concepção.

Vimos, de resto, como, na evolução da disciplina, esse tema tem sido fulcral. Mais, vimos também como a influência do factor globalização, determinou uma mudança substancial de rumo na disciplina. Esta mudança deve-se, sem dúvida, ao reequacionamento da realidade do estado-nação, que deixou de se constituir como o espaço único e fundamental onde se enquadravam a esmagadora maioria dos fenómenos abordados pela PLPL.

Na verdade, a partir do momento que se consolidava a presente tensão entre o global e o local, assistiu-se à acentuação, a nível local, de diversas realidades internas, que deixaram de ser consideradas ameaçadoras para uma identidade nacional, antes elementos que a construíam.

Por outro lado, forçadas ao “concerto das nações”, quer pela economia, quer pela política, quer pelas movimentações sociais, as comunidades vêem-se integradas em redes de comunicação transnacional, onde as línguas ganham outra dimensão, a dimensão global.

Neste novo enquadramento, pautado por realidades transnacionais, como a União Europeia, por exemplo, a questão da existência de competências em línguas estrangeiras é crucial e condiciona as possibilidades de cada país em aceder a modelos económicos caracterizados pela qualificação da mais valia dos seus produtos, logo, produtores de maior bem-estar e desenvolvimento das suas comunidades.

Esta preocupação consubstancia-se, entre nós, por exemplo, na recente medida do governo em aumentar a aprendizagem do inglês no sistema de ensino, implementando-o, agora, logo no nível básico do sistema educativo, procurando dotar o país de competências de comunicação naquela que é tida como a língua internacional dos tempos actuais, não uma língua franca

regional, de maior ou menor dimensão, ou transregional como o português já foi, mas agora a uma nova escala global.

Esta nova situação, que se tem vindo a desenvolver com maior celeridade desde o fim da guerra-fria, não tem escapado aos investigadores de PLPL, apesar de se verificar muito mais preocupação pela vertente da solução de problemas, do que pela da sua estruturação teórica, ou pela da clarificação do seu objecto e metodologias no enquadramento mais geral na disciplina d e PLPL.

Como já vimos anteriormente, a questão da provisão de línguas estrangeiras foi, pela primeira vez, integrada no quadro da PLPL por (R. Cooper, 2006), no âmbito da proposta de uma terceira área da disciplina: Acquisition Planning.

No entanto, há investigadores que não aceitam esta nova área, como por exemplo Kaplan e Baldauf Jr. (Kaplan & Baldauf Jr., 1997:121).

“Cooper (1988) calls language-in-education planning 'acquisition planning', arguing that it is a third category to corpus and status planning, rather than the major activity of 'Implementation (educational spread)' (…) this is an important distinction. The notion of 'acquisition planning' suggests an independent process. While that may reflect what often occurs in practice, the failure to embed language-in-education planning with the wider corpus planning/status planning framework is a major cause of the failure of independently implemented 'acquisition plans'.”

Kaplan e Baldauf Jr. invocam (E. Haugen, 1983) e o seu modelo revisto e corrigido, que apresentamos de seguida na Fig. 5, para defenderem que a aquisição é simplesmente uma actividade de implementação própria do Status Planning.

Como é claro, esta abordagem mantém-se na linha, digamos, mais clássica, de abordagem do objecto desta disciplina, sempre tendo em conta o âmbito do estado-nação, as suas comunidades constituintes e respectivas línguas, mas, sem considerar, de forma teoricamente integrada, as interacções que se desenrolam, em torno de uma língua nacional, mas fora do estado- nação de origem, ou, dentro do estado-nação, mas tendo como objecto línguas que não têm representação na comunidade do aprendente, ou seja, as línguas ditas estrangeiras.

Figura 5 - Modelo de Haugen, segundo Kaplan e Baldauf Jr.

Como podemos ver na figura 5, esta construção concebe apenas, ou questões de estatuto, ou de corpus. No que respeita às línguas estrangeiras, o planeador preocupa-se com o seu estatuto, usando o utensílio privilegiado da educação.

Mas curiosamente, esclarecem: "Because the education sector rarely has the outreach or the available resources to impact any sector other than the schools, it is unwise (though it is frequently the case) to assign the entire implementation activity to the schools."

E, um pouco mais à frente, acrescentam o seguinte:

“Language-in-education, being a sub-set of national language planning, is also part of human resource development planning. Thus, the education sector needs to understand what languages are desirable in the repertoire of speakers in the community and for what purposes those languages will be used. It may be possible, for example, that a nation intends to expand its commercial ties with a particular country or region and, over the long term, the nation may decide that it has need of a substantial pool of individuals who are competent in the language(s) of the new commercial partner(s). The nation may look to the education sector to produce that pool of individuals. Not only does the education sector need to know what languages are becoming desirable, but it is also necessary to know how soon the demand for speakers is likely to occur

information can most conveniently be collected through in-depth interviews with leaders in the commercial sector and in those agencies of government charged with the development of commercial relationships.”(Kaplan & Baldauf Jr., 1997:127)

Como se pode constatar, estes autores explicitam a necessidade de uma comunidade definir quais as línguas de maior interesse (predominantemente económico), estranhando-se, no entanto, que defendam dever competir ao sector da educação a definição da Política de Línguas Estrangeiras.

Na verdade, os próprios autores reduzem muito o papel do sector educativo, reconhecendo as suas limitações neste domínio:

“It is possible that this is the point at which there needs to be a major articulation between language-in-education planning and more general language planning. Government is in a position to provide motivational structures that the education sector simply cannot provide”.(Kaplan & Baldauf Jr., 1997:126)

Como podemos ver, os mesmos autores que não aceitam ser a aquisição um enfoque de política e planeamento linguístico, acabam por reconhecer que, existe um âmbito mais abrangente – o da Política de Línguas Estrangeiras.

Co-existem assim inconsistências inaceitáveis:

a) Apesar de reconhecer que o sector da educação não tem poder para produzir alterações a não ser nas escolas, colocam o mesmo sector da educação a determinar a política linguística em sectores e gerindo processos que claramente o transcendem, desde o diagnóstico à definição dos objectivos políticos, ou até à intervenção junto das empresas..

b) Apesar de se centrarem na educação, invocam, na implementação da política, a necessidade de outros utensílios de intervenção, próprios de um governo.

Ora, se, a montante, nos parece claramente excessivo imputar à educação a responsabilidade de desenvolver utensílios de diagnóstico e órgãos para uma decisão estratégica económica, já a constatação, a jusante, da necessidade de um leque de instrumentos, que intervenham não apenas nas escolas, mas especialmente nas empresas, reconhecidamente não apenas

educativos, vem demonstrar as fraquezas deste modelo e o seu desajustamento da realidade.

Esta divergência situa-se, de facto, no cerne das questões que aqui tentamos discutir e compreender melhor.

Na verdade, não se trata de um problema novo, muito pelo contrário. Pelas datas de publicação já mencionadas podemos perceber que a questão se prolonga há vários anos. Mas, tendo em conta que as obras aqui referenciadas tratam de abordagens metodológicas, ou seja, que para além destas propostas de organização da problemática própria da disciplina, não faltam exemplos de estudos sobre a provisão de línguas estrangeiras em determinada região, ou país, então, realmente, já não se trata de reconhecer que estamos perante um problema que se coloca há décadas, mas de assumir que é necessário “acomodar” na orgânica disciplinar e, consequentemente teórica, os inúmeros trabalhos de campo que se têm vindo a realizar.

Por outro lado, esta crítica, representa exemplarmente o condicionalismo desta área, como aliás, outras de ciência aplicada, vocacionadas para se orientarem pela importância e premência dos problemas - a cujas soluções se dedicam -, não tendo deixado tanto espaço, nem para a teorização, nem para a intercomunicação entre investigadores de diferentes campos, nem, enfim, para o estudo das realidades e para a proposta de possíveis soluções.

É assim que, na sequência das lacunas detectadas na obra de Robert B. Kaplan e Richard B. Baldauf Jr., anteriormente referidas, se baseia o percurso de fundamentação teórica da Política de Línguas Estrangeiras.

"Language-in-education planning is substantially different from language planning. As has already been noted, language planning broadly is a function of government, since it must penetrate many sectors of society. Language-in- education planning, on the contrary, affects only one sector of the society - the education sector." (Kaplan & Baldauf Jr., 1997:122)

Partindo destas razões apresentadas com intenção contrária, podemos afirmar que a Política de Línguas Estrangeiras é um subdomínio do Planeamento Linguístico, pois constitui, de forma alargada, responsabilidade da governação, além de pretender implementar-se em vários sectores da sociedade, e não apenas no da educação.

A Política de Línguas Estrangeiras não depende pois, do planeamento educativo, muito pelo contrário, condiciona-o no que diz respeito ao ensino/aprendizagem das línguas e culturas estrangeiras.

3. Da Política de Língua e Planeamento Linguístico à